Mercedes: Fechar um ciclo em grande na Fórmula 1

Por a 8 Março 2021 07:41

A Mercedes mostrou a sua nova máquina para 2021, o W12, e os objetivos são simples… continuar a bater recordes e conquistar um inédito oitavo título consecutivo.

O que a Mercedes pretende este ano é “apenas” continuar o sucesso que tem conseguido desde 2014, ano do começo da era híbrida que pode ser também denominada como “era Mercedes”. O estupendo trabalho das estruturas de Brackley (chassis) e Brixworth (motor) não tem sido igualado por ninguém na F1 mas ainda assim, a equipa não relaxa com os triunfos conquistados e mostra uma sede infinita de vitórias e sucesso,

A Mercedes conta com 115 vitórias, sendo 102 foram conquistadas na era híbrida, a que junta 126 poles (109 na era híbrida) e 236 pódios (223 na era híbrida). Os sete títulos consecutivos são um atestado ao brilhantismo desta estrutura que redefiniu o conceito de equipa bem sucedida da F1. Dizer que são a melhor equipa do mundo do automobilismo não parece ser exagero por tudo que têm conquistado e pela forma como o têm feito.

Preto continua a ser a cor dominante

O W12 é assim a “estrela principal” deste novo capítulo. Apesar das regras dizerem que muito dos chassis de 2020 tem de ser aproveitado em 2021, muito pode também ser alterado ao nível da aerodinâmica, além das famosas fichas que permitem mudanças estruturais mais profundas. O W11 já era uma máquina fantástica e sendo certo que não existem máquinas perfeitas, foi provavelmente uma das melhores criações da equipa. Mas não foi por isso que os engenheiros abrandaram o ritmo de evolução e trabalho, reformulando a aerodinâmica do carro e adicionando melhorias que podem fazer do W12 uma máquina ainda mais espantosa.

A decoração para este ano manteve a cor preta, que além de manter o compromisso da equipa na luta contra as desigualdades, mantém também o ar mais “dramático” do carro, que agradou sobremaneira aos fãs e que a equipa certamente quis aproveitar. A INEOS, que agora detém um terço da equipa, aparece um mais destaque na decoração, que perdeu as estrelas na cobertura do motor, mas ganhou a inscrição AMG, com o cinza a reaparecer.

W12 com muitas mudanças

Quanto às mudanças, a Mercedes mostrou pouco, preferindo esconder o jogo. Há certamente mudanças ao nível da aerodinâmica com uma asa dianteira redesenhada, assim como as derivas em frente às entradas de ar. Os flancos continuam reduzidos mas a cobertura do motor ganhou uma protuberância para alocar as novidades que surgiram da parte da unidade motriz. Os regulamentos para 2021 ditaram uma redução do fundo plano do carro e a eliminação de cortes e derivas nessa zona, a fim de permitir uma redução de 10% do apoio aerodinâmico. As equipas procuram todas recuperar essa perda, mas a Mercedes mostrou apenas um fundo espartano sem qualquer pormenor digno de destaque. O foco da equipa passou por criar peças mais resistentes para ajudar a equipa a respeitar o limite orçamental que foi implementado este ano.

O motor terá sido aquele que mais evoluções sofreu, com a equipa em Brixworth a rever por completo a unidade motriz que foi introduzida em 2020. A eficiência térmica foi melhorada, assim como os componentes eletrónicos mas a grandes novidades são a implementação de um bloco feito de uma liga metálica que não foi revelada (ao contrário do bloco de alumínio de 2020) e uma unidade de recuperação de energia cinética completamente revista, depois de alguns problemas no ano passado.

A última dança da dupla Mercedes?

Do lado dos pilotos não há novidades e a Mercedes é uma das três equipas que manteve o alinhamento para este ano. Lewis Hamilton é o campeão e pretende chegar aos oito títulos, um feito que seria inédito na F1. Desde 2017 que Hamilton tem vindo a evoluir a cada época, melhorando e tendo sempre resposta para os desafios da concorrência. Está no topo da sua forma, aliando maturidade, inteligência e talento a uma vontade de vencer e resiliência a toda a prova que o tem colocado no topo do mundo. É a estrela da F1 e o favorito à vitória final. Do outro lado tem Valtteri Bottas com a difícil missão de bater o pé a um dos melhores de sempre. Bottas tem mostrado evolução e tem trazido novas armas a cada época, mas o arsenal que traz para a pista não tem a mesma valia que o de Hamilton e fica sempre a sensação que o finlandês está um passo atrás.

Este pode ser o último ano desta dupla na Mercedes. Bottas e Hamilton têm contrato apenas até ao final da época e fica no ar a sensação de que há vontade da Mercedes mudar as coisas e preparar o futuro. Hamilton (36 anos) e Bottas (31 anos) pertencem já ao lote de pilotos mais velhos do grid e com a chegada de uma nova era em 2022 poderá haver vontade também de apostar em jovens talentos que estão a bater à porta. Se Hamilton tem muitos trunfos na manga para “defender a sua posição”, se quiser ficar na F1, já Bottas tem aqui (novamente) um ano de tudo ou nada.

Estabilidade é o segredo do sucesso

A Mercedes tem apostado na estabilidade e é uma das equipas mais sólidas da grelha. Já várias figuras de proa da equipa saíram, com a performance da equipa a não ser afetada e Andy Cowell é o mais recente exemplo disso. O grande responsável pela unidade motriz Mercedes, que tem sido o trunfo da equipa nestes anos, saiu mas a transição foi pacífica e a Mercedes não dá mostras de ter ficado a perder. Esta estabilidade tem permitido o sucesso nesta era híbrida que em 2022 inicia um novo capítulo. A entrada em cena dos novos regulamentos será uma espécie de reset e não é garantido que quem teve sucesso até agora, volte a ter da próxima época em diante. Assim esta época é uma espécie de fim de ciclo, onde a equipa foi indubitavelmente a melhor, antes de um novo ciclo onde todos começam do zero. É assim lógico pensar que a Mercedes quer aproveitar a vantagem que tem e “limpar” tudo de novo, encerrando em grande um ciclo que ficará para a história, antes do começo de uma nova aventura onde a Mercedes terá de mostrar novamente porque é a melhor.

Toto Wolff: “Cada época apresenta um novo desafio”

Depois de uma curta pausa no inverno para o chefe da equipa, Wolff está focado em voltar a ter sucesso. O discurso foi semelhante ao que já ouvimos da Mercedes… esquecer o passado, as vitórias e os sucessos conquistados e olhar no que há para conquistar. Wolff referiu que a expectativa nunca é alta pois a equipa duvida sempre do que fez no inverno e do que os outros podem trazer pelo que nunca ninguém baixa a guarda: “Todos os anos redefinimos o nosso foco e definimos os objetivos certos”, disse Toto Wolff. “Isso pode parecer simples, mas é muito difícil e é provavelmente por isso que não há por aí muitas equipas com sete títulos consecutivos. Tantas coisas podem acontecer e é muito natural habituarmo-nos ao sucesso, e por isso não lutar tanto por ele. Mas esta equipa não mostrou nada disso. Vejo agora o mesmo fogo, fome e paixão que vi da primeira vez que entrei em 2013. Cada época apresenta um novo desafio e, portanto, um novo objetivo a alcançar. 2021 traz alterações aos regulamentos, que podem ter impacto na nossa competitividade, mais o limite de custos e o trabalho nas grandes mudanças de regras de 2022. Estes desafios entusiasmam-nos”.

James Allison:” Há muito trabalho feito que estamos deliberadamente a esconder”

James Allison explicou um pouco do trabalho feito no chassis deste ano. O diretor técnico da Mercedes apontou as áreas de desenvolvimento mais trabalhadas pela equipa e disse abertamente o que está a ser escondido: “Este parece um velho conhecido, pois muitos elementos vieram do ano passado. Temos a mesma monocoque do ano passado, mesma caixa de velocidade, a estrutura é semelhante à do ano passado. Mas se virmos de perto poderemos observar diferenças significativas. Se virmos o trabalho feito nos flancos e na cobertura do motor, poderemos ver uma protuberância que esconde o trabalho feito no lado da unidade motriz para termos mais potência este ano. O que não mostramos é o trabalho feito no fundo do carro, a área que foi mais afetada pelas mudanças de regulamentações. Há muito trabalho feito que estamos deliberadamente a esconder porque não queremos que as outras equipas testem estas soluções nos túneis de vento e ganhamos assim algumas semanas. Sabemos o que os nossos adversários fazem e para onde poderão olhar e não queremos que eles vejam já o nosso trabalho. “

Quanto às expectativas… o discurso repete-se. Entusiasmados mas cautelosos: “Estamos entusiasmados mas ansiosos porque tanto mudou nas regulamentações ao nível de pormenores que retiraram tanto que temos sempre dúvidas se fizemos o suficiente para recuperar o que foi retirado e ninguém sabe.”

Mercedes explica Unidade Motriz revista para 2021

A Mercedes tenta sempre atingir a perfeição e isso implica por vezes mudar o que tem sido feito e tentar novas soluções. A unidade motriz Mercedes foi completamente revista e Hywel Thomas, diretor técnico para a Unidade Motriz, explicou as mudanças: “Concluímos alguns trabalhos para melhorar a fiabilidade da Unidade Motriz (UM)”, disse ele. “Em 2020, utilizamos uma estrutura de alumínio que não era tão fiável como pretendíamos, pelo que introduzimos uma nova liga para o bloco do motor. Também fizemos alguns ajustes no Sistema de Recuperação de Energia, para o tornar mais resiliente. Temos um grande desafio em 2021, com 23 corridas no calendário, teremos de assegurar a fiabilidade da UM”.

Uma das maiores mudanças que a Mercedes fez foi na renovação do design do seu MGU-K, depois de sentir que o conceito que utilizou no ano passado não era o ideal. “Introduzimos um novo desenho em 2020, um MGU-K muito diferente do que tínhamos feito anteriormente”, acrescentou Thomas. “Ajudou-nos a dar um sólido passo em frente no desempenho, mas foi um desenho que se revelou difícil de fabricar e montar de forma consistente, com uma fiabilidade abaixo do que queríamos. Mudámo-lo, para permitir uma via de fabrico mais consistente, que deverá ajudar a melhorar a fiabilidade do MGU-K”.

Thomas diz também que a UM renovada para 2021 apresenta uma série de novas ideias que ele espera que dêem um passo em frente no desempenho.

“Temos algumas inovações completamente novas que estarão na unidade pela primeira vez”, disse ele. “Isto foi particularmente desafiante porque a última época terminou tarde, pelo que o período de Inverno foi mais curto do que o normal e deu-nos menos tempo para nos prepararmos, o que colocou uma pressão extra. Continuamos a nossa busca por uma melhor eficiência térmica no motor de combustão interna. A maioria dos desenvolvimentos pode ser encontrada no núcleo da UM, com o desejo de um rendimento máximo do processo de combustão. De mãos dadas com isso, introduzimos alterações no turbo para minimizar o impacto sobre a rejeição de calor.”.

Lewis Hamilton: “Já conquistei a maioria das coisas que queria”

Lewis Hamilton está a preparar-se para mais uma época em que pretende inscrever o seu nome no livro dos recordes. Mas o foco para este ano é um pouco diferente. Na apresentação do novo W12, Hamilton mostrou o entusiasmo típico do começo da época, não esquecendo a caminhada que o trouxe até este momento, em que é sete vezes campeão do mundo: “Estou feliz por estar de volta à fábrica e estou pronto para começar. Parece sempre uma pausa muito grande apesar de serem cada vez mais curtas, mas estou entusiasmado por ver as pessoas na fábrica e ansioso por pilotar o carro. Tenho sorte por ter tido as oportunidades que tive. O meu pai e a minha família trabalharam tanto para me darem esta oportunidade. Já é a minha 15ª época na F1 e o tempo passou depressa, mas tive experiências fantásticas, muitos relacionamentos, tanta coisa que aprendi, que tento juntar tudo e colocar isso em prática no ano que temos pela frente. Sinto-me muito orgulhoso por estar a fazer a nona época com a Mercedes que me tem apoiado desde que tenho 13 anos. Estou muito orgulhoso do que conquistei com a Mercedes e ao mesmo tempo muito grato por terem acreditado sempre em mim ao longo deste tempo. “

Quanto ao tema da renovação do contrato, depois de Toto Wolff ter explicado que as conversações foram adiadas por ter sido infetado com a COVID 19, e que por isso não houve tempo para pensar num contrato com mais tempo, Hamilton referiu que ele quis um contrato de apenas um ano afirmando que já conquistou a maioria das coisas que queria: “Estou numa posição privilegiada porque já conquistei a maioria das coisas que queria, por isso não há necessidade de planear pensado muito à frente no futuro, Vivemos tempos particulares e apenas queria um ano de contrato e depois podemos falar se queremos mais.“

Apesar do campeonato ser o objetivo principal, Hamilton vai reforçar a sua ação pela luta contra o racismo, pretendendo estar mais atento sobre esse tema:

“Antes pensava apenas em conquistar o campeonato, mas agora quero ver mais ação do lado da inclusão e da diversidade. Quero fazer com que haja mais atitudes e menos conversas. Esse é o centro da minha atenção este ano, mas claro que estamos aqui para vencer e quer trazer as vitórias para todos os que têm trabalhado tanto para termos sucesso.”

Valtteri Bottas: “Estou preparado para defender o meu lugar”

Valtteri Bottas entra na sua quinta época com a Mercedes, novamente com o fim do contrato a surgir no final da época. Bottas tem como missão novamente convencer a equipa e mostrar que pode lutar pelo título, algo que não tem sido capaz de fazer até agora. Bottas está entusiasmado com esta nova época, onde espera aplicar as lições que aprendeu no ano passado: “Estou bem, saudável, consegui ter um programa sólido de treino e tenho estado a trabalhar em mim para estar ao melhor nível este ano. Há muitas lições que trago de 2020. Muitas coisas que aprendi sobre mim e há sempre a oportunidade de ser um melhor piloto se conseguirmos integrar essas lições. Creio que o mais importante que aprendi foi ser honesto comigo mesmo, para conseguir ver os detalhes de como posso ser melhor. O objetivo é chegar ao fim do ano, olhar para trás e pensar que fiz tudo o que poderia ter feito. Esta é a minha quinta época na equipa, a juntar a muitas mais na F1 e estou preparado para defender o meu lugar, focado nos meus objetivos e nos objetivos da equipa.”

Quanto à parceria com Lewis Hamilton, Bottas foi honesto quanto ao que sente: “Ser colega do Lewis é desafiante, mas ao mesmo tempo motivador. Somos colegas de equipa e trabalhamos com o mesmo objetivo mas quando colocamos o capacete queremos ser o melhor. Odiamos perder, gostamos de ganhar e quando estamos no carro queremos bater toda a gente incluindo o colega de equipa. Mas olhando para o que o Lewis tem conquistado, tornou-se na melhor referência que podia ter e isso motiva-me. O meu foco está em mim em como posso melhorar, mas é claramente uma motivação extra. Tem sido bom trabalhar com o Lewis e em conjunto temos levado a equipa para a frente, que é necessário para continuarmos a ganhar títulos.“

Nyck de Vries será piloto de reserva da Mercedes

Nyck de Vries foi nomeado piloto de teste e reserva da Mercedes para 2021. O piloto holandês de 26 anos corre atualmente para a Mercedes na Fórmula E, ao lado de Stoffel Vandoorne.

Num comunicado de imprensa, a Mercedes declarou que tinha “um forte alinhamento de pilotos reserva para a temporada 2021, com Stoffel Vandoorne a continuar no papel ao lado do seu colega de equipa Mercedes na Fórmula E, Nyck de Vries”.

Assim, a dupla que compete no campeonato 100% elétrico poderá ter uma oportunidade de ser chamada se alguns dos pilotos testar positivo. No ano passado essa situação já aconteceu, mas o escolhido foi George Russell, piloto da Williams.

Os novos desafios para a equipa

A Mercedes tornou-se na melhor equipa da F1, mas isso implicou um investimento tremendo e um orçamento anual gigante. Com a entrada do limite orçamental a equipa tem de repensar a forma como trabalha e isso será fundamental para o sucesso no futuro. A equipa terá de trabalhar de forma muito mais eficiente e o resultado do seu trabalho terá também de ter uma duração muito superior. Além disso, há agora a limitação no número de horas no túnel de vento de peças testadas em CFD. Para este ano a equipa terá apenas 90% do que é permitido testar (40 sessões no túnel de vento por semana e 2000 itens de CFD a cada oito semanas) resultando em apenas 36 sessões no túnel de vento por semana e 1800 itens desenvolvidos em CFD a cada oito semanas. Esses valores vão diminuir em 2022 e o primeiro classificado poderá apenas ter 70% de testes aerodinâmicos permitidos, o que implica que se a Mercedes vencer este ano terá menos tempo para desenvolver partes no começo da próxima era. Será preciso repensar toda a forma de trabalhar da equipa, um desafio a que se junta a criação do novo monolugar para 2022, fundamental para que a Mercedes se mantenha no topo. A tarefa dos Flechas de Prata não é fácil.

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