História de Juan Manuel Fangio: El Maestro

Por a 16 Dezembro 2022 13:01

Foi com esta alcunha que Juan Manuel Fangio, o primeiro grande campeão da F1, passou à história. De facto, com a classe e ousadia de um bom tango argentino, Fangio espalhou classe pelo cenário automobilístico mundial entre finais de anos 40 e a década de 50. E, para muitos, foi considerado o melhor de todos os tempos…

Stirling Moss, um dos principais rivais de Juan Manuel Fangio ao longo da segunda metade da carreira do Argentino, sempre disse que não se poderiam comparar nunca pilotos de épocas tão díspares para saber quem seria o melhor da história. No entanto, para a sua época, sempre disse que Juan Manuel Fangio havia sido o maior campeão e, numa comparação entre todas as eras, seria impreterivelmente o melhor de sempre. Já para os adeptos da estatística, os cinco títulos de Fangio tornaram-no no melhor de sempre, até Schumacher ter obtido o seu sexto título em 2003. Estas considerações davam para uma longa e, provavelmente, inconclusiva discussão, mas que acabaria sempre por trazer ao de cima uma realidade – não se pode falar de história do desporto automóvel sem falar em Fangio. E ainda hoje, um condutor com a sua dose de mestria e ousadia nas estradas públicas merece muitas vezes o epíteto de “Fangio”. Voltemos então à vida e obra do piloto argentino, para compreender de que modo o homem se tornou numa lenda, ainda em vida.

Algures em Balcarce

Juan Manuel Fangio nasceu a 24 de Junho de 1911 em Balcarce, uma cidade agrícola no coração da Argentina, quarto filho imigrantes italianos naquele país, pessoas que haviam, tal como tantos homens e mulheres da Europa do Sul, partido para a América em busca de melhores condições de vida na segunda década do século XIX. Foi assim num meio humilde que o futuro campeão nasceu e, ainda criança, começou a trabalhar como ajudante de ferreiro num estabelecimento local para ajudar a frágil economia familiar. Aos 12, Juan deixou a escola e passou a trabalhar numa pequena oficina de automóveis e tratores local, o que o introduziu à mecânica automóvel. Gradualmente foi adquirindo mais e mais competências e mudando para concessionários mais reputados, aprendendo também a conduzir nas terríveis estradas de terra batida que dominavam então a rede viária argentina, que tanto poderiam ser poeirentas e cheias de buracos no Verão como um verdadeiro lamaçal em pleno Inverno…. Ao mesmo tempo que ganhava sensibilidade mecânica e conhecimento do funcionamento de qualquer coisa a motor que aparecesse pelos concessionários, Fangio começava a conhecer também o terreno onde haveria de se celebrizar durante a primeira metade da sua carreira.

Em 1924 Fangio arranjou trabalho no concessionário Ford local e, pouco depois, na oficina da Studebaker, dirigida pelo conceituado piloto local Miguel Viggiano, onde aprofundou o seu conhecimento sobre a montagem e afinação de motores, ganhando cada vez mais liberdade para conduzir e recolher ou devolver as máquinas aos clientes. Terá sido graças a este último emprego que Juan descobriu cada vez mais as estradas argentinas e muitas lições de condução que lhe foram úteis quando, em meados da década seguinte, iniciou a sua carreira de piloto. Pelo meio, o jovem argentino era mais conhecido como futebolista, participando desde cedo em partidas nas ruas locais e chegando mesmo a disputar alguns jogos nas camadas jovens de um clube local como avançado, sendo conhecido pelas suas pernas arqueadas semelhantes a um jockey e pela sua enorme capacidade de manobrar pelas linhas adversárias e pela sua rapidez e pontaria, o que lhe valeram a sua primeira alcunha – El Chueco. No entanto, esta primeira experiência desportiva foi vital para a formação da sua personalidade e para aquilo que ele seria conhecido no meio automobilístico – mesmo sendo um talento que se destacava claramente, Fangio sempre teve um profundo sentimento de pertença à equipa e da necessidade de enfatizar o papel do conjunto acima do indivíduo. Poderia ter sido futebolista, sem dúvida, mas quis o destino que fosse no desporto motorizado que Fangio se celebrizasse.

O futuro piloto viu a sua carreira desportiva e laboral interrompida por uma pleurisia, mas quando regressou ao trabalho comprou o seu primeiro carro aos 16 anos e envolveu-se cada vez mais no clube local, ao mesmo tempo que fortalecia ainda mais a sua estrutura física com a prática de boxe, sendo mesmo chamado alguns anos mais tarde a participar na selecção futebolística regional de Balcarce. E, nos entretantos, envolvia-se cada vez mais no meio automobilístico local, experimentando pela primeira vez o desporto motorizado em 1929, quando acompanhou Manuel Ayerza, cliente habitual da oficina, numa prova de estrada local. Como não havia circuitos na Argentina, o grosso das provas eram disputadas nas poeirentas estradas, tanto a nível local como provincial, embora a categoria máxima fossem as provas nacionais e internacionais que atravessavam a América Latina, popularizadas pela designação de Turismo Carretera. Infelizmente, Fangio voltou a revelar alguma fragilidade no sistema respiratório quando contraiu uma pneumonia após um jogo de futebol que por pouco não o matou, obrigando-o a uma longa convalescença. De seguida, Juan Manuel teve que interromper a sua atividade profissional e desportiva para prestar o serviço militar e, concluído este, decidiu, com a ajuda de alguns amigos e família e das poupanças que havia feito ao longo de uma década de trabalho, montar uma pequena oficina em frente à sua casa de Balcarce.

Estávamos em 1932 e Fangio contava já 21 anos, idade que, nos dias de hoje, desencorajaria qualquer aspirante a piloto de começar uma carreira profissional. Mas viviam-se tempos diametralmente opostos ao ritmo vertiginoso do século XXI, e Juan foi desenvolvendo a sua oficina, que cresceu graças à entrada de mais sócios e do seu irmão, ao mesmo tempo que alinhava como co-piloto em provas locais, acabando por se estrear ao volante em 1936 em pequenos eventos não-sancionados pela federação sob o pseudónimo “Rivadavia” (derivado do nome do seu primeiro clube de futebol) com um táxi (!!!) Ford A, com a ajuda dos seus sócios e de vários amigos, mas sem grande sucesso… Escusado será dizer que a família descobriu, mas apoiou a opção do aspirante a piloto, mas foi preciso esperar até 1938 para que Juan Manuel finalmente se estreasse ao volante numa prova oficial, ao volante de um Ford V8 Special cuja compra foi também organizada com o apoio da família e amigos. Após algumas provas de curta e média distância, Fangio estava finalmente pronto para passar para a categoria principal, a temível Turismo Carretera…

Pelo pó das Carreteras

Ainda em 1938, Fangio estreou-se no Turismo Carretera como co-piloto do seu conterrâneo Luis Finocchietti, embora tenha sido Juan a conduzir por grande parte do percurso, terminando em sétimo. Essa e outras prestações tornaram Juan Manuel no orgulho de Balcarce e, tal como havia acontecido nas provas de menor dimensão, grande parte dos seus amigos e rivais reconhecia-lhe muito talento e aconselhavam-no a correr mais. O piloto ainda fez mais algumas provas no banco direito do carro até se dedicar exclusivamente à pilotagem em 1939. Mais uma vez, foi graças aos familiares e amigos, que organizaram uma coleta, que Fangio pode prosseguir a sua carreira ao volante de um mais potente e bem preparado Chevrolet. As provas de Turismo Carretera eram mais próximas de um evento de Todo-o-Terreno moderno do que de um rali, muito menos de uma prova “à europeia” para carros de turismos. Basicamente, as provas nacionais ou internacionais eram constituídas por diversas etapas de longa (ou muito longa) quilometragem, e o vencedor era obtido através da soma total dos tempos. Escusado será dizer que eram os pesados carros norte-americanos que se destacavam pela sua potência aliada à enorme robustez, já que não adiantava possuir um carro muito potente, leve e aerodinâmico porque o estrado das estradas era, habitualmente, para lá do assustador. Fangio venceu a sua primeira etapa no Gran Premio Extraordinario de 1939 na Argentina, terminando em quinto no final e este sucesso convenceu-o não só da vontade de prosseguir uma carreira de piloto, mas também nas repercussões comerciais que os seus sucessos poderiam trazer para a sua oficina… Aqui se evidenciava outra das grandes características de Juan Manuel, o seu apurado olho para os negócios, e assim a Fangio, Duffard & Co., passava de uma oficina local para uma preparadora e concessionária de sucesso, que rapidamente se tornaria numa referência a nível provincial e, depois, nacional.

Se 1939 foi um ano de adaptação, 1940 foi o da glória. Poucos duvidavam do talento e sensibilidade mecânica de Fangio, mas em 1940 este exprimiu todo o seu brilhantismo ao volante do vetusto Chevrolet e, no final da época, viria a vencer o Gran Premio Internacional del Norte, uma prova de 9500 Km que abarcava a Argentina, Bolívia e Peru (algo me diz que isto faz lembrar um certo evento “duro” chamado Dakar, que se mudou para o continente sul-americano….

Uma modernice, provavelmente…) ao volante de um novo Chevrolet comprado novamente graças a uma coleta de rifas. Esta prova era uma das mais importantes do calendário americano e catapultou Fangio para a glória definitiva, ao mesmo tempo que o argentino conseguia o título nacional de Turismo Carretera, o primeiro para a Chevrolet, numa altura de intensa rivalidade com a Ford.

A senda do sucesso continuou na época seguinte, caracterizada pela luta épica com os irmãos Gálvez, pilotos da Ford. Seria com o mais velho deles, Oscar, que Fangio protagonizaria os seus mais intensos duelos na década de 40, e muitos se perguntam se Oscar Gálvez, tivesse ele querido, não singraria na Europa, já que era considerado na Argentina como um dos poucos que, com máquinas iguais ou inferiores, conseguia bater Fangio! A rivalidade Fangio-Gálvez foi muito comparada a uma das mais intensas disputas existentes no futebol mundial, River Plate versus Boca Juniors.

Mas, ao contrário da violência das claques argentinas, a luta entre os manos Gálvez e Fangio revestia-se de um enorme desportivismo e respeito mútuo. Mas, além da luta entre marcas, era também um reflexo da dicotomia social argentina – os “manos” Gálvez, de um meio mais abastado e nativos de Buenos Aires, contra o humilde Fangio do interior, de uma cidade agrícola como Balcarce. Foram tempos que apaixonaram o desporto automóvel argentino, até Fangio vir definitivamente para a Europa em 1949. De salientar que os dois grandes rivais se mantiveram amigos até à morte de Oscar em 1980.

Este confronto de titãs voltou a ser favorável a El Chueco em 1941, muito graças à vitória no Gran Premio Getúlio Vargas no Brasil, e a mais um título nacional de Turismo Carretera, mas em 1942 o predomínio passou para os Gálvez. Infelizmente, o desporto automóvel oficial ficaria suspenso em grande parte da América do Sul a partir de 1943 devido à II Guerra Mundial que, se bem que não tendo ramificações propriamente ditas naquele continente, levava à disrupção total dos circuitos comerciais e a profundas alterações económicas, notando-se nitidamente a falta de equipamentos para os automóveis. Com a carreira desportiva e profissional interrompida, Fangio converteu a sua oficina numa loja de venda de peças e, acima de tudo, pneus, que escasseavam profundamente na Argentina, viajando constantemente pelo país para comprar carros, camiões e tratores abandonados. Se o negócio prosperou muito, para as suas aspirações de piloto Juan Manuel ficara extremamente desiludido pois, contando já 31 anos em 1942, começava a ver os anos passar e com eles os seus hipotéticos tempos de glória. Mal ele sabia que o melhor estava para vir.

O fim da II Guerra em 1945 levou rapidamente ao recomeço das competições oficiais na Argentina logo no ano seguinte, e Fangio não perdeu nem um pouco de tempo para voltar ao volante e ao sucesso, enquanto o negócio crescia ainda mais graças à compra e venda de camiões militares americanos usados e vendidos aos diferentes países da América Central e do Sul. E com a chegada ao poder de Juan Perón, profundo entusiasta do desporto motorizado, a Argentina rapidamente se tornaria num dos países de referência para a modalidade, se excluirmos os centros tradicionais – Europa Ocidental e América do Norte. Por um lado, foram sendo organizadas cada vez mais provas de circuito, usando bases militares e aeródromos, mas também várias pistas citadinas, não tornando a assistir-se ao planeamento dos primeiros autódromos. Por outro lado, era criada uma categoria para monolugares – Mecánica Nacional – uma espécie de Fórmula Libre local, que permitia a utilização de carros da década de 30 importados e de vários veículos de construção praticamente artesanal, assim como a organização da primeira Temporada Argentina, um mini campeonato de Inverno que cedo atraiu algumas estrelas e equipas europeias, destacando-se a Alfa Romeo liderada pelo grande Achille Varzi. Este campeonato misturava assim carros de Grande Prémio com os locais, e depois dos seus sucessos na Mecánica Nacional e nas provas de turismo em pista, Fangio estreou-se nas provas da Temporada, impondo-se facilmente como o melhor dos pilotos locais. Pelo meio, continuou a sua enorme senda de sucessos nos Turismos Carretera, que não haviam esmorecido perante a alvorada das provas de circuito.

Foi na Temporada Argentina de 1948 que Fangio, então com 36 anos, se estreou finalmente com um carro de Grande Prémio, ao volante de um Maserati 4CL da EcurieNaphtraCourse, gerida pelo popular piloto “Raph”, pseudónimo de RaphaëlBéthenod de las Casas, Count of Montbressieux, filho de um rico fabricante de sedas de Lyon e de uma argentina, filha do Ministro da Justiça daquele país. “Raph” era presença habitual nas provas até 1500 cm3 no pré-Guerra e cedo se destacou como um dos melhores privados depois do conflito e, graças á sua ascendência, um dos grandes impulsionadores dos talentos argentinos nas provas de Grande Prémio. A parceria entre a Naphtra Course e o Automovil Club Argentino (ACA) permitiu então a estreia de Juan Manuel, mas tal saldou-se por uma desilusão. Ciente do talento do piloto, o ACA negociou com Amedée Gordini a inclusão de Fangio na equipa oficial francesa para o resto da Temporada… A liderar a equipa estava Jean-Pierre Wimille, um grande talento do pré-guerra cuja participação em Grandes Prémios havia ficado quase anónima devido ao domínio absoluto das equipas alemãs, apenas contrariadas ocasionalmente pela Alfa Romeo e sua estrela Tazio Nuvolari, mas que se havia destacado como um dos maiores pilotos de Sport-Protótipos, terreno em que os franceses lutavam de igual para igual com italianos e ingleses. No pós-Guerra Wimille rapidamente demonstrou ser o melhor piloto do momento, batendo tanto os consagrados veteranos como as jovens estrelas. No entanto, Fangio conseguiu, logo na sua primeira prova com a equipa, rodar meio segundo mais depressa que Wimille, sem danificar a habitualmente frágil mecânica dos pequenos carros do construtor francês, levando Wimille a recomendá-lo vivamente ao seu patrão. No entanto, Fangio passou a grande maioria da temporada de 1948 a competir na Argentina, tanto na Mecánica Nacional como nos Turismos Carretera, vencendo várias provas em ambas as categorias.

Admirável mundo novo

A meio da temporada, o ACA conseguiu um acordo com Gordini para dar um volante a Fangio no Grande Prémio de Reims. Foi a primeira vinda à Europa do já veterano piloto argentino, saldando-se por dois abandonos, o que não o impediu de impressionar positivamente o meio automobilístico europeu. No entanto, de regresso à Argentina, uma tragédia numa prova de Turismo Carretera por pouco não acabou com a sua carreira de piloto (ver Caixa). Após uma breve pausa para repousar, Fangio regressou à competição no início de 1949 nas várias categorias, disputando a Temporada com um Maserati 4CLT/48 inscrito pelo ACA em parceria com a Scuderia Achille Varzi – o malogrado piloto italiano, depois de arruinar a sua prodigiosa carreira em meados da década de 30 devido ao uso de drogas, havia-se recomposto para se tornar numa das maiores estrelas do pós-Guerra até á sua trágica morte no G.P. da Suíça de 1948, mas a família e amigos mantiveram a equipa que o piloto possuía em sua homenagem, assinando uma parceria com o ACA para trazer dois talentos para correr em várias provas da temporada europeia. Numa Temporada marcada pela morte de Jean-Pierre Wimille no G.P. de Buenos Aires, Fangio conseguiu a sua primeira vitória frente às estrelas estabelecidas na ronda de Mar del Plata e, logicamente, foi selecionado como capitão da escuderia, acompanhado por Benedicto Campos. E, com um segundo lugar na prova principal, batido por Juan Gálvez, Fangio despedia-se definitivamente dos Turismos Carretera.

Se alguém esperava dificuldades de adaptação de Fangio ao ritmo dos pilotos e às pistas europeias, ficaram imediatamente enganados quando o argentino de 38 anos vendeu o G.P. de Sanremo e o G.P. de Pau, as suas primeiras provas europeias da época!!! O programa incluía dez provas escolhidas no extensíssimo calendário europeu, embora não se focasse nas poucas “grandes” – que viriam a formar o esqueleto do calendário de F1 de 1950 – mas que não deixavam por isso de ser menos concorridas pelos principais pilotos e equipas. E das dez, Fangio venceu nada mais, nada menos que seis!!! Quando regressou à Argentina depois de concluído o calendário previsto, Fangio foi recebido como um herói nacional, e para os europeus era a (veterana) promessa para o recém-criado Campeonato Mundial de F1, que teria lugar pela primeira vez em 1950. Pelo meio, Fangio correu ao volante de um Ferrari inscrito pelo ACA na Temporada de 1950, novamente com grande sucesso, assinando em seguida pela Alfa Romeo para o Mundial de F1 ao lado de duas consagradas estrelas, Giuseppe Farina e o veteraníssimo Luigi Fagioli. Depois da II Guerra, sempre que alinhava, a Alfa Romeo e o seu fabuloso modelo Alfetta 158 haviam dominado os principais Grandes Prémios, e com o dealbar da nova era, tratava-se sem dúvida da melhor equipa.

De facto, os Alfa Romeo dominaram em absoluto a época de 1950, vencendo todas as provas do Campeonato de F1. A época começou a 13 de Maio com o G.P. de Inglaterra, na presença da família real inglesa, e Fangio foi o mais forte até problemas mecânicos o obrigarem a desistir, entregando a vitória a Farina. No entanto, conseguiria a sua primeira vitória na ronda seguinte, no Mónaco, uma prova com o seu quê de lendário… Fangio saiu destacado da pole, na frente do Ferrari de Villoresi mas, estranhamente, quando saiu da chicane, apercebeu-se que algo se passava e travou prudentemente antes da curva Tabac… De facto, Farina, que saíra mal da grelha, havia feito pião na curva Tabac na frente de González e Fagioli, dando origem a uma carambola de mais de dez carros que obstruiu completamente a pista!!!Fangio disse-o numa entrevista a Nigel Roebuck que a sua atitude não se deveu a nenhum pressentimento, mas sim a uma foto do G.P. do Mónaco de 1936 que vira na véspera. Aquela edição fora disputada sob chuva muito intensa, e na segunda volta deu-se uma grande carambola na chicane. Quando Fangio saiu da chicane e, estranhamente, se apercebeu que o público não olhava para ele – o líder – mas sim tinha a cabeça voltada para Tabac, entendeu que algo se passava à sua frente e travou, conseguindo evitar o caos de carros acidentados para conquistar a sua primeira vitória. Fangio desistiu na Suíça, mas depois venceu na Bélgica e em França, o que lhe permitiu chegar ao G.P. de Itália na frente do campeonato, seguido de perto pelos seus colegas de equipa. Infelizmente, um problema mecânico obrigou-o a abandonar e Farina venceu a prova e o campeonato, graças à maior regularidade. Fangio foi vice-campeão, mas acumulou também diversos triunfos em provas extra-campeonato.

A Alfa Romeo continuava a ser a equipa mais forte em 1951, mas agora era cada vez mais ameaçada pela Ferrari, já que os pesados Alfetta 159 turbocomprimidos necessitavam de mais gasolina do que os Ferrari aspirados. No entanto, Fangio venceu duas das primeiras três rondas e só no G.P. de Inglaterra é que finalmente a invencibilidade da Alfa Romeo terminou, não através do líder da Scuderia Alberto Ascari, mas sim do compatriota de Fangio José Froilán González, que havia seguido as pisadas de El Chueco em 1949 e vindo para a Europa com apoio do ACA. Fangio terminou em segundo em Silverstone e no Nürburgring, mas ao abandonar em Monza enquanto Ascari vencia a sua segunda prova consecutiva, ficava com o italiano “à perna” à entrada da última prova, em Espanha. No entanto, a má escolha de pneus da Ferrari permitiu à Alfa Romeo ultrapassar o seu handicap de peso e dos reabastecimentos e Fangio venceu a sua terceira prova da época, conseguindo o seu primeiro título mundial de F1. A glória havia finalmente chegado. Pelo meio, tal como era costume na época, Fangio participou em provas de diferentes categorias. Logo no início da época, disputou a Temporada Argentina ao volante de um Mercedes W163, usado em 1939 no G.P. de Tripoli e que a marca germânica, finda a proibição de competir a nível internacional, retirara da garagem para preparar um regresso aos Grandes Prémios, mas foi ofuscado pelos Ferrari e, em particular, por González, sem dúvida um prenúncio para a nova época. Correu também ocasionalmente em provas extra-campeonato com a Ferrari e Gordini, e fez a sua segunda aparição em LeMans com um Talbot-Lago, depois de se ter estreado com um Gordini em 1950, desistindo por falha mecânica nas suas participações.

Por Guilherme Ribeiro

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joaolima
joaolima
1 ano atrás

Uma lenda improvável! Ainda mais do que hoje, não era nada fácil a alguém de raízes humildes conseguir mostrar todo o seu talento pela falta de meios. Mas Fangio tudo conseguiu terminando a sua série de vitórias no Mundial de Condutores com a épica vitória em Nurburgring 1957!

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