Opinião: O absurdo de um calendário de 24 corridas na F1
A FIA e a F1 apresentaram o calendário para 2023, com um número recorde de provas. São 24 fins de semana agendados, com arranque a 5 de Março e final em 26 de novembro. 24 provas condensadas em pouco mais de oito meses. Um absurdo.
Ninguém mais do que os fãs e os media que acompanham a F1 têm a lucrar com mais corridas. Afinal, mais corridas significam mais motivos de interesse, mais temas de conversa, mais emoção. Mas neste negócio do desporto motorizado não poucas vezes chegamos à conclusão que quantidade não é qualidade. São vários os exemplos, mas um tema recorrente é o das ultrapassagens. Será que mais ultrapassagens garantem melhores corridas? Normalmente não. Será que carros mais rápidos melhoraram o espetáculo? Não. Será que mais corridas irão proporcionar uma época melhor? Duvido.
Não há grandes dúvidas do que temos aqui é uma tentativa de fazer mais dinheiro por parte da F1. Nada contra, afinal trata-se de um negócio e quanto mais saudável for o negócio, melhor tende a ser o espetáculo, mas havia forma de ter melhor, sem recorrer a este exagero de calendário.
Primeiro, o número de provas começa a roçar o ridículo. Para o próximo ano temos 2 jornadas triplas e seis jornadas duplas. Para quem tem família, este tipo de calendário é um atentado, com pessoas a ficarem muitos dias fora de casa. E por muito que digam que trabalhar na F1 é um privilégio, não há privilégio maior do que chegar a casa e ter uma família à espera e o fator humano foi novamente esquecido. Com este calendário, o staff, que já é obrigado a um ritmo alucinante, vai ter de enfrentar jornadas infernais, com muito tempo longe de casa. Não admira que muitas pessoas que trabalham na F1 abandonem o sonho algum tempo depois.
Depois há o desafio logístico. Com tantas provas juntas, se um elo desta cadeia se quebra, há equipas que podem ser afetadas (já vimos vários exemplos recentemente). Com a instabilidade que o mundo vive, torna-se perigoso pensar que as regras do jogo serão sempre as mesmas e que o sistema de transporte irá funcionar sempre sem problemas.
Há também a falácia da pegada de carbono. Um desporto que pretende chegar à neutralidade de carbono, continua a ter no calendário combinações de datas que implicam ir do Azerbaijão para Miami, para depois regressar a Itália, ou ter o GP do Canadá entre duas corridas da chamada “ronda europeia” (um clássico). Podemos também apontar as últimas duas jornadas, em que as equipas vão de Las Vegas para correr em Abu Dhabi na semana seguinte. Se o candidato ao título tem um acidente grave e o monolugar não é reparado a tempo para a última corrida, será este o final de época que queremos? Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão que há km percorridos que poderiam ser poupados.
Há também a questão do interesse. Por muito que digamos o oposto, somos sempre atraídos por coisas que são escassas. E ter um calendário de F1 com 24 corridas e com provas de forma sucessiva, vai acabar por vulgarizar a F1. Antes, ver uma corrida de F1 era um evento, se aumentarmos o número de corridas é apenas mais uma escolha possível de entretenimento ao fim de semana, como tantas outras. Aumentar o número de provas é roubar alguma da aura exclusiva da F1 que, por muito que não agrade a alguns, é o que torna este desporto especial. E se olharmos para os últimos campeonatos, a questão do título fica resolvida logo no começo do terceiro terço do ano, pelo que as últimas corridas poderão ter pouco de interessante. Ver uma corrida de F1 será sempre estimulante para quem gosta, mas para a maioria, se a questão do título estiver resolvida, o interesse desvanece. Vejamos o exemplo deste ano. Se Max Verstappen for campeão em Singapura, teremos cinco corridas em que a questão do título perde interesse. Será que as pessoas vão ver com tanto ânimo a luta pelo segundo lugar ou pelo “melhor do segundo pelotão”? Não me parece. Isso desvaloriza o espetáculo e a competição. Épocas como a de 2021, a terminar nos últimos metros da última corrida não são frequentes.
Continuo a achar que 20 corridas por ano era mais que suficiente. Havendo mais circuitos interessados, criava-se um calendário com eventos que constituem a espinha dorsal da época e que estaríam sempre assegurados (até lhe podiam chamar de troféu das pistas clássicas, para garantir a presença das grandes pistas), para complementar com pistas que recebiam a F1 a cada dois anos. Assim tínhamos variedade, novidade, a F1 chegava a novos fãs, mantinham-se as pistas clássicas e não havia necessidade de tentar enfiar todas as corridas num ano. Claro que cada um terá a sua opinião sobre o tema, mas o AutoSport já fez uma sondagem onde a maioria (47.7%) votou na opção 18 a 20 corridas como a melhor para uma época de F1. O Grande Circo atravessa um momento positivo que não pode ser desperdiçado, mas o exagero de corridas ao longo da época é complicar o que não precisa de o ser.
Totalmente de acordo.