A Fórmula 1 vista bem por dentro…
Com cerca de 800 Grande Prémios no ativo, sempre como enviado do jornal suíço Blick, Roger Benoit faz parte da ‘mobília’ da F1, ao ponto de ter sido um dos confidentes de Ecclestone. Mas pilotos e patrões de equipa também se confessam ao suíço, que sempre cultivou um estilo muito peculiar…
ROGER BENOIT, o decano dos jornalistas do paddock.
OS ANOS passam, mas Roger Benoit pouco ou nada muda: o charuto na boca, o cabelo sempre impecavelmente penteado, a recusa em utilizar meias mesmo nos dias mais frios e o seu estilo direto, sem papas na língua, são conhecidos de todos e onde quer que esteja no paddock, há sempre um piloto, ex-piloto ou patrão de equipa pronto para dois dedos de conversa.Mas nada apontava para que o jovem Roger Benoit, sem o menor interesse no automobilismo, viesse a ser um elemento permanente do paddock da F1: “Comecei a trabalhar no Blick, em Zurique, no dia um de maio de 1969, depois de ter trabalhado durante dois anos noutro jornal em Basileia. Fazia futebol, mas a Suíça tinha o Jo Siffert e o Clay Regazzoni – o ‘Seppi’ já fazia F1, o Clay estava a dominar na F2 – e depois de uma corrida de F2 em que terminaram em primeiro e segundo, o meu chefe disse-me que, “esta coisa do automobilismo parece interessante e é capaz de vir a ser popular na Suiça. Queres ir fazer uma corrida?” Éramos só oito na redação de desporto, mas eu não tinha interesse nenhum em carros, porque o me interessa no desporto é o fator humano, mas ele insistiu e eu fui. A minha primeira corrida foi na Áustria, em Tulin-Langelbarn e o Clay ficou em terceiro lugar, o que foi bom para a minha história. Como ele também foi para a F1 em 1970, ficamos com dois suíços nos Grandes Prémios e lá fui eu com eles, até porque começava a gostar do ambiente e das pessoas.
O Clay dividia o segundo Ferrari com outro piloto enquanto o ‘Seppi’ vinha de 20 corridas – entre campeonato e extra-campeonato – sem terminar nos seis primeiros, até porque o March quebrava sempre. O editor do Blick teve a ideia de que tínhamos de lhe achar uma mascote, as pessoas mandaram centenas de mascotes e levei-os todos para Friburgo, onde ele morava, pus todos no chão da sua garagem e a filha dele, a Veronique, escolheu uma pedra vermelha e branca. Ele levou-a para o Grande Prémio seguinte, colou-a dentro do habitáculo e… lá marcou um ponto! Foi uma bela história para o Blick, como podes calcular.
Mas nesse meu primeiro ano completo morreram o Piers Courage e o Jochen Rindt, no espaço de duas ou três corridas, e comecei a pensar “que raio é que estou a fazer, a escrever obituários a torto e a direito….” Era difícil tirar prazer, mas as pessoas fascinavam-me. Olha, conheci o Stewart em maio de 1970 e duas semanas mais tarde fui à sua casa em Biel-Bienne – nessa altura éramos dez jornalistas no paddock e éramos tratados como iguais pelos pilotos. Agora isso é impossível, porque temos managers, os relações com a imprensa, os fisioterapeutas, tudo a servir de filtro e a amizade com os pilotos é impossível.”
Como, na época, eram poucos os jornalistas que acompanhavam toda a temporada, a ligação com os pilotos eram muito mais intensas e Benoit foi rapidamente ‘adotado’ pelo pelotão. Naturalmente foi com os pilotos suíços que o homem do Blick teve maior contacto e isso tornou mais complicado lidar com as fatalidades. Daí que, para Benoit, a morte de Siffert no final de 1971 foi um rude golpe. Tão duro, que não consegue, 42 anos depois, completar a descrição do que aconteceu: “No final do campeonato, porque tinham anulado o GP do México, fui a um raio de corrida em Brands Hatch, extra-campeonato, e era quase o único jornalista não britânico a trabalhar. Começaram a corrida, foi a única vez na vida que fiz rádio na vida e… pronto.” Roger não acaba a frase e explica que, “50 mil pessoas foram ao funeral em Friburgo e eu decidi que não queria continuar mais num ambiente em que os meus amigos iam morrendo rapidamente.”
Histórias com Ecclestone
Ecclestone, com quem Benoit sempre se deu muito bem, deu-lhe algumas novidades em primeira mão: “Estava a ver o GP da Itália de 1985 nas boxes da Brabham, porque tinham o Marc Surer, e ele não conseguia passar o Senna, apesar do motor BMW lhe dar mais 200 cavalos que o Renault do Lotus. O Bernie olhou para mim, e disse-me, “este gajo não é suíço como tu? Olha, ele acaba de se retirar da F1, mas ainda não sabe. E despediu-o no final do ano, mas eu já o tinha escrito logo depois de Monza!”
Mas o patrão da F1 chegou a zangar-se seriamente com Benoit, devido a um mal entendido. O jornalista suíço é um fanático das apostas e tinha apostado com Gunther Schmidt, o dono da ATS, em 1978, que os seus carros não marcariam pontos: “A aposta era de dez mil marcos alemães, muito dinheiro, mas em Brands Hatch o Jochen Mass estava nos pontos e eu estava a ver o meu dinheiro a desaparecer. Eu estava a ver a corrida junto das boxes da Brabham como de costume, e o Lauda estava à frente do Reutemann… mas eu só olhava para o Mass. Até que o inevitável aconteceu, o ATS parou, eu fiz um gesto de grande satisfação e voltei a olhar para a frente da corrida, onde o Reutemann tinha passado o Lauda sem eu ver.
No final da corrida quando fui falar com o Niki, para saber como é que ele tinha perdido a corrida, o Bernie impediu-me de falar com ele, dizendo que me tinha visto festejar quando o Carlos tinha passado para a frente do Niki. Fiquei sem resposta, mas depois pensei bem e percebi que as duas coisas tinham acontecido ao mesmo tempo e que ele tinha pensado que eu festejava a ultrapassagem de um Ferrari ao seu Brabham. Falei com o Herbie Blash, que foi explicar ao Bernie o que se passava e ele trouxe pessoalmente o Niki para falar comigo, 20 minutos mais tarde.”
Benoit é um dos parceiros de Bernie Ecclestone para várias partidas de gamão ao final das tardes, desde meados dos anos oitenta, seu convidado na casa de Gstad há muitos anos e várias vezes, “chegamos a ficar a jogar gamão com o James Hunt e o Teddy Mayer até às cinco horas da manhã na véspera dum Grande Prémios. Imaginas isso? O patrão e o primeiro piloto da McLaren acordados até às cinco da manhã, quando havia o warm up dali a três ou quatro horas? Impossível nos tempos modernos.”
Elogio de Vettel
Dos pilotos atuais que se expressam em alemão, Benoit destaca o seu relacionamento com Vettel: “Ele é o mais inteligente, o mais informado, o mais normal. Perguntas-lhe sobre história de F1, ele sabe; perguntas-lhe sobre coisas que acontecem no mundo, ele tem opinião. O Schumacher nunca soube nada que não tivesse a ver com ele. Gosto muito do Button, que conheço desde que ele começou a testar com a Williams, mas também do Mark Webber, que é um pouco um rapaz do campo, tipo Alan Jones, sem papas na língua, mas com pouca classe. Mas ao menos não é como o Nigel Mansell, que passava a vida a queixar-se de tudo e todos.”
Direto, sem papas na língua, Roger Benoit é dos personagens mais interessantes do paddock. Sem pruridos, admite que, “a minha família é a F1”, mas aconselha os amigos a “terem uma família em casa, porque a F1 atual já não permite que uma pessoa se realize só por andar aqui.”
O amigo Regazzoni
Clay Regazzoni foi dos pilotos com quem Benoit mais conviveu e o jornalista suíço acompanhou como ninguém o seu compatriota depois do terrível acidente que sofreu em Long Beach, no inicio de 1980: “Fiquei quatro semanas com ele em Long Beach, fui com ele para Washington durante três semanas, depois dele ter estado algum tempo na Suíça e era como se eu fosse o seu secretario. Infelizmente foram as cinco ou seis semanas em Basileia, onde não seguiram o tratamento adequado, que o condenaram a ser paraplégico para o resto da vida.
No hospital eu atendia o telefone, dizia o nome da pessoa em voz alta e ele fazia-me sinal se queria ou não falar com ele! Mas mesmo em circunstâncias tão dramáticas o Clay nunca perdeu o sentido de humor. Como ele tinha de se mover numa carreira de rodas, quis que eu aprendesse a andar como ele para fazermos corridas. Depois quis que eu aprendesse a fazer um ‘wheelie’ e, claro, fui logo apanhado pelo diretor do hospital….
Ele recebia tantas flores que não as podia dar e acabou por as oferecer às enfermeiras com os maiores seios, depois de termos feito uma pesquisa aturada durante alguns dias. Imaginas como é ter alguém como o Clay no paddock atual? Era impossível! E a razão porque ele andou sempre de cadeiras de rodas foi porque percebeu que seria mais rápido assim do que com muletas, porque o vi andar várias vezes, mas com dificuldade.
O final foi triste, porque só o Jacques Laffite ainda o visitava regularmente e vi-o a poucos meses antes do acidente, quando ele adormeceu ao volante e acertou num camião. E, claro, era o Clay e não levava o cinto de segurança apertado. A colisão foi a 88 km/hora e com cinto não teria sofrido nada…”
Das muitas histórias anteriores, lembra-se do jantar com Teddy Yip em Indianápolis, depois do piloto suíço ter destruído um chassis nos treinos: “Chegamos ao restaurante e estava uma caixa não muito grande na mesa. O Clay perguntou o que era e o Teddy disse-lhe que era o carro! Tinham-no comprimido numa máquina e levado de grua para o restaurante…”
Michael Schmidt é o parceiro habitual
O desinteresse de Benoit pela técnica é conhecido de todos e o suíço fala abertamente dessa faceta do seu trabalho: “Como sabes a parte técnica para mim não interessa nada e se sou forçado a escrever sobre escapes, pneus ou outra coisa qualquer, peço ao Michael Schmidt (jornalista alemão da Sport Auto and Motor) para me explicar e ponho tudo em forma que um leigo como eu possa entender. Ele é o meu Diretor Técnico…
Até fazemos as entrevistas juntos, porque ele pergunta tudo sobre técnica e eu pergunto tudo sobre a parte humana. Mas só raramente escrevo sobre técnica, porque toda a gente sabe que eu não percebo nada daquilo, nem quer saber. Por isso só escrevo sobre o que sei e gosto.”
Uma birra com Ecclestone
Raramente Roger Benoit falha uma corrida, mesmo quando está adoentado, mas entre 1991 e 2008 nunca apareceu no G. P. de França: “Nunca fui a Magny-Cours. Onde é que fica Magny-Cours? Mas a culpa é do Bernie, pois quando ele me disse que íamos ter o GP de França lá, em vez do Paul Ricard, escrevi-o antes dos franceses o saberem, mas ele disse-me logo que era um lugar horrível. Por isso não fui, mas o Bernie esqueceu-se e na sexta-feira à noite ligou-me a perguntar aonde eu estava. Então eu disse-lhe que ele me tinha dito que era um lugar de m…. e eu não vou a lugares de m… Então ele lembrou-se, mas todos os anos nunca falhou o telefonema de sexta-feira à noite, quando lhe faltava um parceiro para jogar gamão… e para confirmar que eu estava mesmo em Zurique! Chegou até a oferecer-me o avião dele e um quarto no seu hotel para eu ir, mas nunca fui.”
Saudades do Rio e de Kyalami
Das histórias que se podem publicar, Roger Benoit destaca algumas que se passaram em dois dos seus locais preferidos: o Rio de Janeiro e Kyalami: “No Rio de Janeiro ficamos sempre no Hotel Intercontinental, com os pilotos e as equipas, mas como não tinha de estar na pista de manhã, ia para a piscina. Só que as tripulações da Lufthansa, como bons alemães, reservavam as cadeiras todas antes de irem tomar pequeno-almoço e nós tínhamos de nos sentar no chão. Então comecei a chegar à piscina às seis e 45 da manhã, reservava as cadeiras todas, ia tomar o pequeno almoço e só deixava os meus amigos da F1 sentar-se lá – os da Lufthansa ficavam no chão!
Mas uma das melhores foi quando o Rolf Stommelen alugou um carro em Kyalami e no contrato dizia que a companhia de aluguer iria buscar o carro onde quer que ele o deixasse. Então ele decidiu ‘estacioná-lo’ dentro da piscina do Kyalami Ranch…. e ficamos todos à espera para ver se o vinham buscar. Vieram mesmo, mas no ano seguinte o contrato de aluguer já não dizia que recuperariam os seus carros onde quer que nós os deixássemos!” Outros tempos, sem dúvida.
“Em Kyalami fazíamos as coisas mais incríveis, como ligar um gravador com o som dum galo a cacarejar, com o volume no máximo, junto do bungalow do Balestre, dando-lhe um susto do outro mundo às quatro da manhã. O Bernie arranjou todo o material, e foi comigo e com o Hans Stuck, para ficarmos, escondidos, a ver a reação do Jean-Marie. Ele até caiu da cama, veio à janela e passou uns bons minutos a tentar perceber o que lhe acontecera mas nunca soube quem tinham sido os responsáveis. Imagina fazeres uma coisa destas ao Mosley ou ao Todt – nunca mais tinhas passe para trabalhar na F1!”
TEXTO de Luis Vasconcelos (trabalho realizado em 2012)
Histórias de outros tempos da Fórmula 1
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É uma personagem incontornável (como se diz tanto agora) da F1 das ultimas décadas, mas tem o seu lado negro, que é a sua profunda xenofobia. Desde o Pedro Rodríguez, colega do Siffert , até mais recentemente ao Pérez nos anos da Sauber, mostrou sempre o que um jornalista não deve ser.
Xenofobia, claro… convive com o Bernie Senil, tinha que ser xenófobo ou outra coisa qualquer.
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Quem é o anão na segunda fotografia a contar de cima?