GP do Mónaco F1, os insólitos, 1984: Interrupção ‘encomendada’, foi há 40 anos
Com os muros em cima da pista, poucos pontos de ultrapassagem e as mecânicas sujeitas a violências extremas, o GP do Mónaco sempre foi palco de corridas onde o resultado final foi uma surpresa.
À partida para o GP do Mónaco de 1984, todos se interrogavam se seria ou não possível travar a eficaz dupla Lauda/Prost e os seus magníficos McLaren MP4/2-TAG Porsche em corrida.
Se em ritmo de qualificação a potência dos motores BMW e Renault permitia grelhas mais imprevisíveis, a falta de fiabilidade e o consumo excessivo de gasolina (a partir de 1984 os reabastecimentos foram proibidos, o que deu origem a uma certa fórmula de consumo, que se fazia notar particularmente em certas pistas) tinham dado a primazia aos McLaren, que contava quatro vitórias em cinco possíveis, a restante ficando para o Ferrari de Michele Alboreto no GP da Bélgica. No entanto, no sinuoso traçado monegasco, Alain Prost dava à McLaren a sua primeira pole da época, numa qualificação marcada pelo violento despiste de Martin Brundle nos treinos, sendo o rookie inglês impedido de alinhar por Sid Watkins. O seu colega de equipa e igualmente estreante Stefan Bellof conseguia, no entanto, a proeza de se qualificar em 20º e último, suplantando desta forma alguns carros com motor turbo, nomeadamente Marc Surer e Eddie Cheever, enquanto os Tyrrell usavam a evolução final do Cosworth DFY, claramente ultrapassado.
O dia da corrida amanheceu com chuva forte, deixando antever uma prova extremamente dura e acidentada. A partida teve mesmo que ser adiada por 45 minutos devido à intensidade da precipitação, e Niki Lauda aproveitou para persuadir Bernie Ecclestone a ‘encharcar’ o Túnel, já que com o óleo derramado pelas provas de apoio, incluindo uma de carros históricos, podia tornar o piso seco naquele local num verdadeiro perigo e causar um grave acidente, procedendo-se à ‘rega’ do local com um carro dos bombeiros. Por fim, deu-se início ao procedimento de partida, e no momento da verdade Alain Prost saiu muito bem da pole, seguido de Nigel Mansell. Cá atrás, Derek Warwick largava muito bem, mas foi tocado por René Arnoux e ficou atravessado contra os rails, sendo atingido pelo seu colega Patrick Tambay, entalando a segunda metade do pelotão! Àparte a desilusão natural pela perda dos seus dois carros, a Renault tinha motivos para preocupação, já que os pilotos ficaram lesionados devido à deformação da monocoque em fibra de carbono, o caso mais grave sendo o de Tambay, que partia uma perna por a suspensão furar o habitáculo! Assim, no final da primeira volta, Prost liderava à frente de Mansell, Arnoux, Michele Alboreto, Lauda e Keke Rosberg.
Lauda passou Alboreto, que fez pouco depois um pião em Mirabeau que o atirou para os últimos lugares, e não tardou a pressionar Arnoux, enquanto na frente Prost era surpreendido à nona volta pelo Brabham de Corrado Fabi, parado após um pião – vindo a atingir, felizmente sem consequências de maior, um comissário – o que, aliado a ligeiros problemas de motor, permitia a ultrapassagem de Mansell, que liderava pela primeira vez um Grande Prémio. Cá atrás, Lauda passava Arnoux, mas a grande surpresa era a exibição do estreante Ayrton Senna num Toleman, que pressionava fortemente Rosberg, não tardando a efectivar a ultrapassagem, lançando-se imediatamente na peugada do Ferrari de Arnoux. Mansell destacava-se com um ritmo extremamente rápido, que provou ser demasiado intenso para as condições dantescas da prova, quando na 16ª volta perdeu aderência na subida para o Casino ao passar sobre uma das linhas brancas que marcam a estrada, bateu nos rails e danificou o Lotus de forma irremediável, nem chegando às boxes. Assim, os dois McLaren estavam na frente, mas Senna estava simplesmente brilhante e já tinha passado Arnoux, ganhando paulatinamente tempo aos dois McLaren. Fora de prova também já estava Piquet, que havia imitado o seu colega de equipa Fabi e deixado o motor ir abaixo após um pião.
Senna passou facilmente Niki Lauda e começou de imediato a pressionar Prost, enquanto a chuva se agravava. Cá atrás, escapando aos despistes e mostrando uma maturidade incomum – se a rapidez e talento eram absolutamente inquestionáveis, a fogosidade traía-o habitualmente – Stefan Bellof fazia maravilhas com o Tyrrell equipado com motor atmosférico e passava Rosberg, um reputado especialista em piso molhado. Verdade seja dita que o pouco potente Tyrrell era talvez o carro mais ágil naquelas condições, e Bellof esteve todo o dia isento de erros, o que lhe permitiu ganhar rapidamente tempo a Arnoux. A subida para o Casino voltava a ser traiçoeira, desta vez para um dos mais experientes pilotos do plantel – Niki Lauda – que se despistava contra os rails, reconhecendo o erro como de sua inteira responsabilidade. Senna parecia devorar a vantagem de Alain Prost (cerca de 34 segundos à vigésima volta), enquanto Bellof fazia uma espetacular ultrapassagem no Casino a Arnoux, e rodava ainda mais rápido que os dois primeiros.
Tudo prometia uma prova épica, mas as condições estavam iguais ou piores que na edição de 1972 (vencida por Jean-Pierre Beltoise) e a direção de prova, liderada por Jacky Ickx, começava a interrogar-se se não seria melhor interromper a corrida antes que se desse algum acidente grave. À 29ª volta Prost sinalizava para a direção de prova a necessidade de parar o GP, enquanto a pressão de Senna e Bellof se intensificava. O McLaren estava também com problemas de travões, que não aqueciam devido às baixas temperaturas e à humidade – o que pode ter contribuído para o erro de Lauda – e seria escusado pensar que o francês aguentaria muito mais tempo o endiabrado Senna, até então apenas mais uma grande promessa do automobilismo mundial. De facto, já com o Toleman bem perto, Prost voltou a apontar para o céu no final da 31ª volta e Ickx optou pela sua habitual prudência e mostrou a bandeira vermelha na passagem seguinte pela meta, pondo fim à corrida.
A decisão foi imediatamente polémica. Em primeiro lugar, Ickx liderava a equipa de fábrica da Porsche no Mundial de Endurance, por isso a sua atitude de parar a prova enquanto Prost – num McLaren propulsionado por motores da marca germânica – estava na frente foi vista como um possível favorecimento, dizendo-se também que tinha sido preferível ganhar um francês do que um estreante. Se é bem verdade que Prost dificilmente teria aguentado o comando por mais de uma volta, também há que ter a noção que Bellof era o mais rápido e poderia chegar a Senna se a prova continuasse, e os próprios mecânicos da Toleman viriam a confirmar que o carro do brasileiro não duraria muito mais voltas devido a danos na suspensão provocados por um toque nos rails. Polémico à altura por uns motivos – Ickx viria mesmo a ser temporariamente suspenso das suas funções por não ter consultado os comissários antes de interromper o Grande Prémio – a futura rivalidade Senna/Prost fez com que, retrospectivamente, alguns entusiastas vissem nesta prova o primeiro claro favorecimento do francês em relação ao brasileiro. Por fim, mesmo que Bellof tivesse ganho, perderia a vitória, já que a Tyrrell viu o seu carro considerado ilegal após o GP dos EUA em Detroit – uma lista longa e complexa de irregularidades nunca totalmente explicada, aparentemente sem incremento significativo de performance, mas que daria muitas teorias da conspiração ligadas a pressões por parte da FISA, já que a pequena equipa inglesa era a única com motores atmosféricos.
Suspeitas à parte, Prost foi de facto o piloto que menos errou – se é que errou – durante toda a prova, enquanto Senna e Bellof mostraram em definitivo ter aquele pequeno bocado de talento que separa os excelentes dos génios, com as suas exibições de luxo. No entanto, Prost certamente teria preferido o segundo lugar e a continuação da prova se soubesse o futuro… Como não tinha sido atingida 75% da distância inicial prevista, foram atribuídos meios pontos, por isso Prost apenas marcou 4,5 pontos, vindo a perder o título para Lauda no GP de Portugal por apenas… meio ponto. Se fosse segundo no final, teria ganho os seis que lhe daria o seu primeiro título…
Classificação
A idolatria pelo Senna leva a exageros de estupidez como a patente neste artigo. O mais surpreendente é que, com este fanboyismo psicopatológico, conseguiram estragar o que teria sido um artigo interessante.
Infelizmente isso acontece muito aqui no fórum. Foristas fazerem-no aceita-se, até porque sabemos que o nível de fanboyismo por aqui rebenta escalas, mas a título jornalístico…
Eu como grande apreciador de Alain Prost, não tenho problema em reconhecer Ayrton Senna como o melhor de sempre. Mas a idolatria por vezes causa cegueira ao ponto das pessoas quererem rescrever a história.
Não percebo qual o exagero neste artigo. É um resumo factual da corrida.
O Título é ridículo. Não faz sentido algum ainda especular sobre a decisão da interrupção da prova.
Sou fã do Senna mas isto é desnecessário.
As aspas estão lá por algum motivo.
38 anos se passaram e ainda continua a mesma mentira criada pela imprensa brasileira a ser escrita passado todos estes anos. Lá está, como diz o provérbio, uma mentira dita tantas vezes, torna-se verdade. Qual foi o piloto VERDADEIRAMENTE prejudicado com a interrupção da prova? Quem foi? Vá digam! O Senna, ou o Prost? Quem é que perdeu o campeonato por 0.5 pontos? Quem, é que em vez de receber 9 só recebeu 4.5? Até os 6 pontos do 2° lugar chegavam. Todos falam do Senna, mas ninguém fala do Bellof, do andamento deste que era superior ao do Senna… Ler mais »
Claro que o Prost foi o grande prejudicado, mas isso só se soube no Estoril. As referências do texto às várias teorias de conspiração foram feitas na altura, não passados anos.
O texto fala no Bellof.
Nessa prova até era o Bellof e não o Senna o que tinha tudo para ganhar.Mas a intervenção/manipulação dos comissários…nesses tempos…não era absolutamente nada,comparada como que se passa hoje.
Bom Dia Não tenho por hábito comentar aqui, mas, como autor deste artigo (publicado originalmente na edição em papel em 2016), procurei desconstruir esse “mito urbano” de uma eventual interrupção encomendada (falta o ponto de interrogação no final do título). A narrativa que afirma que a prova foi interrompida para favorecer o Prost em relação ao Ayrton Senna foi construída vários anos após esta corrida, quando a rivalidade entre ambos atingiu o seu ponto mais alto, maioritariamente por parte da imprensa brasileira e dos fãs do Ayrton Senna. Em 1984, por muito que o Senna fosse já visto como… Ler mais »
Obrigado pelo esclarecimento. É um tema muito queimado e que é usado muitas vezes na famosa guerra Senna/Prost. Em particular a comunidade brasileira.
Já tinha escutado um pouco dessa polémica do Ickx e Porsche mas ignorava que tivesse sido polémica logo em 84.
Uma observação. Vi uma vez uma entrevista do Mansell que dizia que a performance do Bellof não era assim tão extraordinária já que tinha o motor aspirado e beneficiava do lag dos turbos. Por isso a performance do Senna era muito mais espetacular.
Cumprimentos
De nada!!! Acho que tentei tudo para desmistificar essa rivalidade Senna/Prost que, em 1984, não existia porque o Senna não passava de um estreante numa equipa de meio de tabela e o Prost era considerado um dos 3 melhores do mundo e lutava pelo título pelo terceiro ano consecutivo. Não se pode dizer que a do Senna foi melhor que o Bellof nem o inverso. De facto, o Tyrrell, ao usar motores Cosworth DFV, era muito mais leve e manobrável e, num circuito lento, beneficiava dessas características. No entanto, mesmo o Mónaco tem zonas em que os carros atingem uma… Ler mais »
Isso de afirmares que o Prost é melhor já deita abaixo tudo 😀 😀 Discordo, mas respeito claro. O Prost era muito mais cerebral enquanto o Senna tinha o coração na boca. Fez muitos erros desnecessários na carreira mas tinha aquela magia de velocidade única.
Não sei qual é o artigo sobre o Prost. Vou estar atento. Até porque sou de opinião que o Prost e Mansell tem complexos graves em admitir os seus erros. Tem sempre uma desculpa para tudo.
Isso são opiniões, acho que, no conjunto, o Prost era ligeiramente melhor.
Também escrevi sobre o Mansell, mas não sei se já estão publicados. Cada um tenha o seu feitio, tal como o Senna e o Piquet tinham os seus, mas foi uma das maiores épocas da história.
Independentemente dos juizos de valor que por aqui pululam e que ora endeusam o Ayrton, o Stefan ou o Prost, facto é que foi nesta corrida que se viu o “nascimento” de dois fabulosos pilotos para a F1 (Bellof e o Senna). A morte infelizmente levou-os em competições diferentes, mas em qualquer delas foi mostrado o seu elevadissimo talento. PS – tenho uma enorme admiração pelo Senna, que foi a par com o Villeneuve, o piloto que emocionalmente mais me impressionou. Não me peçam no entanto para embarcar no melhor piloto de sempre (GOAT, acrónimo que já não posso ouvir),… Ler mais »