Hidrogénio começa a ser levado a sério

Por a 30 Setembro 2020 19:10

O Automobile Club L’Ouest (ACO) há muito escolheu que o seu caminho ecológico será feito a hidrogénio. Mas os franceses não estão sozinhos, a aposta no hidrogénio ganhou um aliado de peso, nos arredores de Estugarda.

Em termos desportivos, entre os grandes construtores, há um consenso quase geral que não há espaço para projectos de grande dimensão que não apoiados numa das energias “da moda”. Enquanto que os campeonatos com viaturas elétricas começam a proliferar, o hidrogénio, apesar de ser altamente complexo e sofisticado, continua a ser visto como a melhor alternativa em Le Mans e em Affalterbach.

Livre de qualquer compromisso no DTM, com o fim do programa do Aston Martin Vantage DTM da R-Motorsport, a HWA – a empresa que Hans Werner Aufrecht fundou em 1998 quando vendeu a AMG à DaimlerChrysler AG e que constrói os GT4 e GT3 da Mercedes-AMG – arregaçou as mangas e anunciou o mês passado um novo conceito para o automobilismo a hidrogénio – a Hyraze League. Porquê a hidrogénio? Basta lembrar que um 1kg de hidrogénio liberta três vezes mais energia que um 1kg de gasolina.

Esta era uma ideia que vinha a ser “cozinhada” há cerca de dois anos pela HWA. “Percebemos que o meio ambiente e os jovens estão se a tornar temas centrais. É por isso que é tarefa da empresa desenvolver um carro com emissões quase zero”, explica Aufrecht. O primeiro campeonato da Hyraze League, que terá também uma componente de sim racing muito valorizada, irá ser realizado na Alemanha, em 2023, com corridas nos fins-de-semana da ADAC, pois 2021 e 2022 serão anos para a construção, testes e desenvolvimento. A internacionalização está agendada para 2025 e a HWA não está sozinha. Ao seu lado estão com influentes parceiros, como a ADAC, a Schaeffler, a DSMB ou a Dekra.

O conceito do carro recém-apresentado, que na teoria debitará 800cv e será capaz de atingir os 250 km/h, dita que este será alimentado por hidrogénio verde, que é convertido em eletricidade para os quatro motores elétricos nas duas células de combustível. A nova tecnologia tem uma vantagem significativa, pois graças ao conceito de energia otimizada, o desempenho do veículo não terá restrições de gestão de energia ao longo de toda a distância de uma corrida. Graças à possibilidade de encher os dois tanques rapidamente durante uma corrida – uma vantagem fundamental que a tecnologia do hidrogénio oferece em comparação com os veículos exclusivamente elétricos a bateria – as corridas podem ser de longa distância.

O hidrogénio ainda é um combustível caro, mas a HWA acredita que a estratégia do Governo Alemão irá permitir que este seja mais acessível num futuro próximo. A Alemanha tem ambições de se tornar líder nas tecnologias associadas ao hidrogénio verde e o Governo Alemão recentemente apresentou o plano para lá chegar. Até o final de 2030, cerca de seiscentos milhões de euros deverão ser investidos para implantar a rede de rede de distribuição. Há atualmente apenas 87 postos de abastecimento de hidrogénio em todo o país, mas a ADAC, o automóvel clube germânico, estima que cerca de mil estações são necessárias para garantir o abastecimento em todo o país.

Contudo, esta escolha não é consensual dentro da própria influente indústria automóvel alemã. “Um carro a hidrogénio requer três ou quatro vezes mais energia que um veículo elétrico para cobrir a mesma distância, tornando-o três a quatro vezes mais caro para viajar uma mesma distância”, disse o CEO do Grupo VW, Herbert Diess, numa conferência da PwC. “É por isso que mais e mais construtores estão se a afastar das células de combustível.”

Ainda assim, os defensores do hidrogénio dizem que a paridade de custos está mais próxima do que se imaginava, especialmente para viagens de longa distância. “O ecossistema do hidrogénio é muito mais amplo do que apenas carros”, diz Bernd Heid, um especialista da McKinsey. “A célula de combustível não será desenvolvida apenas para veículos de passageiros”, acrescenta, argumentando que o custo da eletrólise diminuirá à medida que a produção de hidrogénio aumente com a sua aplicação no transportes pesados e na indústria.

Pierre Fillon, o presidente do ACO, diz que espera ter “pelo menos duas marcas” para a estreia da categoria de hidrogénio nas 24 Horas de Le Mans de 2024. “Ficaríamos muito felizes se tivéssemos entre quatro e seis carros”, diz. A BMW nunca negou estar nas reuniões do grupo de trabalho do ACO sobre tecnologia de hidrogénio, enquanto que a Audi chegou a considerar competir na “Garagem 56” com um protótipo a hidrogénio.

A marca de Ingolstadt deverá intensificar o desenvolvimento da tecnologia de célula de combustível de hidrogénio, de acordo com um anúncio público do seu presidente, Bram Schot. As razões por trás da mudança incluem preocupações com o abastecimento de recursos naturais para a produção de baterias e as dúvidas sobre a capacidade dos carros elétricos de atender às expectativas cada vez mais exigentes dos clientes. Apesar do WRC ser o seu programa desportivo principal, a Hyundai, a empresa líder neste ramo, também já tinha publicamente mostrado interesse na ideia do ACO.

A HWA gostaria de contar com OEMs no seu campeonato, mas organização não obriga que os carros de competição, que serão construídos em Affalterbach, estejam intimamente ligados com os carros de estrada. A Hyraze League não se vai ficar pela retórica habitual do uso de um propulsor amigo do ambiente. “A tecnologia do hidrogénio no carro é um tópico, mas não vamos de forma alguma parar aí. Estamos a desenvolver um campeonato em que o pacote, no geral, será sustentável”, afirma Ulrich Fritz, o CEO da HWA. Para além da aposta no hidrogénio, ao conceito da Hyraze Legue passa também pela aposta em fibras naturais que possam substituir a fibra de carbono.

Se o ACO espera convencer os grandes construtores, a ideia da HWA é cativar também as equipas, pequenos construtores e outros investidores. “A primeira geração de carros será construída com partes comuns”, explicou fonte oficial da Hyraze League. “As equipas e construtores têm a liberdade de desenhar as duas carroçarias, desde que sigam a regulamentação técnica e aerodinâmica. Valores do arrasto, downforce e fluxo de ar de arrefecimento serão limitados. A ideia por trás destas regulamentações apertadas é manter os custos baixos e dar a oportunidade às equipas em se concentrarem no uso do hidrogénio, que será algo novo para quase todas elas”.

Numa altura em que a economia não está propícia a exageros, os orçamentos terão de acompanhar a realidade. Por agora, “não temos números precisos, pois sabemos apenas os preços das peças em desenvolvimento. O que podemos dizer agora é que o budget necessário será acima de um GT3 e abaixo do nível do DTM”. Traduzindo, estamos a falar em orçamentos por carro entre um e quatro milhões de euros por temporada. Sabendo que os futuros carros da categoria ETCR, o “irmão elétrico” do TCR, rondarão os 750,000 euros a unidade, a ideia que fica é que ambas as tecnologias poderão nos próximos anos discutir de igual para igual pelo mesmo trono.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas Autosport Exclusivo
últimas Autosport
autosport-exclusivo
últimas Automais
autosport-exclusivo
Ativar notificações? Sim Não, obrigado