Conseguirá uma mulher ser competitiva ao volante de um Fórmula 1?

Jutta Kleinschmidt e Michèle Mouton são duas mulheres que triunfaram num mundo dominado pela testosterona. Mas não são casos isolados. A história está repleta de outras “estórias”, vidas em que se misturam pioneirismo, coragem, determinação e inteligência.

A pergunta continua sem resposta: Conseguirá uma mulher ser competitiva ao volante de um Fórmula 1? A história diz que até aqui não, a fisiologia diz que sim, por exemplo através do teste que a McLaren fez em 2001 a Sarah Kavanagh. A piloto irlandesa fez testes testes físicos no Laboratório de Performance Humana, a que se seguiram uma série de voltas ao circuito de Pembrey. O objectivo era avaliar a capacidade física e mental de uma mulher para pilotar um F1. O relatório final era claro: «Kavanagh tem todos os requisitos necessários.»

Já era verdade em 2001, muito mais é verdade agora, embora continue sem existir uma mulher na Fórmula 1. Pelo menos a correr porque Tatiana Calderón é piloto de testes da Alfa Romeo na F1.

Em primeiro lugar, porque há poucos lugares, e por isso também poucas oportunidades. E isto sucede porque se olharmos para os desportos motorizados como um todo, a percentagem de mulheres é pequena. E apenas os melhores chegam à F1, e se por acaso um dia, for uma mulher, então a F1 terá uma mulher. Ou seja, vai acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Há muito que se sabe que a tímida presença feminina na F1 não parece ter origem em limitações físicas ou psicológicas. Bernie Ecclestone, revelou um dia uma enorme deselegância quando instado a comentar as possibilidades das mulheres na disciplina afirmou: «Prefiro-as vestidas de branco, junto dos outros eletrodomésticos…»

Foi este tipo de mentalidade que enraizou a convicção de que a F1 é um domínio exclusivamente masculino. E um dos argumentos mais usados é a chamada “teoria da noção espacial”, ou seja, a menor capacidade do cérebro feminino para construir uma imagem dimensional do espaço envolvente.

Só que a própria ciência nunca associou esse fator a uma menor aptidão das mulheres para o desporto automóvel. Também a NASA parece

não acreditar nesse “handicap” natural pois existem diversas mulheres-astronauta no ativo. E se há mulheres no Espaço, porque não na F1?

Talvez seja porque, tal como Ecclestone, ainda há quem acredite que as mulheres só servem para “colorir” as corridas. Mas esta é uma realidade em mutação e onde o exemplo começou com mais força foi do outro lado do Atlântico…

O fenómeno americano

Danica Sue Patrick, aos 23 anos na altura, foi rookie-sensação na Indy Racing League (IRL) e muitos acreditavam que ela fosse a mulher que iria ser capaz de abrir um novo capítulo na história do automobilismo. Não andou longe, mas não foi. Depois de Michèle Mouton nos ralis e Jutta

Kleinschmidt no TT, Danica Patrick materializou em vitórias a presença das mulheres nas competições de monolugares. Mas venceu apenas uma única vez, na IndyCar Series em 2008, com a Andretti Green Racing.

Mas em 2005 esteve perto de fazer história ao liderar as 500 Milhas de Indianapolis até oito voltas do fim. Não que o quarto lugar da piloto de Phoenix não seja histórico – afinal, é a melhor classificação de sempre de uma mulher na oval americana.

Só que a inteligência e a ambição de Patrick não lhe permitia contentar-se com este facto. Queria ser, simplesmente, a melhor entre todos.

Mesmo que do outro lado da barricada estivessem nomes como Wheldon, Castroneves, Franchitti ou Kanaan. O circo mediático montado

à volta de Danica era mais um meio para atingir um fim e ela explorava-o com quase tanta mestria quanto a que revelava no cockpit do carro: «esta é uma excelente forma de promover o nosso campeonato e temos que aproveitar todo o interesse dos media nas 500 Milhas para aumentar a visibilidade da própria IRL», dizia a perspicaz piloto na altura. Demorou um pouco, mas a primeira vitória feminina na IRL chegou em 2008..

As exceções confirmam a regra?

Mas, afinal, por que motivo só Kleinschmidt e Mouton podem ser consideradas verdadeiras mulheres de sucesso na história do desporto

automóvel? É simples. A percentagem de representantes femininas no automobilismo é proporcional ao número de mulheres que de desenvolveram uma paixão pelas corridas e pela mecânica automóvel em geral. Jutta e Michèle, por exemplo, personificam esses dois fatores

e basta analisar o ‘background’ e a carreira de ambas para o perceber.

Jutta é engenheira mecânica. O seu nome surgia invariavelmente associado ao Dakar e, de todas as proezas da alemã, há uma que constitui o auge da participação feminina em toda a história do automobilismo: a vitória na lendária maratona africana, em 2001.

Caiu um mito e o desporto automóvel, através da sua prova mais exigente, deixava de ser um império masculino. Convém lembrar que Jutta se estreou no Dakar em 1988, nas motos, investindo do próprio bolso a verba necessária. Onze anos depois, a evolução da alemã culminou na subida ao pódio do Granada-Dakar, ao volante de um Mitsubishi. Mas 2001 foi o “annus mirabilis” da piloto alemã: à histórica vitória no Dakar

e ao triunfo na Baja de Itália, Jutta juntaria ainda os segundos lugares na Baja de Portugal, no Rali de Marrocos e na Taça do Mundo.

Fabrizia Pons, a sua co-piloto da altura , é quem melhor a define: «Uma verdadeira profissional em tudo o que fazia!».

Pode dizer-se que a vitória de Jutta no Dakar representa um capítulo dourado no livro que Michèle Mouton começou a escrever 20 anos

antes. A francesa foi a primeira grande mulher de sucesso no automobilismo. O pai de Michèle, ex-piloto de ralis, foi o catalizador do enorme desejo da filha. «Apercebeu-se do meu interesse e comprou-me um Renault Alpine Berlinette. Era o carro ideal para começar a competir», recorda.

Desde cedo, Mouton mostrou uma garra e uma coragem invulgares numa mulher. Campeã francesa de ralis (1974 e 1975), vencedora da Taça das Senhoras do Rali de Monte Carlo (1976) e vice-Campeã da Europa (1977), seria convidada por Walter Treser para guiar um Audi Quattro no Mundial de 1981. Michèle perguntou a Treser se a tinham convidado por ela ser uma mulher. E a resposta do engenheiro alemão foi tão curta quanto direta: «Sim». Mas nesse ano Mouton ganhou o Rali de Sanremo e… a imortalidade.

A cosmética do sucesso

Mulheres ganhadoras ainda são uma raridade no automobilismo, mas o problema reside na quantidade, não na qualidade. A necessária

seleção de valores só pode ser feita se houver “matéria-prima” suficiente. Homens como Lewis Hamilton, Fernando Alonso ou Sébastien Loeb ‘explodiram’ nas respetivas modalidades depois de terem deixado pelo caminho dezenas, senão centenas, de potenciais estrelas.

Em comparação, são muito poucas as mulheres que, anualmente, tentam a sua sorte na competição automóvel de topo. Mas os tempos mudam e a fórmula de sucesso para as mulheres também. Já não basta ser rápida; ser atraente também ajuda. «É uma vantagem a minha filha ser bonita. Se fosse pouco atraente não tinha a mínima hipótese», defendia Olivier Gachnang, pai da “teenager” suíça Natacha Gachnang.

Andou nas fórmulas até 2009, chegou à F2, ‘mudou-se’ para Le Mans em 2010, nos GT1, 2011, Ve de V, 2012, VLN Endurance, como se percebe a carreira já estava em queda. Em 2015 deixámos de ouvir falar dela.

Outro exemplo, Vanina Ickx, filha do piloto Jacky Ickx, iniciou a sua carreira na BMW Compact Cup belga em 1996 e, após alguns anos de corridas pelas fórmulas, Vanina Ickx participou em dois ralis antes de disputar o Dakar, ao lado do seu pai. Também competiu em Le Mans, correu nas 24 Horas de Spa e guiou para a Audi no Campeonato Alemão de Carros de Turismo, antes de ser substituída por Katherine Legge.

A britânica foi outra mulher que começou no karting, correu na Fórmula Ford britânica, Fórmula Renault e Fórmula 3. Em 2005 Katherine Legge competiu na Toyota Atlantic, onde conquistou três vitórias e cinco lugares no pódio, terminando em terceiro lugar no campeonato como estreante. Testou o Minardi de Fórmula 1 no mesmo ano. Depois passou para a Champ Car World Series, tornando-se a primeira mulher a competir a tempo inteiro no campeonato.

Em 2011 foi a vez de Simona de Silvestro chegar à IndyCar, o melhor que fez foram dois quartos lugares, mas em 2016, De Silvestro pontuou na Formula E em Long Beach, e foi a primeira mulher a fazê-lo. Pippa Mann anda pela IndyCar desde 2013, nunca fez melhor que dois 13º lugares em 2015. Também não foi Suzie Wolff que o conseguiu, mas ainda assim não andou muito longe. Passou pela Fórmula Renault, F3 Britânica, DTM e em 2012 chegou a ser piloto de desenvolvimento da Williams na F1. María de Villota é uma história triste, que preferimos não recordar aqui…

Carmen Jorda andou pela GP3, onde em três anos nunca conseguiu chegar aos pontos, mas pior do que isso foi o que disse em 2017, ao mostrar-se adepta da ‘segregação’ nas corridas. Apesar disso foi eleita para a ‘FIA Women In Motorsport Commission’, mas sempre foi muito criticada pelas suas pares, como por exemplo Leena Gade, conhecida super-engenheira no WEC. Jorda alega que “questões físicas” são um obstáculo que impedem mulheres de serem competitivas na Fórmula 2 e Fórmula 1.

Não parece que tenha razão, e a mais recente ‘fornada’ parece estar a passar etapas que no mínimo vão colocar a fasquia mais perto do topo.

É o caso de Tatiana Calderon (que é piloto de testes da Alfa Romeo na F1), Jamie Chadwick, e Sophia Floersch, que disse recentemente: “Quero ganhar contra os rapazes, essa é a minha motivação”. A Alemanha é conhecida por produzir alguns dos maiores pilotos da história do automobilismo, e agora, porque não, também do género feminino. Para já, está na Fórmula 3, com a Campos Racing.