Entrevista a Joaquim Bessa: “A Ford apoiou-se na Diabolique para desenvolver o RS200”

Por a 24 Agosto 2024 11:30

Foi perto da mítica Praça Velasquez no Porto que entrevistámos Joaquim Bessa, também conhecido no mundo automobilístico como Kikas Bessa, piloto, navegador, diretor-desportivo, um ‘guru’ dos clássicos em Portugal e até jornalista do AutoSport e Motor. 

Joaquim Bessa fez reflexões sobre o Automobilismo, falou-nos da sua Paixão pelos Ralis, do início e ascensão da sua carreira, as parcerias de Sucesso e inevitavelmente da Diabolique Motorsport, numa entrevista que revela uma paixão genuína pelos ralis e um profundo conhecimento do automobilismo português. ‘Kikas’ Bessa, para os amigos, partilha memórias inesquecíveis de uma época marcada por grandes desafios e conquistas. A Diabolique Motorsport foi um projeto ambicioso que deixou um legado muito importante para o automobilismo nacional e que agora e aqui explanamos para memória futura…

Por Duarte Mesquita

Quando em 1972 e 1973 fez os primeiros ralis como navegador, a sua paixão pelo automobilismo estava a despertar ou já era bem viva?

JB: “O primeiro rali que fiz foi o do Académico em 1972 e o Virgílio Ferreira foi o primeiro piloto que naveguei. Ele foi o único a conseguir vencer no mesmo fim de semana uma corrida de motos e uma de automóveis em Vila do Conde. Em 1973 fiz ralis com o Rui Sampaio, vencemos o de Matosinhos e o Rali a Vilar do Paraíso. Nessa altura a minha paixão já estava bem viva, pois em 1972 além do Pedro Meireles já andar por aqui, era nosso amigo aqui da Praça Velasquez, ele já estava a fazer provas do Nacional na equipa da British Leyland, que era de uns amigos nossos que moravam aqui na Praça também, os Gonçalves, o Mário e o Rui, eu tinha um vizinho que era o Toy Borges, que foi Campeão Nacional nesse ano com o Porsche. Eu nesse ano treinei vários ralis com ele. Portanto, eu depois quando comecei a fazer provas, já tinha muitos mais km do que a maioria deles todos porque o Toy Borges treinava dias inteiros seguidos.”

Essa paixão já estava então em altas, não foi parar ali por acaso?

JB: “Já estava sim. Quem me meteu o bichinho foi o Eng. Manuel Romão que era meu amigo desde os 60s, ele é um pouco mais velho do que eu e estava muito metido nas corridas, estava na equipa da British Leyland e teve várias atividades no automobilismo. Ele recentemente partilhou que nunca pensou que ao meter-me o bichinho dos automóveis na minha cabeça, eu ainda iria mais longe do que ele foi, que foi efetivamente o que aconteceu.”

A sua carreira nos anos seguintes como navegador “cresce” a olhos vistos e acompanhou pilotos de uma geração “de ouro” como o António Borges e o seu irmão José Pedro Borges, Jorge Ortigão, bem como o próprio Manuel Fernandes. Nessa década dos 70s, o espírito da competição, a camaradagem entre pilotos e equipas e mesmo a proximidade com o público faziam dos ralis um desporto muito familiar, quase como um clube de grandes amigos? Como se vivam os ralis nessa era?

JB: “É preciso ver que os ralis, à semelhança das rampas e do ciclismo, é um desporto que vai à casa das pessoas e isso é muito importante porque não há ninguém de Mondim de Basto que vá ver uma prova ao Autódromo do Estoril. Mas se a prova lhe passar lá à porta, essa pessoa vai ver. E até é capaz de sair de casa à noite para ir tomar café e ver os carros de corrida. É a diferença, os ralis toda a vida foram assim. Na altura as provas eram mais longas, começavam à sexta-feira e acabavam ao domingo, as assistências eram feitas na porta da garagem do vizinho e depois conhecia-se um amigo que facilitava a garagem às 02 da manhã para se mudar o que fosse preciso. Havia um contacto maior com o público, além de que se poderia treinar quando se quisesse, o que fazia com que houvesse um maior convívio entre pilotos e membros das equipas e depois eram todos amadores. Na altura havia uma maior homogeneidade entre os pilotos, talvez proporcionalmente se gastasse o mesmo dinheiro que se gasta hoje, mas tinham todos o mesmo espírito.”

E o espírito de competitividade? Também era diferente?

JB: “Era menor. Quem tinha um Porsche ganhava, quem tinha um Mini, ficava atrás (risos)! Mas isso sempre foi assim.”

Vamos até 1978, quando acompanha Paulo Lemos com um Opel Kadett GTE, tendo alcançado 3 pódios, nomeadamente no Rota do Sol, na Volta a Portugal e Castelo Branco. Nesta mesma temporada faz equipa com o portuense Joaquim Moutinho na Volta a São Miguel, também com um Opel Kadett GTE do Team Lopes Correia.Na altura estaria longe de imaginar que 6 anos mais tarde, Moutinho seria o piloto oficial escolhido pela Renault Portugal para lutar pelo título nacional. Como era e como evoluiu a sua relação com um dos pilotos mais ecléticos daquela geração?

JB: “Estávamos inscritos para os Açores, mas não houve rali, pois houve uma greve relacionada com os transportes marítimos, os carros ficaram retidos no barco uma semana. Depois foram desembarcados e vieram logo a seguir outra vez embora, pois já não ia haver prova nenhuma. O Moutinho era nosso conhecido do nosso grupo aqui do Porto, a nossa relação era ótima, dávamo-nos bem e só acabou com aquela trapalhada no rali do Algarve.”

Curiosamente na temporada seguinte, em 1979, Joaquim Santos ingressa no mesmo Team Lopes Correia e dá muito nas vistas, vencendo o Rali James e alcançando o 3º lugar no campeonato. Como era Quim Santos na altura com 27 anos? Já se via nele um piloto com potencial para chegar ao topo dos ralis em Portugal?

JB: “Eu já conhecia o Quim Santos de antes, ele aparecia aqui no Targa, que era onde nós nos encontrávamos à noite depois do Café Velasquez. Ele convidou-me em 1976 para fazer o Rali de Portugal e eu na altura não fui e depois o Mêquêpê também me convidou para ir com o Kadett GTE e como eu tinha dito que não ao Quim Santos, também lhe disse que não (risos). E dei um chuto na sorte, pois foi nesse ano que o Mêquêpê fez terceiro lugar à geral com o João Baptista. O Quim era tímido, muito reservado, uma pessoa simples, a conduzir já se via talento nele.”

Em 1980 faz dois ralis ao lado do José Gonçalves no Porsche 911 SC nos Ralis Rota do Sol (com um pódio) e Ourense (5º numa prova que pontuava para o Europeu), este carro era inscrito pelo Dr. Miguel Oliveira e tinha a decoração vermelha e dourada “Diabolique” É neste ano que se dá a sua entrada na equipa?

JB: “Em 1980 a Diabolique ainda não existia oficialmente como equipa, a minha entrada na equipa dá-se em 1981.”

Entre essas duas provas com o José Gonçalves navega o Quim Santos na Volta a São Miguel com o Ford Escort RS 1800 MKII do Team Lopes Correia. O que se lembra dessa prova? Foi decisiva para influenciar a ida de Quim Santos para a Diabolique?

JB: “Fui com o Quim Santos aos Açores, eu na altura era convidado por vários pilotos diferentes para ser o navegador, não tinha só um único piloto durante a época toda. E esse convite surgiu por parte do Quim Santos para irmos aos Açores. Eu já sabia que ele andava muito bem, nós não chegámos a andar à frente do rali, pois houve um problema num troço e “nós conseguimos anular o troço”. O carro parou de repente numa zona de cumieiras por cima da lagoa das Sete Cidades, que na altura só se faziam à volta de 1-2 kms nessa zona mais perigosa ao lado da lagoa. E depois de um dos saltos, a bobine do carro desligou-se, nós não sabíamos qual era o problema.

E o Quim Santos naquela sua ingenuidade da altura, começou a ver onde é que íamos parar o carro e eu disse-lhe para parar ali mesmo no meio da estrada (risos). Já não ia passar mais ninguém, o troço ia ficar parado. Depois chega o Carlos Torres e ainda estou a vê-lo como espumava a empurrar o carro e o Quim Santos dentro com o pé no travão (risos). Eu disse-lhe, “Quim, se o Carlos descobre, ele dá-te uma tareia que ainda te mata!” Nós dentro do carro, eles todos a empurrarem e o Santos com o pé no travão a segurar o carro. Lá empurraram o carro e ouvíamos o Torres “tira o pé do travão, tira o pé do travão!” (risos). Gerou-se um burburinho, o troço foi anulado e nós conseguimos continuar, vencemos logo o troço seguinte e subimos a segundo na geral com o Mário Silva à nossa frente. Podíamos ganhar o rali e estou em crer que iríamos mesmo ganhar o rali, mas mais à frente partiu-se o motor. Foi no Salto de Cavalo numa zona em asfalto e o carro quando levantou no salto fez as rotações que não devia e saiu um pistão e acabou aí.

Como se processou a sua passagem para Diretor Desportivo da Diabolique?

JB: “Eu em 1980 já tinha feito alguns ralis com o José Gonçalves, já estava no meio e conhecia o Dr. Miguel Oliveira, até acabei por o substituir no Rali de Ourense à última hora, pois era ele quem estava inscrito inicialmente. Quando nós abrimos a porta literalmente na Rua Oliveira Monteiro, 734, foi no dia 1 de janeiro de 1981. O Dr. Miguel Oliveira era uma pessoa pouco comunicativa e não dava confiança a ninguém, não conhecia ninguém. Eu tive a sorte de ele já me conhecer e de eu estar lá dentro e ele uma vez pergunta-me: “Quanto é que ganhas?”. Eu nem ganhava mal na altura e disse-lhe o que ganhava que era X. Ele respondeu “Pago-te o dobro e vens trabalhar comigo”. E assim foi, em 1980 eu já estava a colaborar com eles, mas ainda a trabalhar na antiga empresa que não me deixou sair, só em dezembro desse ano é que fiquei dedicado a tempo inteiro à Diabolique Motorsport.

Quais eram os principais desafios de preparar um Rali de Portugal com toda a sua extensão, nesses primeiros tempos com a Diabolique? 

JB: “O maior desafio e o que dava mais trabalho em concreto era fazermos os Road Books das assistências. Nós no início tínhamos no mínimo 4 equipas diferentes para dar assistência mais o carro em que eu andava com o chefe de mecânicos e muitas vezes com a mãe do Dr. Miguel Oliveira. Tínhamos uma rede e uma frequência de rádio só para nós, que na altura mais ninguém tinha. Nós tínhamos um técnico que contratávamos durante as provas, ele era o responsável por andar a desmontar e a montar as antenas durante a noite de zona para zona e a testar a frequência da rádio, era um trabalho terrível, ele chegava ao amanhecer todo cansado, era o último a ir para a cama, para garantir que as nossas comunicações funcionavam em pleno em cada dia da prova. A elaboração dos Road Books era de facto uma atividade muito trabalhosa e nem todas as equipas os tinham. A Salvador Caetano, por exemplo, não tinha ninguém que os fizesse, então eu vendia-lhes os planos de assistência a troca de X litros de gasolina. O Jorge Ortigão só nos pedia para nós não desistirmos, para assim continuar a ter disponível os planos de assistência (risos).

Falando em Jorge Ortigão, o último rali que fez como navegador dele foi o Rali de Portugal de 1980. Como foi essa aventura com um Datsun 1200 de Grupo 1?

JB: “Em 1979 o Jorge tinha “rebentado” com o Opel1904 que se foi desgastando ao longo das épocas e eu em 1980 perguntei-lhe “Jorge queres vir fazer o Rali de Portugal?”, eu tinha um Datsun 1200 de estrada que só precisava de um pequeno arranjo, pois eu tinha dado uma pancada com ele e ficava pronto para o Rali de Portugal. Ninguém acreditava que pudéssemos fazer a prova que fizemos. Chegámos ao fim, 7ºs melhores portugueses, vendi o carro logo a seguir ao slalom do Estoril e fizemos um rali incrível, penalizando o que tínhamos planeado penalizar de forma certinha.

Na altura facilmente era-se desclassificado por excesso de penalização e nós depois de sairmos da Póvoa, quando vimos que o carro se ia desintegrar todo, desenhámos um plano para penalizar 4 minutos aqui, 6 ali e 8 acolá. E assim funcionou, chegámos ao fim quando ninguém acreditava. Com este resultado, a Salvador Caetano interessou-se pelo Jorge e contratou-o para alguns ralis com um Starlet logo nesse mesmo ano.”

Voltando à Diabolique, a equipa fez o Rali de Portugal de 1981 a 1990, um período de ouro dos Ralis no Mundo e em particular no nosso país, com a elevadíssima popularidade do Rali. Como evoluiu a relação da equipa com a Ford?

JB: “O ano de 1986 é marcante pelos motivos conhecidos, mas foi nesse ano que nós estávamos completamente metidos na Ford Motorsport. A Ford tinha feito o desenvolvimento do RS200 aqui em Portugal, fui eu que programei toda a logística dos programas de testes, no final de 1985 em Vila Nova de Cerveira, que ficava muito bem localizada, pois ali perto tínhamos várias opções de troços para testar. E eu tinha bons contactos com os Estaleiros de Viana do Castelo, de maneira que tudo o que precisávamos de fazer à noite nos carros, íamos fazer aos Estaleiros, como novas peças no torno, soldar, ratificar, etc. A Ford Motorsport apoiou-se na Diabolique para desenvolver o RS200, vieram os primeiros carros ainda como versão protótipo e um desses carros ficou para nós.

Vieram testar o Stig Blomqvist, o Kalle Grundel e o Malcolm Wilson e nós chegámos a ir a Boreham, em Inglaterra, que era a sede da Ford Motorsport.

Boreham era um aeroporto de guerra que só tinha uns barracões e pouco mais e era perto de Chelmsford e de Essex onde era a base da Ford Reino Unido.

Boreham dava para tudo, num determinado momento, por exemplo, podíamos estar num lado a trabalhar num RS200 e se olhássemos para o outro ali estava o Alan Jones com um Lola a testar, que até à noite andava a fazer km para testar a durabilidade do motor (risos). 

Não havia cantina nem havia nada, eram umas instalações muito básicas, era muito frio também.

Bem, eu não me posso queixar muito pois não passei lá muito tempo (risos), o José Leite era o sacrificado e o que passava mais tempo lá, porque nós precisávamos de fazer pressão em cima deles paraconseguirmos evoluir o nosso RS200 com as últimas peças que eram desenvolvidas.”

O Presidente da Ford Lusitana na altura, Udo Kruse, foi um ativo importante para o estabelecimento desta ligação à equipa de fábrica?

JB: “Sim, foi muito importante, abriu muitas portas, mas também veio com as suas contrapartidas. Por exemplo, tivemos de fazer a Fórmula Ford, que não estava inicialmente nos nossos planos. Assinámos um compromisso de comprar 25 carros, 1850 contos cada carro e a Ford ajudava com uma subvenção de 1000 contos para cada um, que foram os carros que fizeram o Fórmula Ford Festival em 1985.

Nós tivemos de decidir quem era o construtor desses 25 carros, os ingleses queriam o Van Diemen e nós propusemos o francês Rondeau.

De maneira que eu e o José Leite fomos a Le Mans duas vezes falar com o Jean Rondeau, estivemos a almoçar com ele, com a taça das 24 horas na mesa. Com muita pena minha não foi o Rondeau o escolhido, a Ford terminou a parceira que tinha para a construção dos Fórmula e faleceu passado uma semana depois da notícia.

Depois com a Van Diemen acabámos por ter uma boa relação, ficámos muito amigos do Ralph Firman, que teve o seu filho depois a andar na F1, mas pessoalmente ficou o amargo por não ter sido escolhido o Rondeau, o único piloto construtor que ganhou as 24 Horas de Le Mans.”

De 1986 já se falou muito, mas em particular qual é a sua relação com o Ford RS200?

JB: “Foi um carro que deixou memórias como os outros. Era um carro “extraterrestre”, isso era. Mas anos antes já tinha saído o Lancia 037 e o RS200 era pouco melhor que um 037 com tração às quatro rodas.

A Ford embarcou ali num conceito de quererem fazer um carro muito bonitinho e entregaram o projeto à Ghia para fazer o design do carro, mas no final não saiu um resultado assim tão especial.

Eu fui um felizardo, fui o primeiro da equipa a andar no carro, ainda me lembro do Malcolm Wilson dizer “foste a primeira pessoa não Ford Motorsport a andar no carro”, eu fartei-me de andar no carro, andei com o Kalle Grundel e com o Stig Blomqvist, fiquei com boa relação com o Grundel desde então, ainda troco uns e-mails com ele.

O Blomqvist é mais sueco, tem outra forma de estar. Com o Malcolm Wilson nós já tínhamos relação com ele antes, nós já lhe comprávamos algumas peças, o pai dele era sucateiro.”

E com o David Sutton também tinham relação?

JB: “Com o Sutton não, o Sutton no fundo era um intermediário. Nós a partir do momento que começamos a ir diretamente “à fonte”, deixámos de ir aos intermediários. Fomos algumas vezes ao Malcolm, mas pouco mais.  Eu nunca falei com o Sutton, nunca estive com o Sutton, que é algo curioso porque nunca nos chegámos a conhecer. Lembro-me só de o ver uma vez num Rali de Portugal, quando ele veio com a equipa que preparava o Ford Sierra Cosworth conduzido pelo Ben Sulayem, o atual Presidente da FIA. Nós na altura com quem tínhamos relação era com o Gordon Spooner e com o Terry Hoyle que nos preparava os motores.”

O Joaquim Santos e a Diabolique foram duas vezes os melhores portugueses no Rali de Portugal, em 1983 e 1987. Estes resultados poderiam ter servido como trampolim para mais provas no Europeu ou no Mundial?

JB: “Nós nunca tivemos esse objetivo. No início começámos com o Rafael Cid, que era um piloto normalíssimo, mas com material fantástico. É óbvio que depois com o Quim Santos como piloto, com material bom na mesma, os resultados estão à vista. O Quim Santos num troço por exemplo de 15 kms, frequentemente era 1 minuto mais rápido que o Bica e 1 minuto e meio que o José Miguel. Com o Torres não era bem assim, era mais duro só que tinha um problema, é que a equipa e o projeto eram tudo dele, do trabalho e esforço dele. O Carlos Torres precisava dos resultados para vender carros e quando as coisas não saiam bem, sofria na pele.”

Acha possível um projeto como a Diabolique existir atualmente no Motorsport em Portugal?

JB: “Como estrutura em si há projetos que existem de forma similar. Por exemplo, a Sports & You tem o apoio direto das marcas, os tempos são outros, a economia também mudou, o formato atual dos ralis e das assistências faz com que logisticamente seja mais simples, antes era preciso ter carrinhas e mais carrinhas, agora com um camião TIR estacionado na assistência está tudo feito.

Há coisas que atualmente são mais baratas, dizem que os carros são mais caros agora, mas olhando para a economia e para o poder de compra que as pessoas tinham na altura, não sei se será tanto assim.”

Quando ouve os pilotos do Mundial de Ralis queixarem-se atualmente da dureza das provas e das dificuldades dos pisos e aderência, o que lhe vem à mente?

JB: “Recentemente fiz dois anos o Rali de Portugal como um dos últimos carros a passar antes da Michele Mouton, éramos o António Borges e eu.

Fiz o rali todo e realmente a segunda passagem é um martírio nalgumas especiais, no primeiro dia porque ainda estão quase todos os carros a fazer a prova, mas por exemplo, a zona final de Amarante também é dura.

Um privado que pague as contas do carro vai mais preocupado com o carro do que com a condução. Estes Rally1 modernos nas zonas lentas cavam facilmente 50 cm de rego. Antes os pisos não chegavam a este ponto, os carros evoluíram, a aderência dos pneus também, a capacidade de tração é muito diferente.”

E relativamente à dureza do formato das provas em si, das ligações serem longas e dos pilotos terem de se levantar cedo?

JB: “Não tem nada a ver. Agora até pode haver mais ligações, mas os troços em média são mais pequenos. Fazem uma ronda, vão a Matosinhos almoçar e voltam à tarde a andar com o carro novo. Antigamente andávamos 2500, 3000 km no percurso total de prova com mais de 600 km de provas especiais, vínhamos de Lisboa por aí acima até à Póvoa de Varzim só no primeiro dia.

E já só chegavam pouco mais de metade dos que partiam, sou desse tempo em que acabavam 20 ou menos carros o Rali de Portugal.

Por exemplo, uma Volta ao Algarve tinha na época 40 troços, distribuídos por 3 dias e com troços de 50 km, são tempos diferentes.”

Antes o Rali de Portugal era uma festa e considerado o ponto alto do ano para os pilotos portugueses. O que lhe parece que correu mal para termos chegado a este ponto em que a prova já muito pouco significado tem para a maioria dos pilotos/equipas portuguesas, quando dantes era a prova que reunia mais interesse? 

JB: “O retorno do Rali de Portugal para os portugueses, tirando dois ou três pilotos, é zero. Ninguém os espera para os ver, as pessoas não estão motivadas para esperar por eles.

Os outros ralis do Campeonato são mais pequenos, acho que um piloto faz muito melhor poder fazer 3 ou 4 ralis do CPR em vez de fazer só o Rali de Portugal, vai tirar mais gozo da condução.”

Deixando de lado a Diabolique, há alguma referência de piloto e navegador que tenha em admiração?

JB: “Vou ferir muitas suscetibilidades (risos)! Para mim um dos tipos portugueses que vi até hoje a andar mais depressa de automóvel foi o Mário Gonçalves, em escala de 0 a 10, dou-lhe um 10,5 (risos).

Não era o melhor piloto de ralis, não era o melhor piloto de circuitos, mas em velocidade pura era impressionante.

Do Mundial é fácil dizer, é o Blomqvist! Com 77 anos ainda pega num Audi Quattro para fazer ralis.

O Blomqvist andou com tudo o que havia diferente, andou de Saab 96, no Audi Quattro de Grupo B, no Sierra Cosworth e andava sempre bem. Eu também sou suspeito, pois convivi muito com ele nas épocas em que esteve com a Ford. Nos navegadores há um tipo que tem um percurso fantástico que é o David Richards, começa a pendura e empregado do Sutton e acaba a ser dono de uma equipa de F1.

E ainda está no ativo, a Prodrive continua nas corridas e ele tem uma série de cargos como por exemplo conselheiro do Mundial de Ralis. É um tipo como uma carreira fantástica.”

Tendo em conta os carros que passaram pela Diabolique, que carro deu mais ‘dores de cabeça’ à estrutura?

JB: “O Sierra Cosworth quando começámos em 1987, nós tivemos o carro cedo demais. Eram muito fracos no princípio e todos os dias saíam evoluções. Isso não se passou com o RS200, que era um carro caro e havia poucos. As evoluções do RS200 saíam todas da fábrica da Ford Motorsport. Com o Sierra foi diferente, pois a Ford vendia muitos Sierra Cosworth e depois todas as semanas apareciam coisas novas, no motor, nas suspensões, etc.

Havia uma evolução constante, pois eram muitos os carros a correr. Depois também tínhamos clientes de Velocidade que corriam com o Sierra, o Ni Amorim, o Fernando Peres, o José Peres e houve muito trabalho com o Sierra até estar num nível competitivo. Quando nós arrancámos com o Escort RS, o carro já estava mais do que feito, não havia nada a inventar.A Ford não devia ter entregado os Sierra tão cedo, houve situações em que montávamos a meio do rali peças que tinham chegado na véspera e na antevéspera de camião de Inglaterra.

Houve algum carro que ficou por comprar/testar?

JB: “Não, não. Nós podíamos era ter mudado para os Audi, estivemos muito perto de mudar para os Audi ainda quando eram homologados em Grupo 4, no princípio. Cheguei a ir a Ingolstadt duas vezes ter reuniões com a Audi Sport. A mudança só falhou porque o apoio que tivemos em Portugal por parte da SIVA foi pouco.

Fizemos um projeto, partilhamos com o Dr. Miguel Oliveira e depois tocou fazer as contas, comparar com os valores que tínhamos com os Escort e era muita massa. O Dr. estava disposto a comprar os carros, mas a SIVA não apoiou o suficiente. Um dos primeiros Audi quattro de estrada a vir para Portugal foi para o Dr. Miguel Oliveira, eu fui a Ingolstadt ver esse carro até.”

Que sensações recorda do Toyota Corolla WRC quando navegou Pedro Matos Chaves no Rali Solverde 1998?

JB: “O carro em andamento puro não era tão impressionante como o RS200. Agora todo o conjunto do Corolla em si, fazia com que fosse rápido, era um carro mais maneirinho. Dou-me muito bem com o Pedro e já tínhamos feito uns ralis juntos de BMW M3. Foi uma experiência muito gira e foi pena não termos acabado o rali, demos uma pancada.”

Ford, Porsche ou Lotus? Ou três amores distintos?

JB: “(risos) Cada um para a sua ocasião! No fundo, o Porsche espremido acaba por ser o mais equilibrado, apesar de gostar muito de guiar o Escort. Fui fazer o WRC Fafe Rally Sprint com um Escort de Grupo 4 e é um carro em que um tipo se sente ainda à vontade a conduzir. Mas de longe o melhor carro que guiei foi o Chevron de velocidade!” 

Por Duarte Mesquita

FOTOS Joaquim Bessa e Arquivo AutoSport

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