GP EUA F1 2005: Tiago Monteiro sobe ao pódio e faz história


De loucos é o mínimo que se pode dizer do GP dos EUA de F1 2005. Após a desistência das equipas com pneus Michelin, sobraram seis carros em pista e a Ferrari saboreou uma dobradinha sem sal. Insólito e histórico foi o 3º lugar de Tiago Monteiro, um justo prémio para a sua regularidade

Um fiasco monstruoso

O GP dos EUA foi o maior fiasco da história da Fórmula 1. Só seis carros, os que têm pneus Bridgestone, alinharam na grelha de partida, no que terá sido um golpe fatal para categoria no mercado americano. Michael Schumacher foi o primeiro classificado no final da corrida, à frente de Rubens Barrichello e do português Tiago Monteiro, mas tirando os interessados, ninguém se vai lembrar deste Grande Prémio a não ser pelo boicote que a Michelin forçou as suas equipas a fazer na corrida, depois de não ter conseguido resolver os problemas que os seus pneus.

Sem poder garantir a segurança dos pilotos que utilizavam os seus pneus e depois da FIA ter recusado o seu pedido, apoiado por nove equipas, Bernie Ecclestone e do organizador, Tony George, impedindo a colocação duma chicane antes da última curva, a Michelin aconselhou as suas equipas a não correr. Depois duma longa espera toda a gente alinhou na pré-grelha de partida, mas no final da volta de lançamento os 14 pilotos com pneus Michelin rumaram ordeiramente às boxes, deixando lentamente os seus carros e abandonando a corrida.

Isso deixou-nos com a ridícula imagem de apenas seis carros na grelha de partida, com os dois Ferrari muito à frente do quarteto que estava nas últimas duas linhas da grelha, para espanto e revolta dos espetadores que estavam nas bancadas da reta da meta. Os restantes só se deram conta do que se estava a passar, quando os seis monolugares em pista ficaram à vista, num espetáculo que só não os fez rir porque era extremamente ridículo. E para quem tinha pago uma fortuna por um bilhete, o sentimento foi, inevitavelmente, de revolta.

Michelin culpada

Não existe qualquer espécie de dúvida que a primeira culpada deste enorme fiasco foi a Michelin. A marca francesa arriscou em demasia na escolha dos pneus que trouxe para Indianápolis, pois a nível de carcaça nenhuma das alternativas que vieram para os Estados Unidos se mostrou capaz de resistir às forças laterais a que eram sujeitas na parte oval da pista americana. A marca francesa já tinha passado por momentos difíceis no Mónaco sobretudo com os Renault, mas foi empurrando sempre a culpa para as escolhas feitas pelas equipas. Já em testes no Paul Ricard se tinham registado explosões nos pneus traseiros dum McLaren e dum Toyota, mas na altura a Michelin atribuiu os problemas a uma montagem incorrecta por parte dos seus técnicos e ninguém pensou mais no assunto. Nem a Michelin se parece ter dado ao trabalho de verificar as verdadeiras razões para aquelas falhas, que ao que parece se deviam a problemas com a estrutura dos seus pneus, manteve as carcaças para as corridas seguintes, incluindo o G. P. dos Estados Unidos. O resultado foi a catástrofe que se viu e todas as tentativas que a marca francesa para salvar a situação foram por água abaixo, face à intransigência da FIA e da Ferrari, levando a que apenas seis carros competissem na corrida.

Comportamento autista

Estando o mal feito e com a Michelin a confessar a sua total incapacidade para resolver o problema, havia que fazer alguma coisa para salvar o Grande Prémio dos Estados Unidos. Dar aos pilotos Michelin a possibilidade de correrem com pneus diferentes daqueles com que se tinham qualificado era uma possibilidade, mas os regulamentos proíbem esse tipo de alteração e, para não serem punidas, as equipas rejeitaram essa possibilidade.

A salvação da corrida estava nas mãos da FIA e, em menos escala, da Ferrari, que teriam de aceitar a introdução duma chicane na entrada da parte oval do circuito, para que os 20 carros competissem em segurança. Mas ambas voltaram a revelar um comportamento verdadeiramente autista, pensando apenas no interesse individual sem nunca considerar que o Mundial de Fórmula 1 é mais importante que elas próprias.

Sentadinho na sua torre de marfim, longe da realidade e com a sua idade já avançada, Max Mosley ignorou todos os pedidos das equipas e condenou a Fórmula 1 a tão cedo não voltar a regressar aos Estados Unidos. Depois do fiasco que foi a corrida, só um louco tentaria organizar um Grande Prémio neste país nos anos seguintes, pois nenhum espectador vai comprar bilhete para uma corrida que poderá sempre assemelhar-se ao ridículo cortejo de Indianapolis 2005.

Bye-bye America

Se já era difícil promover a Fórmula 1 nos Estados Unidos, o que aconteceu em Indianápolis, depois destes acontecimentos deste fim de semana tornam em missão impossível qualquer tentativa de salvar a categoria por estas paragens, pelo menos por alguns anos. Os responsáveis da Nascar, ChampCars e IRL devem ter ficado mortos de riso face ao triste espetáculo proporcionado pela Fórmula 1, pois deixaram de ter com que se preocupar, pois a concorrência do Grande Prémio desapareceu. Para as equipas, sobretudo para a Ferrari e a Red Bull, que tinham no mercado americano o seu grande alvo, o que aconteceu teve ter consequências graves a nível comercial, pois a pouca popularidade que a Fórmula 1 já tinha por estas bandas diminuiu ainda mais.

Schumacher vence na monotonia

Quando ficou claro que só seis carros iriam participar na corrida, percebeu-se rapidamente que as 73 voltas iriam ser muito longas para todos. Schumacher e Barrichello controlaram os acontecimentos como quiseram, com o alemão a dar-se mesmo ao luxo de demorar mais o seu primeiro reabastecimento para que o pneu traseiro esquerdo do seu Ferrari fosse controlado, perdendo a liderança até ao segundo reabastecimento,

quando a equipa inverteu a ordem em pista. Só que as coisas não devem ter corrido exatamente como estava no roteiro da dupla Todt-Brawn, pois Michael Schumacher saiu das boxes meio metro atrás do seu companheiro de equipa, acabando por forçar Barrichello a seguir pela relva na primeira curva, para voltar à liderança. Daí que o brasileiro e o alemão não tenham trocado qualquer palavra no final da corrida, sendo cada vez mais evidente o distanciamento de Barrichello da Ferrari, o que leva muita gente a pensar que o paulista está de saída da Scuderia, rumando à BAR-Honda.

Com este resultado Michael Schumacher entrou na luta pelo título, colocando-se em terceiro lugar no Mundial de Pilotos, enquanto a Ferrari deu um grande salto em frente no Mundial de Construtores, empatando com a McLaren no segundo lugar e ficando a apenas 13 pontos da Renault, líder do Mundial.

A oportunidade duma vida

Para Tiago Monteiro e os seus três companheiros da luta no final do pelotão esta foi a oportunidade das suas vidas para conseguirem resultados de relevo na Fórmula 1. O português, que se está a revelar o mais rápido deste pelotão, nunca teve competição na luta pelo terceiro lugar, ganhando alguma vantagem a Albers nas voltas iniciais, e quando o holandês fez o primeiro dos seus três reabastecimentos, ficou com mais de sete segundos de vantagem sobre Karthikeyan, uma vantagem que foi alargando com grande consistência até ao final da corrida. O nosso compatriota mereceu amplamente o seu resultado, pois não cometeu qualquer erro ao longo de todo o fim de semana, foi o mais rápido do seu grupo do início até ao fim da corrida e acabou por conquistar um resultado histórico para Portugal, pois esta foi a primeira vez que um português concluiu um Grande Prémio no pódio. É certo que as circunstâncias que levaram ao seu resultado foram estranhas, mas disso Monteiro não tem qualquer culpa e, por isso, bem mereceu festejar o seu pódio, continuando a terminar corridas, sendo, agora, o único piloto que completou os nove Grande Prémios já disputados nesta temporada. Narain Karthikeyan completou o resultado de conjunto da Jordan como seu quarto lugar, enquanto Albers e Friesacher deram o melhor resultado de sempre à Minardi ao terminarem nas duas últimas posições, que neste caso foram o quinto e sexto lugar.

Uma posição de conjunto

No final da corrida as sete equipas que não participaram no Grande Prémio – Renault, McLaren, Williams, Toyota, BAR, Sauber e Red Bull – distribuíram um comunicado em conjunto, no qual explicaram as suas razões para tomaram a drástica decisão que condenou este Grande Prémio ao fracasso.

Na perspectiva daquelas equipas, depois da Michelin lhes ter feito saber que os seus pneus não poderiam completar a corrida em segurança, não lhes restava qualquer alternativa que não fosse a de abandonar a prova no final da volta de lançamento.

Todas as equipas e a Michelin lamentaram que a FIA não tivesse aceite nenhuma das propostas que foi feita para que a situação fosse resolvida, mas considerando que a segurança dos pilotos estava acima de qualquer outro interesse, tiveram de seguir as instruções da Michelin, deixando os seis pilotos da Bridgestone sozinhos em pista.

«O dia mais incrível da minha vida!»

Tiago Monteiro tinha razões de sobra para estar feliz no final da corrida, pois as estranhas circunstâncias em que decorreu este Grande Prémio permitiram-lhe chegar ao pódio, depois de ter terminado na terceira posição. O português foi mesmo o único a festejar no pódio, pois os pilotos da Ferrari mantiveram uma postura discreta, admitindo, depois, estar a viver um momento único: «Este é o dia mais incrível da minha vida. Sei que só consegui este resultado devido aos acontecimentos estranhos que rodearam a corrida, mas fiz o meu trabalho o melhor que pude e soube, tive de lutar com o meu companheiro de equipa e também com o Albers e acabei por levar a melhor. Não penso que nenhum dos pilotos que esteve na corrida não deu o seu máximo até as posições estarem definidas e estou feliz porque consegui vencer a única batalha que poderia travar. Nas últimas voltas reduzi um pouco o ritmo, pois estava 30 segundos na frente do Narain Karthikeyan e não havia qualquer razão para continuar a forçar. O carro esteve impecável do principio até ao fim da corrida, mas nas primeiras voltas tive muito cuidado para não estragar os pneus, o que permitiu ao Albers acompanhar-me de perto. Depois das primeiras voltas pude atacar e a partir dai fui ganhando vantagem sobre os meus rivais mais diretos. »

Para o piloto português as últimas voltas foram as mais difíceis, pois não tinha adversários diretos por perto e os níveis de concentração poderiam baixar: «Quando cheguei aos 30 segundos de vantagem sobre o Narain decidi abrandar e a partir dai a minha luta foi para manter a concentração. Tive muita atenção às bandeiras azuis, para que não me acontecesse o mesmo que me sucedeu no Nurburgring. No final o resultado foi o melhor possível e só posso agradecer à minha família, amigos, patrocinadores e todos os que me apoiaram, bem como à minha equipa, a ajuda que me deram, pois sem eles não poderia estar aqui.»

Para Monteiro esta era sempre a corrida em que apostava para marcar pontos, mas nem nos seus sonhos mais loucos o português alguma vez visionou a possibilidade de chegar ao pódio: «É verdade que tinha uma pequena esperança de chegar aos pontos, mas nem sequer me passava pela cabeça ir ao pódio. Numa corrida como esta, onde acontecem sempre muitas coisas, era possível chegar aos pontos mesmo sem o que aconteceu com as equipas da Michelin. Chegar ao pódio, só mesmo nestas circunstâncias, mas tive de bater os meus adversários mais diretos e, por isso, acho que também tenho mérito neste resultado.»

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