Será o fim do domínio da Mercedes na Fórmula 1?
De principal candidata ao título deste ano, depois dos testes de Inverno, a Mercedes passou a grande derrotada nas três primeiras corridas da temporada, não tendo ainda ganho qualquer Grande Prémio, ao passo que a Ferrari e a Red Bull já provaram o sabor embriagante da vitória. Será que chegámos ao fim da “2ª Era Mercedes”?
Os “Flechas de Prata” tiveram um forte impacto sempre que estiveram na Fórmula 1, tendo nos anos cinquenta dominado as temporadas de 54 e 55, assegurando dois títulos para Juan Manuel Fangio.
Então, a supremacia do construtor de Estugarda só terminou quando se retirou da categoria após as ondas de choque do acidente de Le Mans de 1955.
A “2ª Era Mercedes”, iniciada em 2010, não teve um início tão fulgurante, mas com a introdução das unidades de potência turbohíbridas em 2014 os carros de Brackley passaram a ter uma posição dominante, tendo desde então vencido todos os títulos em liça.
É, portanto, surpreendente que, após três corridas disputadas este ano, não se veja qualquer triunfo assinado pela Mercedes, ao passo que a Ferrari já venceu por duas vezes e a Red Bull por uma, tendo os “Flechas de Prata” como melhor resultado três segundos lugares. Serão estes três Grande Prémio uma indicação de que a supremacia do construtor se está a eclipsar?
Os episódios
No Grande Prémio da Austrália a Mercedes concretizou as promessas dos testes de Inverno, tendo Lewis Hamilton conquistado uma pole-position esmagadora, ao deixar Kimi Raikkonen a mais de meio segundo. A performance do inglês ficou para lá do esperado após os ensaios de pré-temporada, temendo-se uma caminhada triunfal ao longo da época da parte da Mercedes e do tetracampeão mundial.
Contudo, Hamilton sempre se mostrou bastante à-vontade no circuito de Melbourne e, com o Mercedes W09 EQ Power+ a funcionar correctamente, mostrou estar ao seu melhor nível, cavando uma pole-position digna de ser vista e revista como um exemplo acabado do que é realizar uma volta de qualificação.
A corrida, porém, acabaria por fugir por entre os dedos da Mercedes num fim-de-semana em que tinha o carro mais performante em pista, devido a um Safety-Car Virtual que surgiu no momento certo para Sebastian Vettel, que nem sequer era o piloto mais rápido da Ferrari.
Mas se alemão da equipa de Maranello teve a sorte do seu lado, a Mercedes contribuiu decisivamente para a fortuna do piloto da “Scuderia”, uma vez que calculou erradamente a distância a que Hamilton deveria permanecer do seu adversário de modo a que pudesse recuperar o comando quando este parasse para trocar de pneus, mesmo numa situação de Safety-Car Virtual.
Com performance de reserva, o inglês manteve-se demasiado distante de Vettel por indicação da sua equipa, perdendo a corrida, apesar de ser notório que era muito mais rápido que o alemão.
Muito embora tenha ficado claro que o Mercedes era o mais eficaz em pista Hamilton mostrou-se bastante frustrado após a derrota de Melbourne e avisou imediatamente que o Ferrari seria difícil de bater no Bahrein. O circuito de Sakhir tem sido tradicionalmente uma pista favorável aos monolugares de Maranello e de facto foi o que se verificou no Bahrein International Circuit.
A Ferrari monopolizou a primeira linha ainda que a diferença de Valtteri Bottas, o mais rápido dos Mercedes, tenha sido inferior a dois décimos de segundo para Vettel, o autor da pole-position.
Sem andamento para o alemão, o finlandês da equipa de Brackley conseguiu colocar-se entre dois pilotos da “Scuderia” e jogou uma cartada estratégica, quando realizou a sua troca de pneus duas voltas depois do líder e montou borrachas duras, demonstrando que iria até ao fim com o mesmo jogo de pneumáticos.
A Ferrari ficou num dilema, entre manter a sua estratégia de duas paragens ou replicar a táctica do seu perseguidor, apesar de ter montado pneus macios no monolugar do alemão.
Os italianos optaram por arriscar e colocar Vettel numa estratégia de uma paragem, mas a Mercedes só muito tarde percebeu os intentos da sua adversária e, apesar da vantagem de borrachas de Bottas e do alemão ter ficado com as borrachas nas lonas para as últimas dez voltas de prova, o finlandês não teve como atacar o piloto da Ferrari.
Se no Bahrein se esperava uma subida de forma da “Scuderia”, a China era um dos redutos da Mercedes e desde 2012 só por uma vez os “Flechas de Prata” perderam a corrida – em 2013 para Fernando Alonso, então ao serviço da Ferrari.
As temperaturas frescas de Xangai têm favorecido os homens de Brackley, mas curiosamente, este ano a equipa de Maranello esteve um passo à frente da concorrência, monopolizando pela segunda vez consecutiva a primeira linha ao deixar Valtteri Bottas, novamente o mais rápido no seio da Mercedes, a mais de meio segundo – a maior desvantagem verificada este ano entre um Ferrari e um “Flecha de Prata” precisamente no terreno que se julgava ser propício a este último.
Na corrida, Sebastian Vettel – que fez o favor à Mercedes de apertar Kimi Raikkonen e assim promover Bottas ao segundo posto – mostrou um forte andamento, mas a Ferrari falhou o tempo necessário para evitar um “undercut”, sendo surpreendido pelo finlandês.
Por uma vez os homens de Brackley batiam estrategicamente os seus adversários de Maranello, parecendo caminhar para o seu primeiro triunfo da temporada.
No entanto, quando o Safety-Car entrou em pista a corrida ficou virada do avesso e muito embora Bottas e Vettel não tivessem tido a oportunidade de entrar imediatamente nas boxes – já tinham passado a entrada para o “pit-lane”, quando a corrida foi neutralizada – a Mercedes e a Ferrari – com Hamilton e Raikkonen respectivamente – não aproveitaram a possibilidade de seguirem a Red Bull, preferindo manter posição em pista. Acabaram por ficar expostas ao andamento de pneus novos de Max Verstappen e Daniel Ricciardo, que venceu a corrida.
Dificuldades estratégicas
Até ao final de 2016 a Mercedes mal tinha de se preocupar com as outras equipas, tal a sua vantagem técnica face às suas adversárias e estrategicamente tudo era jogado entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg.
Mas já na temporada passada os homens de Brackley foram obrigados e definir as provas tacticamente de acordo com a ameaça apresentada pela Ferrari, tendo falhado algumas vezes.
Este ano os responsáveis dos “Flechas de Prata” têm um novo cenário, tendo ainda de contar com os Red Bull que se podem mostrar uma ameaça.
Depois de anos despreocupados nesta frente, as três primeiras provas de 2018 mostraram falhas prementes nas estratégias da Mercedes, tendo perdido, potencialmente, o Grande Prémio da Austrália e o Grande Prémio do Bahrein devido a rigidez táctica, neste último caso, e um erro de dados na corrida de abertura da época.
Na prova de Xangai a agilidade da Red Bull, o instinto desta, contrastou com a inflexibilidade da Mercedes, e neste caso também com a da Ferrari, parecendo evidente que os responsáveis de Brackley terão de melhorar este aspecto consideravelmente, se pretendem manter a invencibilidade que demonstram desde 2014 numa temporada em que terão de se bater com mais duas equipas.
De Diva a Mulher Caprichosa
Depois de uma “diva” em 2017, a Mercedes tem este ano entre mãos uma “mulher caprichosa” segundo as palavras de Toto Wolff. Na Austrália a Mercedes esteve a um nível incrível, tendo Hamilton realizado um crono na qualificação que se cifrou em 95,4% da sua marca do ano passado, o que demonstra uma evolução notável, face á Ferrari, que viu Raikkonen realizar uma marca não foi além dos 97,2% do registo da melhor marca produzido pela equipa em 2017.
Contudo, de acordo com James Vowles, o chefe de estratégia da Mercedes na primeira prova da temporada a formação de Brackley conseguiu colocar os pneumáticos a funcionar correctamente. “Em Melbourne conseguimos colocar os pneus a funcionar. Na Q3 realizámos um tempo muito rápido com o Lewis”, afirmou o inglês.
Nas corrida seguintes, no Bahrein e na China, a Mercedes apresentou uma evolução sofrível – 99,3% em Sakhir e 99,9% em Xangai – ficando longe do incremento de performance da Ferrari – 95,6% e 97,6%, respectivamente – e da Red Bull – 96,1% e 96,3%.
A diferença entre a Austrália e os outros Grandes Prémios prendem-se com as temperaturas – em Melbourne o ambiente estava temperado, ao passo que nos seguintes verificou-se calor, no Bahrein, e frio, na China – podendo ser possível concluir que a janela de funcionamento do Mercedes é mais reduzida que a do Ferrari ou a do Red Bull.
Curiosamente, tanto o carro de Maranello como o de Milton Keynes assentam na filosofia “high rake” – traseira elevada e frente baixa – ao passo que o monolugar de Brackley mantém-se fiel a um carro plano.
Segundo diversos técnicos, os carros “high rake”, apesar de mais difíceis de afinar numa primeira fase, depois de ultrapassadas as dificuldades iniciais, apresentam uma maior janela de funcionamento, parecendo este ser o grande problema do Mercedes W09 EQ Power+.
Porém, Vowles aponta que também as outras equipas têm passado por dificuldades e a Mercedes tem também conseguido entrar na janela de funcionamento dos pneus. “Se formos para o Bahrein, os pneus médios funcionaram muito bem no nosso caro e o desgaste com os supermacios era boa, também. Portanto, em algumas pequenas situações temos conseguido colocar o pneu a funcionar.
No Grande Prémio da China completamos uma volta em 1m31,9s com o Lewis e isso colocar-nos-ia no quinto posto da grelha de partida, com pneus médios. Portanto, temos a prova de que os pneus estavam a funcionar.
Podemos dizer o mesmo da Ferrari. Em Melbourne não estavam ao nível. Com os supermacios no Bahrein estavam fora da janela de funcionamento, com muita degradação, e com os médios, um pouco mais lentos que nós. Todas as equipas têm de tentar operar numa janela”, garantiu o homem da Mercedes.
O inglês admite, porém, que com três equipas a lutarem pelas vitórias, existem muito factores a ter em conta que dependem de muitas variáveis: “Penso que os pneus este ano estão a ter um impacto. Mas existe outro aspecto, que passa pelo facto de termos três equipas – Mercedes, Ferrari e Red Bull – que, dependendo dos pneus, das pistas, têm capacidade para apresentar níveis de performance diferentes.
Isso está a criar a situação em que os carros têm níveis diferentes de performance dependendo da temperatura da pista, das condições e dos pneus que estão a ser usados.
Basta assistir a uma mudança de ambiente da pista. Quando vamos para uma pista e está vento ou não, se está frio ou não, podemos verificar uma amplitude tempos de acordo com esse ambiente”.
Apesar de garantir que todas as equipas passam por dificuldades com os pneus, Vowles deixa escapar que o carro de Maranello tem uma capacidade para fazer funcionar as borrachas da Pirelli de uma forma correcta superior ao do monolugar oriundo de Brackley. “Parece que a Ferrari com temperaturas frias e em condições muito quentes é mais rápida que nós. Existem diversos efeitos a ocorrer. A forma como os pneus funcionam, são sensíveis à temperatura tanto à frente como atrás, e precisamos que todos os pneus funcionem na temperatura correcta em todas as curvas da pista. Em algumas curvas, apertadas, geramos muita temperatura. Em outras, como a 14 no fim da recta traseira (n.d.r.: no circuito de Xangai), ficamos com os pneus muito frios.
Todas as equipas estão a trabalhar arduamente para alcançar este objetivo, mas como podem imaginar é difícil conseguir que tudo funcione ao mesmo tempo”, concluiu o estratega da Mercedes.
Mas curiosamente, esta dificuldade do Flechas de Prata revela-se mais durante a qualificação que na corrida, ao contrário do que acontecia o ano passado, quando os carros prateados tinham vantagem durante a sessão que definia a grelha de partida e os vermelhos eram mais fortes em prova.
Essa supremacia de 2017 terá sido seguramente esbatida com a evolução da unidade de potência da Ferrari, havendo quem garanta que, atualmente, os V6 turbohíbridos de Maranello são os mais potentes do plantel, algo que é consubstanciado pelas velocidades máximas obtidas em cada um dos circuitos já visitados este ano.
Em corrida verifica-se uma aproximação dos Mercedes aos Ferrari, tendo por vezes até evidenciado um menor desgaste de pneus. Contudo, ao partir atrás dos pilotos de Maranello os responsáveis dos “Flechas de Prata” veem a sua prova condicionada, curiosamente, com as mesmas dificuldades vividas em 2017 por Vettel e Raikkonen.
É o princípio do fim?
Após três corridas parece evidente que a Mercedes produziu um carro com dificuldades em colocar os pneus a funcionar, que foi ultrapassada pela Ferrari no desenvolvimento das unidades de potência e que demonstra dificuldades estratégicas. Mas será isto suficiente para assistirmos à queda de um gigante?
Nenhuma equipa é invencível e todas passam por um ciclo vitorioso que um dia terá um fim – aconteceu com a Lotus, McLaren, Williams, Ferrari, Red Bull, etc – e é seguro que um dia a formação do construtor de Estugarda estará nesse papel.
O início da temporada de 2018 foi o pior dos homens de Brackley desde que começou a “Era Turbohíbrida”, mas colocá-los na posição derrotados tão cedo não parece avisado.
Talvez não de uma forma tão profunda, mas na temporada passada a Mercedes viveu uma situação semelhante com um carro trabalhoso, mas o grupo uniu-se e apresentou um ritmo de desenvolvimento que se mostrou difícil de acompanhar pela Ferrari, tendo-se lançado para os títulos com um pacote técnico apresentado em Silverstone, durante o Grande Prémio da Grã-Bretanha.
O cenário deste ano é mais complicado, até por que para além da “Scuderia”, os “Flechas de Prata” têm de se ver com a Red Bull – que tem também uma enorme capacidade de desenvolvimento – mas se há equipa capaz de reunir e de se ultrapassar, essa é a Mercedes.
O entendimento dos pneus Pirelli será de importância capital, até mais que colocar mais apoio aerodinâmico no W09 EQ Power+ e exacerbar os problemas já existente, sendo a grande questão actual saber se o potencial do monolugar de Brackley é o demonstrado em Melbourne por Hamilton, ou se esse foi um episódio da safra do talento do inglês.
A resposta começa a ser dada já este fim-de-semana em Baku.
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