Jos Verstappen: Pai Promessa, Filho Prodígio
Aproveitando o facto da F1 estar na Holanda…do Norte, uma das 12 províncias dos Países Baixos, vamos falar de Verstappen. Jos Verstappen…
Hoje em dia não há quem não conheça o seu filho, Max Verstappen. É cada vez mais o maior talento da sua geração, e provavelmente vai acrescentar títulos de F1 aos três que já tem e com isso, cada vez mais juntar-se aos míticos pilotos da modalidade onde já tem guardado para si um lugar muito importante, tendo em conta o que já fez na F1. É verdade que o jovem piloto neerlandês conquistou em oito anos uma legião de fãs, mas também uma boa dose de detratores…
Em 1994, há 30 anos, apareceu um certo Jos Verstappen, considerado por muitos como uma das maiores promessas daquela época… Não era. A promessa veio depois…
Por isso, vamos lembrar a carreira do pais de Max Verstappen, o melhor piloto neerlandês de sempre que, se preparar para rechear bem melhor o seu já magnífico palmarés.
Jos Verstappen nasceu a 4 de março de 1972 em Montfort, uma pequena localidade holandesa na fronteira com a Alemanha, seriamente devastada pela II Guerra Mundial.
Desde cedo apaixonado pelos desportos motorizados, o jovem Jos foi, tal como o seu filho, muito precoce no karting, começando com 8 anos, e não tardou a participar nos campeonatos nacionais, vencendo o título júnior em 1984. Seguiu-se novo título nacional em 1986, dois títulos europeus em 1989 e o título belga de 1991, numa carreira pontuada por uma rapidíssima progressão e muitas vitórias. Deste modo, no final de 1991 o pai de Jos, Frans Verstappen, arranjou-lhe um teste com um velho Formula Ford no circuito de Zandvoort, e o adolescente não se fez rogado, pulverizando sistematicamente os tempos da pista! Quando os cronometristas perceberam que não era engano do equipamento, mas sim as proezas do jovem piloto, não demoraram a chamar a atenção do antigo piloto de F1 Huub Rotherngatter (então dedicado à procura de jovens talentos e agente de alguns pilotos) e, após mais um teste, desta vez com um Fórmula Opel e, à chuva, mais uma vez todos ficaram boquiabertos com a rapidez de Jos.
Deste modo, em 1992, Verstappen assinou pela conceituada equipa Van Amersfoort, apoiado pela Marlboro e com Rothengatter como manager, para competir no campeonato de Formula Opel do Benelux, que venceu com enorme facilidade! A rapidez demonstrada levou a equipa a inscrevê-lo em algumas rondas do campeonato europeu de Formula Opel na segunda metade da época e Jos não se fez rogado, vencendo 2 provas e contribuindo para a vitória da Holanda na Taça das Nações. Com 20 anos e apenas uma época nos monolugares, era a justo título considerado como um dos futuros campeões de F1, e pretendido por quase todas as grandes equipas de F3, assinando pela prestigiada WTS Racing para pilotar no Campeonato Alemão de F3. Apesar de algumas arestas por polir, nomeadamente a agressividade em pista (onde é que já ouvimos isto…), Verstappen era rápido e dava sinais de se adaptar muito facilmente aos diferentes carros e condições em que pilotava, e depois de um começo atribulado, iniciou uma série de vitórias (8 em 20 provas), que lhe deu o título por larga margem, na frente dos pilotos oficiais da VW, Max Angelelli e Sascha Maassen. Verstappen foi também terceiro no G.P. do Mónaco de F3, e venceu após um domínio absoluto o Marlboro Masters de Zandvoort, as duas principais provas europeias que reuniam concorrentes de diferentes campeonatos. Perante tal talento, não é de estranhar que as equipas de F1 pensassem seriamente em dar uma oportunidade ao jovem holandês e, quiçá, um lugar para 1994, “queimando” assim a etapa da F3000.
VIDA NA FÓRMULA 1
O primeiro contacto de Jos Verstappen com um F1 deu-se precisamente no Estoril, ao volante de um Footwork-Mugen Honda, e em pouco tempo fez voltas ao nível do piloto titular Derek Warwick, e que o colocaria no top-10 da grelha do G.P. de Portugal, disputado dias antes! De seguida, testou pela McLaren e, após muita especulação, foi anunciado no início de janeiro como piloto de testes da Benetton, sem dúvida um excelente lugar. Não sei se Flavio Briatore teria intenções de colocar o jovem holandês a rodar em algum campeonato, e se intenções houve, faltou o tempo pois, poucas semanas depois, o segundo piloto da equipa – o finlandês JJ Lehto, fraturou duas vértebras num acidente em testes, promovendo de imediato Jos a piloto titular nas primeiras rondas da época. Considerando que o seu colega de equipa era ‘apenas’ Michael Schumacher, e que o alemão, pese embora só tivesse ainda duas vitórias na F1, já era mais do que conhecido pelo seu talento inato e apontado como o sucessor de Prost como arquirrival de Senna, as exibições de Verstappen nos G.P do Brasil e do Pacífico foram muito boas, e não fossem dois acidentes (um dos quais sem qualquer culpa) o estreante poderia perfeitamente ter pontuado nas duas ocasiões. Porém, antes do G.P. de San Marino, Lehto foi declarado apto e Verstappen regressou à retaguarda.
Todos sabemos o que aconteceu naquele fatídico fim-de-semana, um dos mais negros na história da modalidade. Ironicamente, JJ Lehto foi um dos protagonistas, quando deixou o seu carro ir abaixo na grelha e foi violentamente atingido por Pedro Lamy, tendo os destroços causado ferimentos em alguns espectadores. O resto é mais do que conhecido e, com a morte de Senna e o domínio absoluto de Schumacher nas primeiras rondas do Mundial, tudo levava a crer que a Benetton era o alvo a bater… ou a abater, para ser mais claro. Desde o início da temporada que pendiam rumores que a equipa de Flavio Briatore recorria a ajudas eletrónicas ilegais, engenhosamente camuflados, como o controlo de tração, e algumas atitudes menos limpas da equipa e de Michael Schumacher pouco ou nada ajudaram a limpar a reputação da formação italiana.
Por esta altura, Lehto estava nitidamente longe do ritmo ideal e a direção da equipa considerou que a lesão não estaria devidamente curada, trocando-o definitivamente por Verstappen. No meio de todas as atribulações, o holandês fez algumas excelentes performances, nomeadamente as visitas ao pódio na Hungria e na Bélgica e, se bem que estivesse longe do alemão, tinha ficado claro que o estreante tinha lugar na F1.
Pelo meio, são de recordar os seus habituais arranques-canhão, e o terrível incêndio no reabastecimento no G.P. da Alemanha, que fez temer o pior no traumatizado paddock. No meio de toda a controvérsia, que incluiu a suspensão de Schumacher por duas provas, a Benetton tentava desesperadamente ter um segundo piloto que pudesse contribuir mais para o título de Construtores e decidiu contratar Johnny Herbert para as duas últimas provas da temporada e para 1995…
Talvez aqui fosse a primeira ocasião em que Jos esteve no lugar errado na hora errada.
Naquela época, sem simuladores, não era tão fácil passar de um F3 ou algo similar para um F1, e começar a carreira ao lado de um dos melhores pilotos do momento (e da história, sabemos nos agora) foi um “passo maior que a perna”, que em nada deve ter ajudado a autoestima do holandês. Para 1995 Verstappen foi remetido de novo para a condição de piloto de testes, mas um acordo de partilha de tecnologia entre a Benetton e a pequena Simtek fez com que Jos fosse cedido àquela equipa para ganhar ritmo.
Sem dúvida poderia ter sido a ocasião ideal para brilhar com um carro menos competitivo mas, embora com chassis bem concebidos, a Simtek estava desesperadamente próxima da falência, mas ainda assim Verstappen conseguiu algumas excelentes prestações em qualificação e em corrida (geralmente até a mecânica quebrar), até a equipa falir após o G.P. do Mónaco.
O resto da temporada foi passado a testar pela Benetton e até pela Ligier (na altura parte da equipa francesa pertencia a Briatore), mas no final da época os seus serviços foram sumariamente dispensados.
ALTOS E BAIXOS
Verstappen tinha 23 anos e o passo seguinte tinha que ser bem pensado, sob pena de aniquilar a sua carreira. De início, tudo pareceu correr pelo melhor, já que Jackie Oliver, dono da Footwork/Arrows, bem lembrado do teste no Estoril dois anos antes, contratou o ainda jovem piloto para liderar a equipa em 1996.
O Footwork-Hart não era propriamente carro para andar no meio da tabela, mas as performances no início da época foram animadoras e na terceira ronda, na Argentina, Verstappen colocou o carro nos pontos. Infelizmente, Jos e Walkinshaw cruzaram-se de novo, quando o britânico vendeu o que ainda lhe restava na Ligier para se tornar no acionista maioritário da Arrows, e de imediato começou a fazer planos a longo prazo, o que implicou o fim do investimento no carro de 1996 ainda na primeira metade da época.
Com contrato com a Bridgestone e a Yamaha para 1997, Jos passou mais tempo a testar os novos pneus e muletos do que a desenvolver o carro e, além de a equipa ter mergulhado definitivamente nos últimos lugares, as quebras mecânicas sucederam-se, assim como os erros do piloto que, na tentativa de extrair potencial a todo o custo, se destacou por alguns acidentes.
Ainda assim, algumas exibições ficaram na retina dos restantes patrões e, quando Walkinshaw decidiu contratar Damon Hill e Pedro Paulo Diniz (cujo patrocínio contribuía para pagar o salário do campeão reinante), Verstappen ficou novamente no mercado, e não conseguiu melhor que a Tyrrell para 1997.
A equipa do ‘Tio Ken’ estava completamente subfinanciada e era uma pálida sombra dos seus anos de glória na década de 70, e o motor Ford V8 cliente era provavelmente a última escolha do pelotão, mas com os parcos meios Verstappen e Mika Salo conseguiram algumas performances impressionantes. Lamentavelmente apenas o finlandês conseguiu colher resultados, com os dois pontos graças a uma prova sem qualquer paragem (até hoje, foi a última vez que tal aconteceu) no chuvoso G.P. do Mónaco para terminar em quinto. Durante essa época, Ken Tyrrell vendeu a equipa à British American Tobacco, supostamente para, após um ano de transição em 1998, a formação passar de vez para as mãos dos novos donos.
Salo estava de saída para a Arrows e a Tyrrell já tinha assegurado um contracto com Tora Takagi, por isso Ken Tyrrell insistiu para que o holandês, à data já visto como um piloto razoavelmente experiente e consistente, liderasse a equipa para 1998. Craig Pollock insistiu em ter mais um piloto pagante e centrar-se só em 1999, para desgosto de Tyrrell que abandonou de imediato a equipa que orgulhosamente tinha o seu nome desde 1970.
Quanto a Verstappen, encontrou-se efetivamente no desemprego, já que todos os lugares para 1998 estavam preenchidos.
Ao longo da primeira metade da época circularam vários rumores, sempre que algum piloto estava longe da performance ideal, que Verstappen seria o substituto. Tal veio a confirmar-se quando Jan Magnussen foi dispensado após ano e meio com a Stewart sem obter resultados que justificassem o título de grande promessa com que vinha rotulado das camadas jovens. Infelizmente, com um carro que não era nem rápido nem fiável, Jos pouco ou nada conseguiu fazer para se destacar e Jackie Stewart dispensou-o no final da temporada.
Parecia que Verstappen iria ter que olhar para outras perspetivas de carreira (outro dos seus erros foi, até ao fim, só olhar para a F1), mas optou por juntar-se a Harvey Postlethwaite e ao seu grupo, composto por muitos ex-Tyrrell, que estavam encarregues dos testes oficiais da Honda para a F1. O plano seria testar durante toda a época de 1999 e entrar no campeonato em 2000, e os primeiros testes foram extremamente promissores.
Parecia que finalmente Verstappen tinha encontrado um lugar ao sol, mas tudo acabou num dia de abril em Barcelona, quando Postlethwaite sofreu um ataque cardíaco fulminante que deixou o projeto sem liderança. Além disso, a Honda americana opôs-se ao projeto, e em breve se chegou a acordo para a marca japonesa atuar apenas como fornecedora de motores… à BAR!
Pouco depois, com Damon Hill desmotivado e largamente batido por Frentzen na Jordan, Verstappen ainda foi chamado a testar pela equipa, mas Damon decidiu acabar a temporada e o holandês acabou o ano a zero.
Ironicamente, foi com a Arrows que Verstappen regressou à F1. Longe dos planos iniciais de Walkinshaw, a equipa continuava no fundo da tabela, mas conseguiu em 2000 um chassis bastante equilibrado e o razoável motor Supertec.
O talento de Verstappen não demorou a fazer a equipa imiscuir-se no meio do pelotão sempre que se prestava alguma ocasião e, além dos seus arranques excecionais, Jos também mostrou não ter perdido o seu excelente andamento em condições de pista seca/molhada, que lhe valeram o quinto lugar no Canadá. Melhor ainda foi a prova de Monza onde, escapando à hecatombe causada pelos acidentes nas chicanes, Verstappen terminou em quarto. O holandês renovou pela Arrows em 2001 mas a equipa trocou os motores Supertec pelos Asiatech.
Se bem que os novos propulsores eram mais fiáveis, também eram mais lentos e os Arrows raramente saíram dos últimos lugares da grelha e Verstappen conseguiu apenas um ponto e uma série de corridas anónimas.
VIDA PARA LÁ DA F1
Jos preparava-se para uma terceira época consecutiva na equipa quando foi substituído em cima da hora pelo entretanto desempregado Frentzen. Mais uma vez desempregado, ainda se colocou a hipótese de ser piloto de testes da Sauber, mas o cockpit demasiado exíguo para o físico do holandês não o permitiu, e 2002 foi passado longe das pistas. Porém, em 2003 ainda era um nome a ter em conta, já que foi contratado para liderar a pequena Minardi, algo significativo pois ele nunca foi propriamente um piloto pagante, e a F1 esquece facilmente os ausentes. No entanto, o ano de paragem e um carro que era claramente o menos competitivo do pelotão parece ter afetado Verstappen, que raramente esteve ao nível do seu colega de equipa, o malogrado Justin Wilson. No final do ano o piloto deixou a Minardi e confirmou não sentir motivação para continuar mais um ano na equipa do fundo da tabela.
Após mais de dois anos sem competir, Verstappen envolveu-se na equipa holandesa inscrita no campeonato A1GP de 2005/2006, gerida pelo outro grande nome holandês da F1, Jan Lammers. Após um primeiro ano bastante promissor, que incluiu uma vitória e mostrou que os seus dotes estavam bem presentes no meio de tantos jovens lobos, desentendimentos financeiros com a gestão da equipa levaram à sua saída semanas antes do início da nova época. Após mais um longo hiato, Verstappen decidiu experimentar os Sport-Protótipos, pilotando um Porsche RS Spyder da categoria LMP2 para a equipa holandesa Van Merksteijn Motorsport no campeonato Le Mans Series e nas 24 Horas em 2008. A época saldou-se por um triunfo em todas as frentes, vencendo a categoria em Le Mans e em 4 das 5 provas da LMS, o que lhe deu o título. Talvez por ter finalmente conquistado um grande campeonato, ou porque a gestão da carreira do seu filho Max lhe implicava cada vez mais tempo, Jos Verstappen apenas correu ao mais alto nível por mais uma vez, nas 24h de Le Mans de 2009, mas sem grande sucesso.
Sem sombra de dúvidas Jos Verstappen tinha talento para dar e vender e, mesmo não sendo tão genial como o seu filho Max, tinha tudo para dar certo e ser um ganhador na F1 ou nos Sport-Protótipos se a sua carreira tivesse sido mais bem gerida desde o início, e se não tivesse o azar de apanhar mudanças de monta ou equipas sem meios, pouco mais podendo fazer do que tentar “aquela corrida” para se mostrar.
A título de curiosidade, o jovem Max é filho de Jos e da sua primeira mulher, a belga Sophie Kumpen, prima do conceituado piloto de GT’s e turismos Anthony Kumpen, por isso não estranhem que o ‘miúdo’ tenha a velocidade que tem nas veias!
Por Guilherme Ribeiro