Ni Amorim (Presidente da FPAK): “Gostava que o recomeço fosse o mais tardar, em julho”
Numa altura em que o ‘mundo motorizado’ nacional continua à espera das decisões do Governo e das autoridades de saúde para saber que tipo de competições podemos ter, conversámos com Ni Amorim, Presidente da FPAK. Certezas, ainda não existem…
Ainda que a pandemia de coronavírus pareça dar alguns sinais de ‘cedência’, a verdade é que os seus efeitos em todas as latitudes são muito fortes e são poucos aqueles que não têm dúvidas quanto ao caminho a seguir. Na Europa, até a fortíssima indústria do futebol está de rastos, e as diferenças de atitude são grandes nos diversos países. Transportando a questão para os ‘motores’, a FIA continua na luta por fazer arrancar a F1, o WRC, e tudo o resto por arrasto, mas as situações com que tem de lidar são muito mais complexas do que se poderia pensar.
Olhando para a realidade portuguesa, a FPAK continua à espera das medidas que a Confederação do Desporto de Portugal há-de emanar, e só a partir daí se poderá começar a ter uma ideia quanto a um possível regresso, e logicamente, como tudo isso se irá processar.
Em teoria, o desporto motorizado não encerra problemas demasiado complicados, pelo menos em termos de praticantes, já que a questão dos ‘ajuntamentos’ se coloca mais em termos do público, e da forma como os clubes e a federação vão gerir tudo isso, e aqui é mais importante a forma como os adeptos vão reagir, do que as medidas que venham a ser tomadas.
Mesmo que estas não tenham ainda sido divulgadas, não hã-de ser diferentes do que já se tem visto, por exemplo, para a questão da frequência das praias.
É preciso que a generalidade das pessoas entendam que, da mesma maneira que têm que ter cuidados quando vão a um supermercado, por exemplo, vão necessitar de ter esse mesmo cuidado quando puderem ir ver uma prova de ralis ou TT ao vivo.
É verdade que não vai ser fácil criar distâncias com os amigos, mas pelo menos, e de acordo com os dados que temos neste momento, vamos poder assistir a espetáculos ao vivo, o que por exemplo no futebol não vai acontecer. E por isso os adeptos têm que saber responder bem a essa benesse…
Tem de partir do público garantir o distanciamento social, de modo a diminuir as possibilidades de contrair ou passar o vírus. O cuidado que as pessoas têm na sua vida social é a melhor arma para combater o vírus, pois ele não ‘salta’ de uma pessoa para outra, mas é transportado, e são as pessoas que o transmitem. Se o cuidado existir, o vírus sai derrotado. Em teoria, é simples.
O momento em que vai ser possível arrancar não depende só da FPAK, pois, por exemplo, é no apoio das autarquias que está muito baseado o nosso sistema de provas e sem elas quase nada será possível, pois são muito poucos os clubes que têm apoios comerciais para viabilizar os seus eventos.
Como se calcula, em todas as modalidades está a ser traçado um plano, aqui há que não esquecer que, especialmente no caso do todo-o- terreno, tem que se contar com a época de incêndios, e na realização dos calendário temos ainda que esperar pelas determinações da FIA, pois esta, na mesma medida que a FPAK tem que esperar pelas autoridades de saúde e Governo nacionais, a FIA também tem que aguardar pelas determinações de cada um dos países em que tem provas e só depois disso pode avançar com a reestruturação dos seus calendários, e como se percebe as provas da FIA têm prioridade, e podem afetar diretamente os calendários nacionais.
Por tudo isto, resta esperar pelas definições de ‘cima’, sendo que a partir desse momento todas as peças do xadrez vão encaixar mais ou menos rapidamente.
AutoSport: Ni Amorim, participou no plenário de emergência promovido pela Confederação do Desporto de Portugal, já há diretrizes específicas para o desporto motorizado?
Ni Amorim: “A reunião visou sobretudo ouvir as Federações uma vez que cada uma tem a sua especificidade para a elaboração de um plano estratégico de emergência para a recuperação do Desporto Nacional contornando e vencendo os desafios levantados pelo novo Coronavírus.
Foram apresentadas múltiplas medidas, validadas pela esmagadora maioria e que serão apresentadas oportunamente pela CDP. O objetivo é a recuperação do desporto nacional, mas também, a elevação a um patamar de superior desenvolvimento. No que á FPAK diz respeito, procurei evidenciar a realidade do desporto automóvel nacional neste momento, as preocupações financeiras sobretudo dos clubes associados e de pilotos e equipas que fizeram avultados investimentos para garantirem programas desportivos. Para além disso a preocupação quanto à data de um possível regresso à competição e em que condições. A CDP está agora a preparar um documento que servirá de base a uma atuação conjunta e concertada de todas as federações desportivas e que certamente será o ponto de partida para conseguirmos reerguer aquilo que a pandemia destruiu”.
AS: O desporto motorizado parece ser das modalidades em que será menos problemático o recomeço, concorda? Quer explicar porquê?
NA: “Na minha opinião sim, mas é preciso que esse seja o entendimento daqueles que tomarão as decisões. Somos um desporto praticado ao ar livre, um desporto na sua maioria, individual e onde o distanciamento social, nos casos em que há concentração de pessoas, é fácil de manter. As provas nacionais em circuitos, quer queiramos quer não, têm pouco público, o que facilita o distanciamento. Mas, à semelhança do futebol também podemos fazer provas à porta fechada. O que a maioria das pessoas se questiona é nas provas de estrada como os ralis, todo-o-terreno e montanha que, por norma, têm vários aglomerados de pessoas. Mas nesses casos, a aglomeração não é por necessidade, já que os percursos são extensos e as pessoas podem manter o distanciamento social. Isto tem de partir do bom senso das pessoas.
Depois, há coisas que podemos ajustar como as Super Especiais, os Prólogos, os Parques de Assistência. No nosso entendimento, os Parques de Assistência podem funcionar sem acesso ao público, as Super Especiais e os Prólogos podem deixar de existir, mas mesmo existindo podemos, com as autoridades de segurança garantir distanciamento. Somos um desporto com alguma flexibilidade que permite ajustar o seu ‘modus operandi’ à atual realidade”.
AS: Quando prevê recomeçar o desporto motorizado em Portugal?
NA: “Não depende única e exclusivamente da FPAK. Entendemos que primeiro está a saúde das pessoas, mas a economia tem de regressar à atividade como em tantos outros setores. Penso que com as medidas certas também podemos regressar. Temos um Plano de Contingência feito, que foi apresentado ao IPDJ e pelo qual aguardamos a aprovação. Depois disso estamos prontos a recomeçar, claro, se os Clubes Organizadores também tiverem condições para o fazer. Infelizmente, não depende só da FPAK, depende também das Autarquias que têm um papel muito importante na realização das provas, dos Clubes, das Equipas e dos Pilotos.
Na Madeira, o Governo Regional já deu o ok para se poder recomeçar. Estamos agora a fazer todo o planeamento. Nos Açores e em Portugal Continental ainda não há uma data para o recomeço. Gostava que, o mais tardar, em julho”.
AS: Já há planos prévios traçados para cada uma das modalidades, pode especificar?
NA: “Estamos agora a reunir com todas as modalidades para definir o plano daqui para a frente. O planeamento ainda não está concluído”
AS: O que terá, por exemplo de acontecer nos ralis e no TT, para podermos ter corridas? O público perceber que tem que manter distância social e proteger-se. Como poderá esta ‘mensagem’ chegar a todos?
NA: “Exatamente, o grande problema, que a meu ver não é tão grande assim, é o público, que tem de assegurar a sua saúde e a dos outros, e manter o distanciamento. Por exemplo, hoje em dia, em qualquer situação que me encontre, mantenho o distanciamento social e ando protegido. Não me vou juntar a aglomerados de pessoas. É isso que se pede às pessoas, bom senso. Cada um tem de ser responsável pelas condições que nos são exigidas nesta fase atípica em que vivemos”.
AS: Quais vão ser as prioridades nos diversos calendários. Como se lida com toda esta situação de 2020 sem comprometer 2021?
NA: “É uma gestão muito complicada. A nossa preocupação atual é reagendar as provas possíveis dos Campeonatos de Portugal uma vez que as provas FIA, já foram, na sua maioria canceladas. Não vai ser tarefa fácil porque o tempo corre contra nós, precisamos da confirmação dos clubes para a organização e claro, do apoio da grande maioria das Autarquias. Estamos confiantes e desde que a suspensão da nossa atividade seja levantada, vamos fazer de tudo para minimizar os estragos de 2020 e assegurar que 2021 decorra com a normalidade possível. Pois é certo, que vamos viver neste registo por mais um ano”.
AS: Há provavelmente condicionantes da Proteção Civil para as provas de estrada devido à época de incêndios, presumo?
NA: “Há sempre, essa é uma realidade. Temos de em conjunto perceber o que se pode fazer ou não”.
AS: Que medidas especiais estão previstas para cada competição em particular: Ralis, TT, Montanha, Velocidade, Karting, Ralicross…
NA: “Como mencionei anteriormente, temos um Plano de Contingência definido e mediante a sua aprovação por parte do IPDJ podemos implementá-lo”.
AS: Provavelmente, está preocupado com as implicações financeiras no desporto motorizado resultantes desta pandemia. Certamente tem falado com muita gente, qual é o sentimento geral?
NA: “Todas as pessoas e entidades estão muito preocupadas mas também muito focadas em minimizar os estragos. Esta pandemia deu cabo da estabilidade que estávamos a construir. Vamos ter de recomeçar de zero”.
AS: Têm naturalmente mantido contacto com os clubes organizadores. Quais são as principais preocupações que lhe têm manifestado?
NA: “Os aspetos financeiros são a principal preocupação…“
AS: Do lado dos pilotos, equipas de ralis e até de um CEO de uma marca, falou-se recentemente que esta é uma excelente oportunidade para remodelar muita coisa no CPR, colocando o foco no aspeto comercial, para que seja mais fácil às equipas e aos pilotos terem um produto mais fácil de vender. Acha que se pode aproveitar essa oportunidade?
NA: “ Estou em perfeita sintonia com essas declarações. No entanto, não podemos esquecer, que os Clubes que organizam as provas, na sua maioria são constituídos por pessoas que têm a sua atividade profissional normal e que não se podem dedicar a 100% a atividade do clube.
Isto limita e muito. No entanto, internamente, estamos a analisar as possibilidades”.
AS: No que diz respeito à FPAK, esta nova direção, como já sublinhou há pouco tempo, conseguiu em dois anos e meio melhorar a ‘saúde’ financeira. Depois de todo esse trabalho e esforço, presumimos que sinta grande preocupação com o abalo que o desporto motorizado nacional possa sofrer com esta questão do coronavírus e com a crise que daí quase certamente virá?
NA: “Desde março que não temos receitas. Logo, o impacto é gigante. Ou seja, o que construímos está agora a ser canalizado para suportar custos sem receitas. Fomos forçados a aderir ao Layoff Simplificado. Temos uma estrutura pesada que é difícil manter sem atividade. Temos feito muitos cortes a todos os níveis. Só assim, podemos regressar com alguma estabilidade”.
AS: Que feedback tem tido da FIA relativamente ao que vai suceder com o desporto motorizado ainda em 2020?
NA: “As informações não são coerentes. Há vários panoramas. Mas no geral a preocupação é muito grande não só com a parte desportiva, mas com as questões financeiras”.
AS: “Retomar vai ser confuso, difícil, vamos ter que dar as mãos e em conjunto ultrapassar este problema”. O que quer dizer com isto? Que é importante que todos pensem no bem no desporto e não nas suas visões particulares?
NA: “Exatamente. Todos os intervenientes têm de estar de ‘mãos dadas’, cientes que não será fácil para ninguém, mas que juntos vamos conseguir construir algo de bom. E sair disto tudo mais fortes, mais coesos e com os mesmos interesses.
AS: Foram ou vão ser feitos contactos com o Estado e/ou outras entidades para que a FPAK e os seus associados tenham apoio apropriado que ajude a manter o funcionamento do automobilismo em Portugal?
NA: “Esses contactos já estão a ser feitos. Ao contrário da maioria das Federações, a FPAK sobrevive da sua atividade. Modo geral, o apoio do estado representa pouco dos nossos custos anuais, enquanto outras Federações, nomeadamente as modalidades olímpicas, têm apoios significativamente maiores, que podem representar uma parte significativa dos seus orçamentos anuais, logo a nossa situação, neste caso de pandemia, é mais frágil e muito mais difícil. Estamos a enveredar todos os esforços para minimizar o impacto e claro, contamos com o apoio do governo”.
AS: Como líder da entidade que gere os destinos do desporto automóvel e Karting em Portugal, neste momento que se afigura difícil o que pediria aos associados da federação e licenciados que fizessem para contribuir para que se volte o mais rapidamente possível à normalidade?
NA: “Sobretudo União. Esta é a palavra de ordem neste momento”.
AS: O retorno/impacto mediático tem crescido todos os anos. O que temos todos que fazer para o desporto automóvel mantenha a capacidade de dar cada vez mais visibilidade a quem apoia, como por exemplo provam os números que a FPAK tem divulgado quanto ao retorno mediático das diversas competições?
NA: “Os dados são da Cision, empresa internacional de monitorização de media. A FPAK tem feito investimentos em Televisão e Imprensa que têm dado frutos, assim como os clubes, pilotos e equipas o têm feito. O que precisamos é que o Desporto Automóvel seja visto como uma ferramenta de marketing para as marcas e para os media. É este pressuposto que lhe dá visibilidade, pois todos sabemos que o Desporto Automóvel tem um número infindável de adeptos”.
AS: Há em Portugal uma grande paixão pelos ‘motores’ em geral e ralis em particular. Se excetuarmos o fenómeno que são os três grandes do futebol, não há nenhum desporto em Portugal que tenha tanta capacidade de atração de público como os ralis, em que o público, muitas vezes em condições muito difíceis, à chuva, frio, a ter de estacionar o carro longe, a ter de ir para o monte a pé. Qualquer rali sprint tem muito mais público do que um jogo de futebol em que não estejam os três grandes. O que precisamos de fazer todos juntos, federação, pilotos, clubes, adeptos para mostrar ao país a importância que têm o automobilismo em Portugal?
NA: “Os líderes de empresas e de media têm de ter essa perceção. E neste momento não têm, por mais esforço que tenhamos a passar a mensagem”.
AS: Este ano, a FPAK completa 25 anos e na sua história não há qualquer acontecimento sequer parecido a este ‘terramoto’ por que estamos a passar. Que mensagem gostaria de deixar aos associados, licenciados, promotores e demais intervenientes do desporto automóvel?
NA: “Tínhamos tantos planos para celebrar os 25 anos da FPAK. Caíram por terra, infelizmente. Vai ficar marcado na nossa história.
A mensagem a passar é que esta pandemia não vai acabar com 25 anos de história. Vamos ultrapassar e viver os próximos 25 com mais força e determinação”.