Paolo Barilla: O Homem da Massa
Herdeiro do conglomerado agroalimentar italiano Barilla, poder-se-ia pensar, a avaliar pelos resultados na Fórmula 1, que Paolo Barilla seria o típico piloto pagante, como tantos outros que “tomaram de assalto” a modalidade a partir da segunda década de 80. No entanto, este italiano mostrou, por mérito próprio, não ser de todo desprovido de talento.
Paolo Barilla nasceu a 20 de Abril de 1961 em Milão, filho de PietroBarilla, dono do gigante produtor de massas Barilla, que havia sido fundado pelo seu bisavô em Parma, no longínquo ano de 1877. Durante a infância de Paolo, questões familiares levaram Pietro a vender a companhia a uma grande multinacional americana, o que deixou a família Barilla ainda mais abastada, já que o valor de mercado representado pela empresa era enormíssimo, sendo, à data, uma das maiores do mundo. Desta forma, quando o jovem Paolo se interessou pelo desporto automóvel, não houve questões monetárias a interpor-se entre ele e uma carreira no karting, que desde cedo mostrou algum talento e resultados. Tendo-se iniciado na modalidade em 1974 em 1975 e vencendo o sue primeiro título em 1976, no Campeonato Italiano de 100cc.
Depois de uma carreira bem-sucedida nos karts, Barilla decidiu prosseguir a sua aventura nos monolugares e, em 1980, estreou-se na Formula Fiat Abarth, terminando o campeonato no 11º lugar, com dez pontos e um pódio pelo meio. Uma estreia promissora, que o levou a avançar de imediato para o Campeonato Italiano de Fórmula 3 em 1981, correndo ao volante de um Martini Mk34-Alfa Romeo inscrito pelo conceituado Ferdinando Ravarotto (mais tarde inscrita como Team Del Potro). E se alguns pensariam que a sua chegada a esta categoria, com apenas um ano nos monolugares, seria prematura, não tardou a ver-se que o jovem piloto era rápido e, na sua terceira prova, em Vallelunga, dominou as operações e conseguiu a sua primeira vitória, repetindo a dose em Enna-Pergusa. Apesar de alguma irregularidade, típica da sua juventude, Paolo Barilla terminou o campeonato num fabuloso terceiro posto, a apenas 12 pontos do campeão Eddy Bianchi. Pelo meio, foi ainda sexto no G.P. do Mónaco de F3, o que atraiu decerto a atenção de alguns diretores das equipas dos escalões superiores, sendo convidado pela Minardi para disputar duas provas de Fórmula 2 ainda no decorrer de 1981.
Claro está que se pode dizer, com alguma razão, que o dinheiro de Paolo Barilla abria muitas portas, mas o dinheiro nunca conduziu sozinho, e o que se viu nesta fase da carreira do piloto foi uma dose boa de talento. No entanto, quando em 1982 foi anunciado como piloto da Minardi na F2, ao lado de Alessandro Nannini, talvez esta subida tão rápida tenha pecado pela rapidez. Não que Paolo fosse cilindrado por Nannini, considerado como um dos maiores talentos italianos do início da época de 80 e já piloto da Lancia no seu programa de Endurance, mas a verdade é que a falta de conhecimento das pistas, aliado a um carro claramente pouco competitivo, fez com que Barilla terminasse a época a zero, enquanto Nannini garantia oito pontos, muito graças a um pódio fabuloso obtido em Misano.
Glória na Endurance
No final de 1982, seria de esperar que Barilla usasse os seus contactos e a carteira bem recheada para tentar um lugar numa equipa de F2 bem mais competitiva. No entanto, a figura deste piloto italiano adequa-se muito mais à dos “gentlemen drivers” que tanto fizeram parte do Grande Circo até ao início da década de 70 do que do típico piloto pagante que surge maioritariamente nos anos 80. Barilla queria correr, não sonhava propriamente com o fim último de chegar à Fórmula 1, e tendo a oportunidade de progredir, optou por uma mudança para os Sport-Protótipos em 1983, assinando com a pequena ScuderiaMirabella para correr ao volante dos Lancia LC2 no Campeonato Europeu de Endurance – foi a única edição deste campeonato, que juntava as rondas europeias do WSC/WEC a algumas exclusivamente criadas para este efeito – partilhando o carro maioritariamente com Giorgio Francia. Infelizmente, o novo Lancia era muito rápido em qualificação, mas também bastante pouco fiável em corrida, pelo que o melhor que Barilla conseguiu foi um sexto lugar nos 1000Km de Spa. No entanto, as boas indicações levaram a Lancia a convidar Paolo para correr LeMans com a equipa oficial, juntamente com Nannini e a estrela da Lancia no WRC Jean-Claude Andruet, mas a equipa desistiu a meio da prova com problemas no turbo.Barilla regressou ainda à F2, para mais uma participação ocasional com a Minardi, sem sucesso.
Porém, a rapidez evidenciada na Endurance levou CesareFiorio a contratar Barilla para a equipa oficial da Lancia no WSC. Ao volante do novo LC2-84, notou-se uma ligeira melhoria na fiabilidade dos Lancia, mas não eram capazes de acompanhar em corrida o ritmo dos Porsche 956. Ainda assim, a época começou bem, com um terceiro lugar em Monza e um quarto em Silverstone, antes de Barilla/Baldi/Heyer se retirarem em LeMans. A segunda metade da época não foi tão bem-sucedida, com muitas quebras mecânicas à mistura, salvando-se apenas um segundo lugar em Kyalami, depois de partir da pole-position juntamente com Bob Wollek. Entusiasmado pelo sucesso, Barilla decidiu mudar-se para a Porsche, conseguindo lugar na equipa JoestRacing, cujo manager à data era… Domingos Piedade. Ao lado de uma gama variada de pilotos, o italiano não deixou a equipa ficar mal e esteve sempre entre os melhores, mesmo se a Joest não conseguia acompanhar o ritmo dos Porsche oficiais na maior parte das provas. No entanto, nas 24h de LeMans, problemas mecânicos dos carros de fábrica abriram espaço às numerosas equipas privadas equipadas com os Porsche 956B e 962C (como a Kremer) para entrarem na luta pela vitória, e a tripla Klaus Ludwig/Paolo Barilla/”JohnWinter” conseguiu uma espetacular vitória na clássica francesa, batendo o recorde de distância então estabelecido! Decerto, esta prova foi a coroa de glória da carreira de Barilla no automobilismo, e provou definitivamente que se tratava de um piloto consistente e capaz. Mesmo se o restante campeonato não trouxe grandes alegrias à Joest, Paolo correu ainda em duas provas do campeonato Interserie – em Most e Nürburgring – vencendo ambas. E ainda teve tempo de participar em ondas ocasionais do Troféu Renault Alpine V6!
1986 seria o ano mais atarefado para o ainda jovem piloto italiano. Renovando com a Joest, Barilla conseguiu uma época bem-sucedida no WSC, principalmente na sua segunda metade. LeMans foi o ponto de viragem, mas desta vez “John Winter”/Ludwig/Barilla viram-se obrigados a abandonar com problemas de motor. Mas, em seguida, um quinto lugar em BrandsHach, um quarto lugar em Spa, e uma vitória em Fuji, juntamente com PiercarloGhinzani, coroaram uma época muito competitiva na Europa. Por sua vez, depois de se estrear no campeonato IMSA nas 24h de Daytona, Barilla arranjou lugar na BaysideRacing, de Bruce Leven, para competir naquele campeonato norte-americano, correndo maioritariamente com a estrela francesa Bob Wollek. Barilla não o deixou ficar mal e, mesmo desconhecendo todas as pistas, conseguiu vencer as 3h de Miami, e pódios em Riverside e Lime Rock, entre outros resultados de destaque. Contudo, quando tudo indicava que Paolo tinha encontrado o seu nicho na Endurance, a vontade de chegar á F1 falou, finalmente, mais alto.
Até à Fórmula 1
Barilla tinha sido convidado a testar para a Benetton em 1986, e começou a pensar gradualmente na hipótese de, um dia, se juntar ao pelotão da categoria rainha. Para tal, no final da época, conseguiu um lugar na SanremoRacing para experimentar um F3000, mas sem sucesso, já que não se qualificou. Ainda assim, em 1987 o piloto investiu forte numa viragem para os monolugares, assinando pela PavesiRacing para pilotar um Ralt RT21-Cosworth. Para alguém que já havia demonstrado tanta capacidade na endurance e até nos primeiros anos nos monolugares, Paolo mostrou uma evidente falta de capacidade de adaptação e nunca conseguiu andar sequer no meio do pelotão com regularidade, salvando-se apenas um sétimo lugar em Enna-Pergusa, batido claramente pelo seu colega de equipa, Pierluigi Martini. Nesse ano, para fazer o gosto às provas de longa distância, Barilla dedicou-se ao WTCC, correndo ao volante de um Alfa Romeo 75 oficial ao lado do antigo piloto de F1 Jacques Laffite. Ainda a recuperar do pavoroso acidente de BrandsHatch do ano anterior, o francês não era ainda o mais rápido do pelotão, mas o carro estava longe de ajudar, e a marca de Arese nunca conseguiu lutar de igual para igual com a Ford e a BMW, deixando o campeonato antes do seu final.
Barilla voltou a ter um ano bastante agitado em 1988, quando decidiu conjugar um segundo ano na F3000 com uma carreira na Endurance, quando foi convidado para competir no Campeonato Japonês de Sport-Protótipos com a Toyota Team TOM’s. Começando pelos monolugares, foi uma época novamente abaixo das expectativas. Barilla assinou pela Cobra Motorsports, mas só correu na ronda inaugural do campeonato, mudando-se “de armas e bagagens” para a SpiritTOM’sRacing. Conjugando assim ambos os campeonatos (e muitas milhas aéreas), Barilla esperava conseguir progredir nos monolugares, mas não conseguiu resultados de relevo, falhando a qualificação por duas vezes e desistindo devido a acidentes, como se estivesse a forçar a máquina além dos limites, ou mesmo dos seus limites de piloto. Mesmo assim, conseguiu um excelente quarto lugar em BrandsHatch, após recuperar do fundo da grelha. No final da época, conseguiu mesmo um lugar na JordanRacing, mas não obteve melhores resultados. No Japão, o Toyota 88C estava longe de ser competitivo e o máximo que o italiano conseguiu foram dois quintos lugares. A equipa veio a LeMans, mas terminou muito longe da frente e, no final da época, Barilla deu ainda uma “perninha” à Joest no WSC, conseguindo um pódio no Nürburgring.
Claro está que a cotação de Paolo Barilla na F3000 estava pelas “ruas da amargura”, por isso o italiano resolveu partir para o Japão, assinando novamente com a Toyota, e alinhando na F3000 local ao volante de um Lola T89/50-Mugen. Neste campeonato ultracompetitivo, Barilla voltou a demonstrar alguma falta de adaptação aos monolugares, conseguindo apenas um segundo lugar como classificação de destaque. Já nos Protótipos, o novo Toyota 89C-V era bem mais competitivo e a dupla Barilla/Ogawa conseguiu andar regularmente nos lugares da frente e até vencer os 1000Km de Fuji, mesmo se LeMans se saldou por novo abandono. No entanto, foi graças ao conhecimento das pistas japonesas que Barilla conseguiu, finalmente, chegar à F1…
Pierluigi Martini tinha conseguido extrair tudo o que podia e não podia do Minardi M189-Cosworth ao longo da temporada de 1989, batendo regularmente o seu colega de equipa, o espanhol Luis Pérez-Sala. No entanto, uma lesão no G.P. de Portugal, que se agravou em Espanha, obrigou o homem da Minardi a ausentar-se do G.P. do Japão. E quem estava no País do Sol Nascente? Barilla… que até conhecia bem GiancarloMinardi. Sabendo do seu conhecimento profundo do circuito de Suzuka, a Minardi contratou-o para aquele G.P. e Barilla conseguiu um surpreendente 19º lugar, deixando no ar a promessa de uma boa performance, que se esfumou com uma embraiagem quebrada ainda na primeira volta.
No entanto, a equipa tinha ficado satisfeita – e o valor dos patrocínios vinha mesmo a calhar – tendo trocado Pérez Sala por Barilla ao lado de Martini em 1990. O italiano tinha finalmente conseguido cumprir um sonho, e a Minardi esperava ter um carro pelo menos tão bom quanto o de 1989, apoiados pelos espetaculares pneus Pirelli, que permitiam à equipa brilhar nas qualificações e “sacar” resultados surpreendentes. Contudo, desde os primeiros testes se percebeu que, embora longe de envergonhar a formação, Barilla estava longe do ritmo de Pierluigi Martini, o que até não seria de esperar, já que o homem de Lugo diRomagna era um dos melhores talentos italianos da sua época, embora nunca tivesse um carro competitivo em mãos. Nas duas primeiras rondas, com o carro do ano anterior, os Minardi nem se portaram mal, mas a partir da introdução do M190, as performances dos dois pilotos começaram a piorar, e Barilla saiu-se nitidamente pior. Com um chassis menos conseguido e os novos pneus Pirelli menos eficazes, tanto em qualificação como em corrida, não era de esperar outra coisa que não uma longa luta para conseguir algum resultado. Foi um ano muito negativo para a equipa, que nunca conseguiu aproximar-se dos pontos, e Barilla teve várias dificuldades em qualificar-se para as provas, só em raros momentos colocando o Minardi na grelha num lugar competitivo. Com seis não-qualificações em catorze provas, e sem performances evidentes em corrida, a Minardi dispensou Barilla a duas provas do fim, substituindo-o pelo promissor GianniMorbidelli.
E depois da F1?
Tendo chegado ao topo da carreira, e como gentleman-driver que sempre fora, Barilla não pensou propriamente em continuar a competir ao mais alto nível. Tinha vencido LeMans e corrido na Fórmula 1, estava com 30 anos de idade e, enquanto ele se divertia na competição, o seu pai havia comprado de novo o BarillaGroup em 1979, tornando a empresa ainda mais forte, chegando mesmo a cobrir um terço do mercado mesmo durante os anos de recessão no início da década de 90. Por isso foi um homem com dever cumprido que se preparou para abandonar as competições. Ainda assim, em 1991, Barilla pensou em regressar ao WSC, com a CourageCompetition, mas só fez uma prova e já não foi a LeMans. Pelo meio, disputou ainda quatro provas no Campeonato Italiano de Turismos com um BMW M3, conseguindo dois pódios, mas no final de 1991 optou mesmo pelo adeus. Nos anos subsequentes, apareceria ocasionalmente em troféus monomarca locais, e em 2002, 2004 e 2006 competiu nos camiões no Dakar, com um oitavo lugar no ano de estreia como melhor resultado, aparecendo com alguma regularidade em eventos históricos nas últimas décadas.
Barilla dedicou-se inteiramente ao negócio da família, juntamente com os seus dois irmãos, que detêm de momento 51% do grupo. Entre 1999 e 2000 Paolo foi CEO da empresa, tornando-se vice-presidente a partir daí, posição que ainda mantém, sendo também detentor de uma fortuna muito considerável, que passa dos biliões de euros. Embora se dedicasse de corpo e alma à companhia, que cresceu em vários sentidos desde a reforma do seu pai, Barilla nunca esqueceu o desporto motorizado e criou a Barilla Sports School, que promove o desporto entre os jovens italianos. E patrocinou diversos desportistas em diferentes modalidades, destacando-se o apoio prestado a um certo Alessandro Zanardi, quando este se mudou para os EUA em 1996.