Massimo ‘Miki’ Biasion: A sustentável leveza de vencer

Por a 20 Junho 2024 15:00

Massimo Biasion, Miki para os amigos, foi o arquétipo do homem discreto, que apenas sabia fazer uma coisa: ganhar. Ganhou em tudo o que fez na vida – e o respeito dos seus colegas e a admiração do público, que o adorava mas sem histerismos coletivos, não são aqui de somenos importância.

está agora de novo ligado à Lancia, marca que o projetou e marca que o italiano ajudou a projetar. Vamos ver por onde se direciona esse novo caminho, mas para já recordamos o homem que chegou ao estrelato com e pelos ralis…

Mike Biasion nasceu numa pequena localidade da província de Vicenza, perto de Veneza, chamada Bassano del Grappa – que, como está na sua toponímia, é mais conhecida pela celebrada aguardente com o mesmo nome, feita a partir do bagaço da uva e que se serve em grossos copinhos de cristal, depois das refeições, em qualquer restaurante de Itália. E pelo pintor Jacopo Bassano (1510/1592), que se acredita ter dado o nome à vila. Mas, na vida, Biasion nunca pensou ser vinhateiro e muito menos pintar telas estético-filosóficas, de orgias de comensais anafados e de nítidos contornos corporais. Não: aquilo que ele sempre fez e confessa ter desde sempre querido, foi competir.

Do esqui as camiões

“Desde que me lembro, a minha vida foi baseada no desporto.” Uma verdade “lapalissiana”: começou pelo esqui e, as 16 anos, em 1974, conquistou o seu primeiro título, de Campeão de Itália… de Esqui. Depois vieram os motores, mas montados em veículos de duas rodas. Pois é: no motocross, foi campeão da região do Triveneto, em 1975 e, dois anos mais tarde vice-campeão Nacional de Cadetes. Em resumo, correu no motocross sempre com o nº 71 na sua moto e chegou a ser piloto oficial da Aprilia.

Então, aos 20 anos, comprou o seu primeiro automóvel, um Opel Kadett GT/E de Grupo 1 e, com ele, materializou o sonho de correr em ralis. Em 1979, fez 11 provas e em todas chegou ao fim conquistando o título de Campeão de Iniciados, façanha que o projetou para voos mais elevados. No ano seguinte, com um Opel Ascona SR, ganhou o título de Grupo 2, lutando contra nomes que, pouco antes, faziam parte do seu imaginário de adolescente. Com isso, a Opel recrutou-o para a sua equipa oficial de ralis e, em 1981, estreou-se na cena internacional, chegando a liderar a primeira etapa do Targa Florio.

Depois, com um Opel Ascona 400, sagrou-se Campeão Nacional de Grupo 4 (1982) e venceu o seu primeiro rali à geral, o Ralli Biella. Este título abriu uma caixa de pandora, da qual nunca mais saiu: a Totip, uma das principais equipas de ralis italianas, animada com as suas qualidades de rapidez e fiabilidade, contratou-o para conduzir um Lancia Rally 037. E Biasion agradeceu o gesto, vencendo 11 das 13 provas do Europeu e sagrando-se campeão no final a temporada, a que acrescentou novo cetro em Itália, desta feita no campeonato principal.

1984 foi o ano da sua primeira aventura mundial, subindo ao pódio na Córsega (2º) e na Acrópole (3º). No seguinte, teve lugar a sua primeira grande vitória internacional, no Rali Costa Brava, seguida por outra, na Grécia. Mas foi o seu segundo lugar em Portugal que o projetou em definitivo para a galáxia dos melhores do Mundo. O primeiro triunfo no WRC, esse, teve lugar na Argentina, em 1986, dominando o ‘monstro’ Delta S4 com rigor e coragem.

Animado, enfrentou o Mundial de 1987 com inamovível espírito vencedor – e os triunfos no Monte Carlo, prova que abria as hostilidades, de novo na Argentina e no Sanremo, faziam prever a luta pelo título até ao final. Porém, os deuses assim não o quiseram: uma lesão contraída numa banal queda, enquanto praticava alpinismo afastaram-no da última prova, deixando adiada a sua tarefa para o ano seguinte.

Então, vingou-se da melhor forma, vencendo o WRC em 1988 e 1989 e tornando-se o primeiro piloto italiano a consegui-lo, de forma consecutiva, na História do WRC. Foram os seus anos de ouro, depois dos quais a sua estrela começou a empalidecer, embora não por sua culpa.

Ficou na Lancia até esta fechar a sua equipa de competição no final da temporada de 1992. No ano seguinte assinou com a Ford, oferecendo ao Sierra RS Cosworth 4×4 os seus melhores resultados de sempre, ao terminar em 2º lugar no Rali de Portugal/Vinho do Porto e classificando-se em 4º no Mundial. Com o novo Ford Escort RS Cosworth conquistou, em 1993, a sua derradeira vitória n WRC, antes de dizer adeus antes do final a temporada seguinte, quando sucessivos problemas técnicos o afastaram do caminho de um terceiro título, para onde parecia solidamente encaminhado, pois estava a frente da tabela de Pilotos antes desses problemas sucederem.

Em 1995, fez apenas dois ralis, pontuáveis para o Mundial de 2 Litros: com um Lancia Delta Integrale do Team Astra, de Mauro Pregliasco, abandonou na Acrópole, quando estava na frente. E, com um Subaru Impreza 555 da ART Italia, foi 3º no Sanremo. E pronto: aos 48 anos, decidiu que a porta que tinha aberto mais de dez anos antes no WRC estava pronta a ser fechada. E outro caminho começou então a ser traçado – com o mesmo espírito vencedor de sempre: os Camiões e as pistas do deserto.

Miki Biasion e o tri português

Durante três anos, os Lancia Delta Integrale revelaram-se imbatíveis no Rali de Portugal/Vinho do Porto. Na verdade de tal forma as suas caraterísticas pareciam talhadas para as rudes e exigentes classificativas portuguesas, que entre 1988 e 1990, no pódio apenas existiram pilotos ao volante destes carros italianos. E, curiosamente, durante esses três anos, o vencedor foi sempre Miki Biasion – o que quer, sem dúvida, dizer alguma coisa sobre as suas capacidades como piloto. Acresce dizer que, nesses três anos, Biasion foi por duas vezes Campeão do Mundo de Ralis – em 1988 e 1989, tornando-se o primeiro piloto italiano a conseguir tal proeza na história do WRC

1988

Pela primeira e única vez na sua carreira no Mundial, Massimo Biasion não foi acompanhado pelo seu habitual navegador, Tiziano Siviero, que se encontrava doente. A substitui-lo, esteve sentado no banco do lado direto Carlo Cassina mas isso não fez qualquer diferença. Biasion acabou por vencer a prova de estreia do Lancia Delta Integrale, batendo por mais de oito minutos o primeiro dos dois carros idênticos do Jolly Club, pilotado por Alessandro Fiorio. Este por sua vez lutou até ao fim com o seu colega de equipa, Yves Loubet, que foi terceiro, a meros 36 segundos. A prova ficou aidna marcada pelos problemas de Markku Alen, logo na super-especial do Estoril, onde perdeu 20 minutos e qualquer hipótese de vencer o rali.

1989

Em 1989, o domínio de Miki Biasion foi ainda mais evidente pois ganhou 18 das 37 classificativas e a sua margem de vitória foi superior a 10 minutos, sobre o seu colega de equipa, Markku Alen. O pódio ficou completo com outro Lancia, do Jolly Club, pilotado por Alessandro Fiorio, já a mais de 23 minutos. O esperado duelo com os Toyota Celica GT Four evaporou-se quando, sob inclementes condições atmosféricas, com muita chuva e lama, os carros japoneses foram desistindo, um a seguir ao outro, antes do final do terceiro dia, deixando os Lancia oficiais à vontade e sem adversários.

1990

Neste ano, uma vez mais os Toyota foram batidos pelos Lancia, que ocuparam as cinco primeiras posições da prova. Entre eles, Carlos Bica como melhor português. O pódio foi todo ocupado por pilotos da equipa oficial com as cores da Martini (Biasion na frente de Didier Auriol e de Juha Kankkunen), numa prova em que a Toyota ainda deu um ar da sua graça, mas não resistiram aos duros pisos portugueses e nesse aspecto, Biasion foi novamente quem disferiu os ataques na hora certa, aproveitando os problemas de transmissão no Toyota de Sainz, controlando depois a prova.

Camionista de luxo no Dakar

Em 1997, Massimo Biasion deu início a uma nova carreira: o todo-o-terreno. Porque, conforme confessou, “os raides sempre me fascinaram.” Ao volante de um IVECO Eurocargo, estreou-se na longa maratona Paris-Samarcanda-Moscovo, 15 mil quilómetros pelas estepes russas. Chegou em 2º da geral – e isso foi o prelúdio de uma nova e bem sucedida carreira que, nos anos seguintes lhe deu mais vitórias e dois títulos, na Taça FIA de Ralis-Raides (Camions), em 1998 e 1999. Ganhou em Marrocos, na Tunísia, no Egito, no Abu Dhabi. Correu nas 24 Horas de Fronteira, em 2002, integrado na equipa oficial da Mitsubishi. Lutou com Elizabete Jacinto nas pistas do Dakar. Mas, acima de tudo, nunca perdeu a sua ‘verve’ de sempre, a sua perspicácia e a sua simpatia.

Depois de ter sido 2º no Dakar, com um [Mitsubishi] Pajero oficial, em 2003 [de que foi posteriormente afastado, por causa de uma penalização pós-corrida] Biasion atravessou o Atlântico com a caravana do ‘novo’ Dakar e, na América do Sul, com um novo ‘monstro’, agora de sete metros de comprimento, 9.700 quilos e mais de 840 cavalos de força, enfrentou um novo inimigo: Gerard de Rooy, o guru das corridas de Camiões no deserto e arredores. Com ânsia e galhardia: foi 6º em 2012 e na de 2013, chegou a estar em 3º lugar, mas depois caiu dez posições, com inúmeros pequenos problemas, que a equipa se viu em palpos de aranha para resolver.

As vitórias no WRC

Entre 1986 e 1993, Miki Biasion ganhou um total de 17 ralis pontuáveis para o WRC. Entre eles, o Rali de Portugal/Vinho do Porto, em 1988 1989 e 1990 – tornando-se no primeiro piloto italiano a conseguir a proeza de subir ao lugar mais alto do pódio na nossa prova então a mais prestigiada do campeonato, por três vezes consecutivas.

Dessas 17 vitórias, todas elas menos a última (Acrópole 1993) foram ao volante de carros da Lancia. A primeira (Argentina 1986) foi também a única com um dos ‘super-carros’ do Grupo B, o poderoso Delta S4. Depois, seguiram-se três com o Delta HF 4WD, em 1987 e, entre 1988 e 1990, foram sempre com o Delta Integrale, primeiro com motor 8V e, nas três últimas, com o motor 16V.

Enfim, todas elas com exceção do Rali de Portugal/Vinho do Porto de 1988, onde foi acompanhado por Carlo Cassina, teve ao seu lado o seu fiel navegador Tiziano Siviero.

AS 17 VITÓRIAS

1986 – Argentina (Lancia Delta S4)

1987 – Monte Carlo, Argentina e Sanremo (Lancia Delta HF 4WD)

1988 – Portugal/Vinho do Porto, Safari, Acrópole, Olympus e Sanremo (Lancia Delta Integrale)

1989 – Monte Carlo, Portugal/Vinho do Porto, Safari, Acrópole (Lancia Delta Integrale) e Sanremo (Lancia Delta Integrale 16V)

1990 – Portugal/Vinho do Porto e Argentina (Lancia Delta Integrale 16V)

1993 – Acrópole (Ford Escort RS Cosworth)

MIKI BIASION

Nome: Massimo “MIKI” BIASION

Nascimento: Bassano del Grappa, 7 de Janeiro de 1958 (56 anos)

Estreia na competição: 1974 (esqui); 1975 (motocrosse); 1978 (ralis)

WRC: 1980-1994

Ralis WRC: 78

1º Rali WRC: San Remo 1980

Último Rali WRC: RAC 1994

Vitórias: 17 (21,8%)

1º Vitória WRC: Argentina 1986

Última Vitória WRC: Acrópole 1993

2º lugares: 11

3º lugares: 12

Pódios: 40 (51,3 %)

Pontos: 768

Classificativas ganhas: 373

Títulos: 2 (1988, 1989)

1979 – Campeão de Itália de Ralis/Iniciados (Opel Kadett GT/E)

1980 – Campeão de Itália de Ralis/Gr.2 (Opel Ascona SR)

1982 – Campeão de Itália de Ralis/Gr.4 (Opel Ascona 400)

1983 – Campeão da Europa de Ralis (Lancia Rally 037); Campeão de Itália de Ralis (Lancia Rally 037)

1998 – Taça do Mundo de Rally-Raid/Camion (IVECO Eurocargo)

1999 – Taça do Mundo de Rally-Raid/Camion (IVECO Eurocargo)

PALMARÉS WRC

1980 – Opel Ascona: 1 rali. Não pontuou

1981 – Opel Ascona 400: 1 rali. 33º CM, 6 pontos

1982 – Opel Ascona 400: 1 rali. 49º CM, 3 pontos

1983 – Lancia Rally 037; 1 rali. 21º CM, 8 pontos

1984 – Lancia Rally 037: 5 ralis. 6º CM, 43 pontos

1985 – Lancia Rally 037: 4 ralis. 12º CM, 23 pontos

1986 – Lancia Rally 037: 1 rali; Lancia Delta S4: 7 ralis, 1 vitória (Argentina). 5º CM, 47 pontos

1987 – Lancia Delta HF 4WD: 7 ralis, 3 vitórias (Monte Carlo, Argentina, San Remo). 2º CM, 94 pontos

1988 – Lancia Delta HF 4WD: 1 rali; Lancia Delta Integrale: 6 ralis, 5 vitórias (Portugal, Safari, Acrópole, Olympus San Remo). CM, 115 pontos

1989 – Lancia Delta Integrale: 5 ralis, 4 vitórias (Monte Carlo, Portugal, Safari Acrópole); Lancia Delta Integrale 16V: 1 rali, 1 vitória (San Remo). CM, 106 pontos

1990 – Lancia Delta Integrale 16V: 7 ralis, 2 vitórias (Portugal, Argentina). 4º CM, 76 pontos

1991 – Lancia Delta Integrale 16V: 7 ralis. 4º CM, 69 pontos

1992 – Ford Sierra RS Cosworth 4×4: 7 ralis. 4º CM, 60 pontos

1993 – Ford Escort RS Cosworth: 9 ralis, 1 vitória (Acrópole). 4º CM, 76 pontos

1994 – Ford Escort RS Cosworth: 8 ralis. 6º CM, 42 pontos

Outras vitórias:

1998 – Rali da Tunísia (Camion), IVECO Eurocargo; Rali dos Faraós (Camion) IVECO Eurocargo; Abu Dhabi Desert Challenge (Camion), IVECO Eurocargo

1999 – Rali da Tunísia (Camion) IVECO Eurocargo; Rali dos Faraós (Camion), IVECO Eurocargo; Abu Dhabi Desert Challenge (Camion), IVECO Eurocargo; Rali de Marrocos (Camion), IVECO Eurocargo

2011 – Rali de Marrocos (Camion), IVECO

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