Luís Miguel Rego em entrevista: O brilho dos Açores
Bicampeão de ralis dos Açores, Luís Miguel Rego continua a dar nas vistas sempre que voa de São Miguel para descobrir as provas continentais do Campeonato de Portugal de Ralis. No Rali Terras D’Aboboreira, o piloto açoriano falou ao AutoSport de (quase) tudo: a influência do pai, os anos de formação no Autocross, a consagração em 2018 e 2019, o orgulho de representar toda uma região, e o sonho de ganhar “o rali mais bonito do mundo”.
Luís Miguel Rego fala com a clareza e fluidez de alguém que descobriu há muito o seu propósito no mundo. No caso do micaelense, a paixão que o consumia em criança é a mesma que ainda hoje o mantém acordado à noite: ser piloto de ralis. Os relatos dos meninos-prodígio dos ralis que começam a conduzir quando ainda nem acabaram a escola primária vêm normalmente de outras latitudes, das florestas e dos lagos gelados da Finlândia ou da Suécia. Poucos sabem que, algures nos anos 90 do século passado, na freguesia de Santo António, em Ponta Delgada, um menino de olhos arregalados esperava ansiosamente para acompanhar os dias de lavoura nos terrenos do avô, sentado ao volante de um carro, no colo do pai. Percebendo o entusiasmo do filho a cada ‘saída’, o pai, o piloto de ralis Luís Rego, decidiu ensinar o pequeno Luís Miguel a guiar. O jovem aprendiz tinha apenas 8 anos quando descobriu o que era um volante, pedais e caixa de velocidades. Quando fez 10 anos, a única solução foi construir um Ford Fiesta 1100cc com rollbar, para começar a treinar e a correr em pistas de Autocross. “Como não há campeonatos de karting nos Açores, a minha formação foi no Autocross”, recorda Luís Miguel Rego. “Fui campeão dois ou três anos no Autocross e ainda hoje guardo boas memórias desses tempos. Mais tarde, passei para as rampas em terra, onde me permitiam correr ainda sem ter carta de condução. A minha estreia nos ralis foi no Rali de Mortágua em 2008, um mês depois de fazer 18 anos. Lembro-me que estava no continente a estudar e vim aos Açores fazer o exame de condução no dia a seguir ao meu aniversário, para poder fazer o rali.”
Enquanto concluía o mestrado em Gestão Financeira no continente, o jovem açoriano prosseguia a sua evolução com os Mitsubishi Lancer de Grupo N, uma trajetória que culminou em 2015, quando se sagrou campeão do agrupamento nos Açores e, pelo terceiro ano, vice-campeão absoluto. Foi em 2016 que Rego se estreou ao volante de um R5 e passou a ser, em definitivo, a maior ameaça à hegemonia de Ricardo Moura, com quem viria a protagonizar um duelo épico em 2017. Moura, já então tricampeão nacional absoluto e uma das estrelas do CPR, viria a conquistar o seu décimo título nos Açores, mas com apenas 1,6 pontos de vantagem sobre o seu jovem adversário. “O Ricardo foi uma figura muito importante na minha carreira e na minha evolução”, realça Rego. “É preciso perceber que o Ricardo já era campeão dos Açores quando eu ainda nem tinha feito o meu primeiro rali. Ser companheiro de equipa dele, vários anos depois, no Team Além Mar, e poder discutir vitórias e campeonatos com ele, obrigou-me a evoluir imenso e a ter atenção a todos os detalhes, a dar o máximo de mim em todos os momentos. No fundo, ajudou-me a ser um piloto melhor, mais completo.”
Consagração e dedicatória
O ansiado título de campeão surgiu em 2018, com 28 anos, numa altura em que o Ford Fiesta R5 já tinha poucos segredos para Rego. “Conquistar esse título foi, obviamente, uma alegria enorme, mas foi também um alívio. Foi uma forma de poder, finalmente, agradecer ao meu pai por todos os sacrifícios que ele fez por mim. Lembro-me que um dia, quando eu ainda era miúdo, estava com ele no carro e perguntei-lhe qual era o maior sonho dele. Ele disse-me aquilo que todos os pais dizem, a família estar bem, saúde, etc., e eu disse-lhe, ‘Não, o maior sonho nas corridas!’. E ele disse-me ‘Ser campeão de ralis dos Açores’. Aquilo ficou sempre comigo e quando finalmente fui campeão, senti que aquele momento também era dele”, conta Luís Miguel Rego. A transição para o Skoda Fabia R5 trouxe o segundo título consecutivo e a afirmação definitiva de um símbolo dos Açores. No desporto e não só. “Sinto um orgulho enorme em, por exemplo, vir ao continente fazer um rali e trazer comigo o nome dos Açores. Aquele orgulho de representar a minha terra e poder manter viva a marca da minha região neste desporto que apaixona tanta gente, em todo o mundo. O apoio do Governo Regional dos Açores ao vencedor do campeonato destina-se a promover a região em termos turísticos e possibilita uma oportunidade ao campeão dos Açores de se bater desportivamente com os melhores pilotos nacionais. Os cerca de 64 mil euros não são suficientes para uma época completa no CPR, mas garantem as condições necessárias para participar em duas ou três provas que são escolhidas, entre outros fatores, de acordo com critérios como o potencial promocional e desportivo que apresentam. Penso que a melhor promoção que se pode fazer para a minha região, para os meus patrocinadores, é aquela que resulta de uma participação em que possa estar nas mesmas lutas em que estão os pilotos de topo do nosso campeonato. Esse também é um dos motivos pelos quais optámos por correr com um carro novo, porque é uma ferramenta essencial para dar o máximo retorno a quem me apoia.”
A descoberta progressiva do CPR
Os custos de uma época inteira no Campeonato de Portugal de Ralis com um R5 são, para já, incomportáveis para Luís Miguel Rego. É por isso que o piloto de Ponta Delgada aposta em ir conhecendo os diferentes ralis do campeonato, sempre que tem essa oportunidade. “Este ano foi a estreia na Madeira e no Terras D’Aboboreira em terra. O ano passado foi o Terras D’Aboboreira em asfalto e o Vidreiro. Pouco a pouco, vamos tentando aprender os ralis e os troços do continente, que têm características completamente diferentes daquilo a que estamos habituados nos Açores. Claro que gostava de ter budget para fazer o CPR, mas os orçamentos com um R5 neste momento estão num patamar inacessível para nós, talvez o nível de custos mais alto de sempre no Nacional. Ainda assim, adorei por exemplo a estreia no Rali Vinho da Madeira, um rali com troços mesmo muito bonitos e onde espero voltar para o ano. No Terras D’Aboboreira, este ano, também fiquei contente com o que fizemos, porque era a nossa estreia naqueles troços de terra e começámos o rali com pouquíssimos quilómetros de testes, só com duas passagens no Shakedown”, recorda o piloto do Skoda. Ainda assim, o andamento de Rego permitiu-lhe terminar a apenas 15s de um piloto oficial com o talento e a experiência de José Pedro Fontes, que, naturalmente, conhece como poucos as classificativas da região. Aos 30 anos, pertencendo a uma geração mais jovem do aquela que normalmente discute as vitórias e os títulos do CPR, fica a curiosidade de saber o que poderia Luís Miguel Rego fazer com uma presença mais regular no principal escalão dos ralis nacionais.
“Não é segredo que temos o rali mais bonito do mundo”
A anulação do Campeonato dos Açores de Ralis levou Luís Miguel Rego a apostar em três provas do CPR para 2020: Vinho da Madeira, Terras D’Aboboreira e, espera-se, Casinos do Algarve. “O campeonato dos Açores é único em termos de exigência logística – vamos a cinco ilhas, envolve imenso transporte marítimo, transporte aéreo, etc. Atendendo a estas condicionantes, com o calendário proposto em setembro, não estavam reunidas as condições para que o campeonato pudesse ser levado a cabo. Por exemplo, havia um intervalo de duas semanas entre provas, quando as equipas normalmente precisam de quatro. O nosso carro saía de São Miguel e só regressava no final de dezembro, depois do Natal. Além disso era preciso fazer um investimento enorme sem garantias de que as provas se fizessem, pois estamos sempre dependentes da decisão da autoridade de saúde e até das ligações marítimas e da meteorologia. Eu compreendo que são circunstâncias atípicas, mas espero que esta situação seja uma oportunidade para reformular o campeonato, torná-lo mais adequado à realidade dos Açores e dar-lhe outra visibilidade já para 2021. É preciso que federação, clubes, patrocinadores e pilotos trabalhem em conjunto para que esta oportunidade de repensar a modalidade nos Açores não seja perdida. E é preciso fazê-lo com urgência, porque a próxima temporada está quase a chegar.”
Ainda assim, é no arquipélago que está um dos mais emblemáticos ralis de terra do mundo, o Azores Rally, admirado por portugueses e estrangeiros. “Não é segredo que temos o rali mais bonito do mundo. Mas além das paisagens, da natureza lindíssima, dos troços fabulosos, como as Sete Cidades, os Graminhais, a Tronqueira ou a Lagoa de S. Brás, eu acho que o que torna o rali realmente especial é o facto de ser uma festa, é a forma como as pessoas são recebidas e acarinhadas pela nossa gente. Esta forma de sentir e viver os ralis não acontece só no Azores Rally, é assim em todo o campeonato dos Açores”, revela Luís Miguel Rego revela Luís Miguel Rego, que não esconde que entre os seus maiores sonhos consta o de ganhar, um dia, o Azores Rally.