Lembra-se de, CNR 2001: quando Miguel Campos teve de ‘entregar’ o título a Adruzilo Lopes
Estamos no ano de 2001, portanto, há quase duas décadas e meia, e a duas provas do fim, no Rali Casinos do Algarve, Miguel Campos ganhava a prova na frente de Adruzilo Lopes, na altura ambos pilotos da equipa Peugeot Esso Silver Team SG aos comandos dos Peugeot 206 WRC. Tudo pareceria normal, mas a verdade é que o triunfo de Adruzilo Lopes valer-lhe-ia o título. Que ficou adiado para a última prova, no Rali Rota do Dão. E se Lopes desistisse na última prova? Era um cenário possível… que foi exatamente o que aconteceu. Vamos recordar a história passada há 20 anos…
Na altura escreveu-se no Autosport, antes e depois da última prova: “Estão a fazer do título um filme de terror”! A questão do título poderia não se resumir, este ano (2001), a dois pilotos, embora, a priori, as “regras do jogo” estejam já bem definidas. Tal como aconteceu no Rali Rota do Vidro e no Rali Casinos do Algarve, Carlos Barros, o diretor desportivo da equipa Peugeot Esso Silver Team SG poderá ter que intervir na decisão do título, mas apenas em circunstâncias muito especiais. Como explica, “em condições normais a tática da equipa para esta última prova foi traçada para que o Adruzilo seja campeão e o Miguel assegure o vice-campeonato. Se não proporcionamos o título ao Adruzilo logo no Algarve foi, em primeiro lugar, para dar a hipóteses ao Miguel de ficar com o vice-campeonato e, em segundo lugar, para não alterar a verdade desportiva na estrada pois tenho a certeza também que o Adruzilo não gostaria de ganhar outra vez nas mesmas circunstâncias que ganhou no Rota do Vidro”.
Uma estratégia que parece acertada e perfeitamente conclusiva, pela realidade dos pontos, mas que poderá diluir-se se Adruzilo Lopes enfrentar um problema grave que o coloque abaixo do quinto lugar sem possibilidades de recuperar ou no caso de desistir.
Em qualquer uma destas situações, num cenário que não se poderá excluir, Carlos Barros será então a “peça-chave” na construção do “puzzle” do título e, em última análise cairá sobre si a responsabilidade de atribuição do título, por força das decisões de equipa que tomará: “se o Adruzilo, por exemplo, desistir não temos delineada ainda qualquer tática. Só no momento é que vamos decidir o que fazer”.
Contudo, o homem-forte da equipa azul e prata prefere optar antes por uma postura mais otimista e descomprometida até porque como faz questão de salientar: “não vejo porque é que se fez um filme de terror à volta da questão do título. O que sinto é que estão sempre prontos para nos atacar. Se a equipa deixa passar o Lopes para a frente do Campos é porque deixa passar e isso vai contra a verdade desportiva, se não deixa passar, é porque não deixa e isso é correto mas altera os objetivos defendidos pela marca. O que é importante que se perceba é que os pilotos são pagos pela Peugeot Portugal para correrem e que, em primeiro lugar, estão os interesses da equipa. Se tivermos dois pilotos no primeiro lugar do campeonato será sempre melhor do que termos apenas um e daí que nesta prova acho, inclusive, que deveria ser o Adruzilo a ajudar o Miguel a assegurar o vice-título”.
Preocupação acrescida e que Barros prefere nem equacionar é a possibilidade de elementos ou corpos estranhos possam interferir na decisão do campeonato. É que o exemplo do Rali do Algarve de 1984 onde Joaquim Moutinho tenha garantido praticamente o título antes de sofrer actos de vandalismo ainda está presente na memória de todos: “tenho receio que haja pessoas que possam tentar prejudicar um ou outro piloto com manobras pouco desportivas e interferir na decisão do título ou, pior, ameaçar a segurança dos pilotos. A bem do desporto e de acordo com a filosofia da equipa espero que não haja fatores estranhos a influenciar o nome do campeão”. E nós assinamos por baixo.
Fast forward para o Rali Sport/Rota do Dão 2001
O cenário mais pessimista aconteceu mesmo em Viseu: Adruzilo Lopes foi forçado a abandonar e Miguel Campos… obrigado a entregar o título de bandeja ao seu companheiro de equipa na Peugeot. Num jogo de “nervos”, Matos Chaves acabou por ter um papel privilegiado, pois passou de personagem secundária a protagonista principal, despedindo-se da modalidade com mais um triunfo. As voltas que o mundo dá…
Vamos a um pequeno exercício de jornalismo, imperativo na construção de uma notícia. Quem? Adruzilo Lopes. O quê? Foi Campeão Nacional de Ralis. Onde? Em Viseu. Como? De forma mais ou menos manipulada. Porquê? Porque a Peugeot assim o quis. E porque Miguel Campos também não se opôs a esta decisão…
Perguntas simples e básicas mas que podem servir bem para ilustrar a história desta derradeira ronda do “Nacional” de Ralis, disputada este fim-de-semana, na região de Viseu. Contudo, à clareza e objetividade de algumas perguntas, contrapõem-se o obscurantismo e a subjetividade de outras tantas respostas.
Mas são indubitavelmente as questões do “como?” e do “porquê?” que interessam analisar com a merecida atenção. A grande dúvida passa por atribuir justiça ou não a este título conquistado num quadro circunstancial muito especial.
Obviamente que a tendência das correntes de opinião é divergente, afirmando os mais “fundamentalistas” que um título conquistado nestas condições tem pouco ou nenhum valor, contrapondo os mais pragmáticos que um título é sempre um título, independentemente da forma como foi sendo construído. Mas a verdade é só uma: hoje sabem-se e discutem-se os tais “como” e “porquê”… amanhã fica apenas um título registado no papel.
Com um cenário completamente desfavorável (em primeira instância, devido à sua desistência, por força de um problema com o turbo do Peugeot 206 WRC e, em última, devido à liderança de Miguel Campos na parte decisiva da prova!), Adruzilo Lopes acabou por sair de Viseu com o título no “bolso” e a aposta ganha. Tratava-se de uma questão de honra. O piloto, até agora bicampeão, recebia uma “estalada de luva branca” da equipa que o “empurrou” para o título, quase que o forçando a ganhar. Mas o piloto devolvia uma outra, com a realidade fria das contas do campeonato que o colocavam na posição de vencedor, independentemente da contratação de Miguel Campos. Daí o enfatizar da eterna questão: foi este um título justo ou não?
Apanhado quase de surpresa no enredo deste atribulado “romance” em que se tornou o campeonato a partir do Rali Vinho Madeira, apareceu Miguel Campos. Com a personalidade “congelada” pela equipa (que pelo menos por duas vezes lhe vetou o direito à vitória), o tetra-Campeão Nacional de Produção não deixou de provar nesta última prova, como em quase todas em que entrou ao serviço do “leão”, que tinha legitimidade e rapidez suficiente para lutar pelo título. Nada ficou por provar para o jovem piloto da Peugeot Esso Silver Team SG que deu mais uma lição de profissionalismo, obedecendo a todos os pedidos da equipa e esperando recolher com “juros”, já no próximo ano, a aplicação do “investimento” agora realizado…
Chaves vence… por acréscimo
Por tudo isto, e como facilmente se depreende que o aspecto competitivo do rali praticamente passou para segundo plano, a vitória de Pedro Matos Chaves, a segunda consecutiva no palco de Viseu, perde todo o seu valor. Tanto mais que foi “oferecida” pelos homens da equipa adversária com o objectivo de saldar, a qualquer custo, um compromisso de honra.
Na mais que provável despedida de Pedro Chaves do mundo dos ralis (e após quatro anos de serviços bem prestados à modalidade), o triunfo na prova do Sport Clube do Porto aparece como um prémio desvirtuado e que a equipa acabou por ter alguma dificuldade em digerir, tendo estado, de resto, à beira de o recusar.
Evidentemente, não se poderá tirar mérito à prestação do piloto do Toyota Corolla WRC, que mais uma vez “esticou” a “alma” do carro japonês e teve sempre pretensões à vitória, num rali onde as condições atmosféricas e as opções pneumáticas voltaram a ter um papel preponderante na classificação “real” da prova. Se o Corolla WRC se revelava já desajustado, acabou por ser o piloto a minimizar a diferença de andamento entre WRC que pertencem já a gerações diferentes.
Mas a grande derrotada do campeonato – e não tanto da prova -, acabou por ser a dupla constituída por Rui Madeira e Fernando Prata. Se, desta feita, os pneus Pirelli acompanharam a rapidez do piloto, numa primeira fase do rali, onde o Ford Focus WRC se tornou, efectivamente, inatingível, por ironia do destino, esses mesmos pneus ditaram o seu abandono da prova e confirmariam as perspectivas mais pessimistas, relegando Madeira para o quarto lugar do campeonato. Após a excelente campanha realizada nos ralis de terra, onde averbou três vitórias em quatro possíveis, por duas vezes o piloto pisou o limite, sendo vencido pelo azar nas provas de asfalto (factor este onde se deverá incluir também a má prestação das borrachas italianas).
Vítor Lopes segura título da F3
Para além do duelo que determinaria o nome do futuro Campeão Nacional de Ralis, a prova do SCP encerrava em si a curiosidade de identificar, também, o nome do vencedor da F3. Numa prova que parecia feita à sua medida, Vítor Lopes rapidamente tratou de dissimular todas as dúvidas, arrecadando o tão almejado título, oferecendo ainda à Citroën o mesmo galardão ao nível das marcas. Com uma postura irrepreensível e perante os erros (na escolha de pneus) e a má sorte (motor partido) de José Pedro Fontes, o Vítor Lopes só teve administrar o seu “território”, fazendo-o na perfeição.
A “feijões” viveu-se mais uma jornada do Agrupamento de Produção. Desta vez, a situação privilegiou a sorte de Pedro Leal e o azar de Dias da Silva, dois pilotos que parecem ter invertido os papeis experimentados ao longo da época. Quando comandava, o piloto que conduzia o carro da Ralliart teve um furo, oferecendo a vitória a Pedro Leal que acabou por vingar, assim, parte dos azares vividos ao longo do ano.
Filipe Mesquita, Jorge Rodrigues e Filipe Loureiro