Grande Prémio de Bélgica de Fórmula 1: Hamilton suplanta contrariedades
Spa-Francorchamps parecia, no papel, uma pista desenhada com o Mercedes W10 em mente e a formação de Brackley acabou por conquistar as duas primeiras posições no Grande Prémio da Bélgica, com Lewis Hamilton a assinar a sua 89º vitória, mas pequenos problemas dificultaram a vida dos “Flechas Negras” e foi o Renault de Daniel Ricciardo a assegurar a sua dobradinha.
O majestoso circuito que rasga a sombria floresta das Ardenas tem diversas semelhanças com Silverstone, com as elevadas velocidades de ponta alcançadas e as curvas de alta, e o circuito de Northampton não foi simpático para os Mercedes este ano, com furos no Grande Prémio da Grã-Bretanha e uma derrota no Grande Prémio do 70º Aniversário devido a problemas de pneus para os dois homens da estrutura de Brackley.
Para além disso, a Pirelli levava para Spa-Francorchamps os pneumáticos que disponibilizara para a segunda corrida de Silverstone – C2, o composto mais duro, C3 e C4, o mais macio – e que tantos problemas deram aos Mercedes. Os homens de Brackley chegavam à Bélgica com motivos para algumas preocupações.
O primeiro dia do sétimo evento da temporada – que terá dezassete se não houver qualquer cancelamento – não aliviou a preocupação nas hostes das “Flechas Negras”.
A Mercedes levou para Spa-Francorchamps um novo pacote aerodinâmico tendo em mente a prova belga, Monza, a segunda corrida do Bahrein e, muito provavelmente, Mugello e Imola, e, apesar de todas as ferramentas de simulação – e a equipa de Brackley sabe usá-las como ninguém – o W10 no primeiro dia não estava ao seu melhor nível, queixando-se os seus pilotos de problemas de afinação, o que permitiu que todo o pelotão se aproximasse dos carros que são a bitola a partir da qual todos os outros se medem.
A Red Bull mostrava-se particularmente ameaçadora, sobretudo em configuração de corrida, uma vez que em qualificação, pela última vez esta temporada, a Mercedes poderia usar os seus poderosos modos de potência e monopolizar mais uma primeira linha.
Mas a análise de sexta-feira à noite e o trabalho de simulador realizado em Brackley deu os seus frutos e, no sábado de manhã, os Mercedes estavam já adaptados à sua nova configuração aerodinâmica e davam um salto competitivo que deixava Hamilton e Bottas mais reconfortados.
Ainda assim, a qualificação não foi um exercício calmo para os homens da equipa do construtor germânico.
O Campeão do Mundo realizou uma volta imaculada e conquistou a sua nonagésima terceira pole-position na Fórmula 1, mas Valtteri Bottas perdeu mais de meio segundo para o seu colega de equipa.
Isto deixou ao alcance de Max Verstappen que falhou a primeira linha por apenas quinze milésimos de segundo, sentindo o holandês alguma frustração por ter ficado tão perto de bater um Mercedes, mas sem conseguir passar da segunda linha.
A primeira parte do fim-de-semana tinha sido executada de acordo com os planos da Mercedes, muito embora sem a vantagem que se verificou nas semanas anteriores, faltava a corrida.
Numa pista que tem dois sectores que exigem baixo arrasto para alcançar elevadas velocidades de ponta e outro que reclama apoio aerodinâmico, as equipas têm de tomar opções e, normalmente, favorecem a velocidade de ponta, uma vez que em corrida, a velocidade de ponta significa a possibilidade de ganhar e a faculdade de defender posição em pista.
Contudo, outro factor entrou em jogo – a instabilidade climatérica tradicional das Ardenas previa chuva para domingo à hora da corrida e tanto a Mercedes como a Red Bull apostaram numa afinação tendencialmente com um índice de apoio aerodinâmico mais elevado, o que lhes permitia ficar ao abrigo dos carros que os perseguiam e enfrentar a chuva de uma forma mais preparada.
No entanto, o arranque poderia ser um risco para os três primeiros se a pista se mantivesse seca, uma vez que Daniel Ricciardo tinha um dos carros mais velozes na aproximação a Les Combes e, se apanhasse um bom cone de aspiração, poderia ser uma ameaça para Verstappen e para Bottas ou até Hamilton.
As previsões das duas equipas mais fortes da temporada saíram furadas e, no domingo, o Sol raiava sobre a gloriosa floresta das Ardenas, deixando os três pilotos da frente expostos a um bom arranque e a um bom cone de aspiração eventualmente alcançados pelo Renault de Ricciardo.
A partida dos dois pilotos da Mercedes não foi extraordinária e, com uma aceleração maior até à primeira curva, talvez ficassem sob ataque, mas com La Source logo ali, isso não foi um problema. A longa caminhada até ao topo da colina, Les Combes, porém, poderia significar dificuldades.
Contudo, Verstappen e Ricciardo envolveram-se numa luta entre si, que o holandês repeliu, e Hamilton e Bottas mantiveram as suas posições numa dança que pareceu ter sido orquestrada no briefing matinal, quando todas as situações de corrida são discutidas.
A perspectiva para a corrida era que os homens da frente – que iniciavam a corrida com pneus médios – realizassem um primeiro “stint” de dezoito voltas para montar borrachas duras até ao final da corrida sem problemas de pneumáticos.
Os três primeiros mantiveram-se em contacto nas primeiras voltas, mas começava a ser evidente que a superior potência do V6 turbohíbrido da Mercedes permitia manter uma velocidade de ponta confortável relativamente ao Red Bull de Verstappen no primeiro e terceiro sectores, mas, com mais apoio aerodinâmico, esmagava o monolugar de Milton Keynes no segundo, sendo aí que Hamilton e Bottas ganhavam tempo ao holandês.
Contudo, na décima volta todos os planos das equipas caiam por terra, quando António Giovinazzi se despistava na saída de Fagnes, levando consigo George Russell.
A entrada do Safety-Car em pista era uma oportunidade que poucos poderiam desaproveitar para realizar uma troca de pneus, deixando as equipas na incerteza de realizar uma ou duas paragens, uma vez que ficariam ainda com trinta e quatro voltas ao majestoso circuito de 7,004 – o mais longo da época – colocando os pneus duros no limite da janela de duração apontada pela Pirelli.
Tal como acontecera no Grande Prémio da Grã-Bretanha, quando os Mercedes e Carlos Sainz sofreram furos nas últimas voltas da corrida, quem adoptasse uma estratégia de uma só paragem, poderia passar por dificuldades no final da prova.
As quatro voltas que que o Safety-Car esteve em pista – quase 10% da corrida – ajudou a causa de uma paragem, mas ainda assim, vinte e nove voltas com as borrachas duras até à bandeira de xadrez continuava a ser um desafio para todos.
No recomeço, Hamilton manteve o comando seguido de Bottas e de Verstappen, ao passo que Daniel Ricciardo, perdia posições para Pierre Gasly e Sérgio Pérez, que não pararam durante a situação de Safety-Car, mas rapidamente se desenvencilhava deste duo, mantendo-se por perto do trio da frente.
Os homens da Mercedes, com a vantagem que poderia construir no segundo sector, tinham agora a possibilidade de gerir o uso dos pneus, mas na décima sexta volta o líder reportava falta de potência no V6 turbohíbrido do construtor de Estugarda.
Das boxes vinha a resposta de que se tratava de uma questão de gestão de energia, mas na verdade, Hamilton não voltou a gozar da velocidade de ponta que exibira até aí.
Para adensar a situação, Bottas, que estava muito perto do seu colega de equipa, quase na zona de DRS, pediu para usar o “botão de ultrapassagem”, mas a Mercedes, que sempre afirmou que os seus pilotos poderiam lutar entre si, negou essa possibilidade ao finlandês, que se mostrou muito surpreendido com a ordem da sua equipa.
As limitações de Hamilton eram evidentes no primeiro e terceiro sectores, mas o inglês conseguia ultrapassar as dificuldades e, no segundo sector, ganhava o tempo suficiente para abrir uma vantagem confortável para o seu colega de equipa, que chegou aos oito segundos no final da corrida.
Bottas, por seu turno, teve Verstappen nos seus espelhos até à vigésima sexta volta, olhando a Red Bull para a possibilidade de parar uma segunda vez o seu piloto.
Isto ou obrigaria a Mercedes a reagir e a parar os seus dois pilotos e, se optasse por defender a liderança de Hamilton, poderia significar a perda de um lugar para Bottas, ou manter os seus carros em pista e, no final da corrida, ficar exposta a um ataque do holandês, que com pneus fresco – tinha um jogo de médios novos –, poderia bater as dois “Flechas Negras”.
No entanto, o holandês nunca conseguiu cavar uma diferença para Ricciardo capaz de lhe permitir uma segunda passagem pelas boxes sem perder uma posição para o piloto da Renault – nunca chegou aos dezoito segundos, tempo que custava uma passagem pelas boxes com troca de pneus –, o que poderia significar um problema, dada a superior velocidade de ponta do carro de Enstone.
Sem que essa possibilidade se abrisse, Verstappen teve de viver com os duros que tinha montado na décima primeira volta, sentidos os mesmos problemas experimentados pelos Mercedes, até por que na sua tentativa de realizar um “undercut” a Bottas numa possível segunda paragem, desgastou bastante os pneus para se manter por perto do Mercedes.
Neste cenário, Hamilton reduziu o seu andamento substancialmente para proteger as suas borrachas – com menos cem quilogramas a bordo, no final da corrida Hamilton rodava nos tempos que registou no início – mas com os problemas dos seus perseguidores não sofreu ataques e, com mais uma prestação de encher o olho em que teve de lidar com circunstâncias adversas, conquistou o seu octogésimo nono triunfo na Fórmula 1, sendo acompanhado na subida ao pódio pelos suspeitos do costume – Bottas e Verstappen.
FIGURA
Renault
A formação de Enstone vinha de um fim-de-semana decepcionante em Espanha, onde pela primeira vez este ano não pontuava, mas em Spa-Francorchamps deu a volta por cima. Tinha claramente o terceiro carro mais rápido na pista das Ardenas e conseguiu concretizar esse potencial num quarto e quinto lugares, batendo um Red Bull e vendo-se batida apenas pelos habituais inquilinos do pódio.
É evidente que o R.S20 gosta de circuitos rápidos e em Monza poderá estar muito à-vontade e, quem, sabe conquistar um pódio.
MOMENTO
Vigésima nona volta
Era claro que a Red Bull em performance pura não conseguiria suplantar os Mercedes, olhando para uma decisão estratégica para se poder imiscuir entre os “Flechas Negras”. No entanto, para isso, Verstappen precisava de abrir uma vantagem de dezoito segundos para Ricciardo, que rodava em quarto, e isso nunca aconteceu – o máximo que conseguiu foi 17,038s na vigésima nona volta – obrigando o holandês a adoptar a mesma táctica dos pilotos da equipa Brackley e não incomodar Hamilton e Bottas.
O Mercedes deste ano é o W10 ou o W11?