GP de Itália de Fórmula 1: A crónica de um incidente anunciado
Era inevitável… Mais tarde ou mais cedo Lewis Hamilton e Max Verstappen encontrar-se-iam em pista e voltariam a protagonizar um incidente… Foi o que aconteceu no Grande Prémio de Itália e, desta feita, ambos ficaram de fora.
O primeiro episódio ocorreu em Silverstone, com os resultados que se conhecem, e com os dois pilotos a lutarem pelo título e a encontrarem-se recorrentemente em pista, a possibilidade de voltarmos a assistir a um toque entre ambos era bastante elevada e Monza foi o palco de novo contacto.
Relativamente à prova inglesa, as circunstâncias, porém, eram quase diametralmente opostas na corrida transalpina.
Se em Silverstone Max Verstappen liderava e tinha o carro mais competitivo, em Monza era Lewis Hamilton que se encontrava à frente, tendo uma vantagem de performance que lhe poderia permitir ganhar pontos na luta pelo título.
O piloto da Mercedes estava inicialmente em desvantagem, depois de um mau arranque na Qualificação Sprint o ter atirado do segundo lugar na grelha de partida para o quinto posto final, atrás do seu colega de equipa, de Daniel Ricciardo, do piloto da Red Bull e de Lando Norris, mas todos subiriam uma posição, uma vez que o finlandês tinha montado a sua quarta unidade de potência no seu monolugar, o que o obrigava a alinhar no fundo do pelotão.
Tudo parecia correr de feição ao líder do Campeonato de Pilotos, mas logo no arranque sofreria o seu primeiro golpe.
Ricciardo, apesar de partir do lado sujo da pista, alcançava a liderança na aceleração para a Variante do Rettifilo, o que deixou o holandês exposto a Hamilton, que passara Norris. Na travagem para a Variante della Roggia os dois candidatos ao título estavam lado a lado, com o inglês por fora.
Nenhum deles levantou o pé e, na abordagem à primeira curva da chicane, assistiu-se a um ligeiro toque entre os dois, o que levou a que Hamilton seguisse pela escapatória, perdendo no processo o lugar que tinha ganho a Norris.
A corrida estabilizava com o piloto da Red Bull no segundo posto sem que conseguisse ameaçar a liderança de Ricciardo e o homem da Mercedes em quarto sem que fosse capaz de montar um ataque ao terceiro posto do seu conterrâneo da McLaren.
Tudo se jogaria nas paragens nas boxes, com um factor a ter em conta – Hamilton arrancara com pneus duros, na esperança de utilizar a superioridade técnica da Mercedes para realizar o “overcut” para, no mínimo suplantar Norris e de preferência Verstappen também, ou ostentar um “delta” na vida dos pneus que lhe permitisse suplantar os dois pilotos na ponta final da corrida.
No entanto, as circunstâncias iriam conspirar para que se encontrassem em pista muito antes da possibilidade que a táctica da Mercedes antecipava.
Quando Verstappen entrou nas boxes para responder a Ricciardo, que parara na vigésima terceira volta, a Red Bull demorou onze segundos a trocar os pneus do holandês, o que o deixou exposto a Hamilton, se este parasse de imediato.
Porém, a Mercedes levou uma volta a decidir chamar o seu piloto, e só na vigésima quinta o inglês entrou nas boxes, perdendo tempo para o seu rival que voava com pneus duros novos. Para piorar a situação do heptacampeão mundial, também a paragem da formação de Brackley não foi limpa, levando mais um segundo do que seria normal.
Estava desenhado o pano de fundo para o incidente entre os dois.
Quando Hamilton deixava o pit-lane, Verstappen descrevia a recta da meta, chegando os dois lado a lado à Variante dello Rettifilo.
O inglês estava ligeiramente à frente, mas com pneus quentes contra os frios do seu adversário, o holandês foi discutir a curva para um espaço que foi desaparecendo gradualmente, acabando o Red Bull em cima dos elevados delimitadores dos corretores da segunda curva da chicane. O monolugar de Verstappen levantou as rodas da frente e foi contra o Mercedes, terminando em cima deste.
Ambos estavam fora de corrida, mas Hamilton tinha sido salvo pelo halo e pelo arco de segurança, uma vez que a roda traseira – direita do Red Bull ainda bateu no capacete do inglês, não lhe tendo causado danos físicos devido a estes dois dispositivos de segurança.
É evidente que, depois do acidente, ninguém estava de acordo.
Verstappen foi claro, apontando que o seu adversário não lhe tinha dado espaço suficiente. “Ele apertou-me e apertou-me enquanto eu já estava bastante ao lado dele.
É preciso duas pessoas trabalharem juntas para realizar a curva enquanto lutamos pela posição. Infelizmente tocámo-nos”, afirmou o ainda líder do Campeonato de Pilotos.
Por seu lado, Hamilton, tinha uma visão completamente diferente. “Saí (n.d.r.: das boxes) vi o Daniel a passar, o Max a aproximar-se, garanti que lhe deixava a largura de um carro por fora.
Entrei na curva 1 e estava à frente, estava à frente quando ia para a curva 2 e, de repente, ele estava em cima de mim”, apontou o heptacampeão mundial.
Mas esta é uma situação perfeitamente normal. Algum piloto admitir que foi culpado no contexto de um acidente com outro é um desafio de proporções épicas.
Mais anormal foi a decisão dos comissários desportivos.
Como seria de esperar, o incidente foi alvo da análise dos homens que supervisionam o comportamento em pista.
Após reunirem e de terem ouvido Hamilton e Verstappen decidiram penalizar o holandês com três lugares na grelha de partida para o Grande Prémio da Rússia, que se realiza dentro de duas semanas.
Os comissários desportivos consideraram que “o piloto do Carro 44 (Hamilton) estava a conduzir numa trajectória de evitamento, muito embora a sua posição tenha causado o Carro 33 (Verstappen) a ir para o corretor. Mas além disso, os Comissários observaram que o Carro 33 não estava totalmente ao lado do Carro 44 até, significativamente, à entrada da Curva 1. Na opinião dos Comissários, esta manobra foi tentada demasiado tarde para que o piloto do Carro 33 tivesse o ‘direito a espaço’. Apesar de o Carro 44 poder ter virado para se afastar do corrector e evitar o incidente, os Comissários determinaram que a sua posição era razoável e, portanto, consideram que o piloto do Carro 33 foi predominantemente culpado do incidente”.
A estranheza da decisão deve-se à sua justificação, uma vez que aponta que Verstappen realizou a sua manobra demasiado tarde e que nunca esteve totalmente lado a lado com Hamilton.
Ora, se um piloto consegue ocupar um espaço, que existia nesta situação, sem sair de pista e sem bater no seu adversário, tem todo o direito de o ocupar e foi o que aconteceu em Monza. O holandês só tocou no inglês quando, ao ser apertado para o corrector, perdeu o controlo do seu monolugar, embatendo no Mercedes. Portanto, a questão de ter tentado a ultrapassagem demasiado tarde parece demasiado dúbia.
Para além disso, o holandês chegou a ter a sua roda dianteira – direita imediatamente atrás da dianteira – esquerda do inglês, normalmente, suficiente para que um piloto tenha direito a espaço para se bater por uma posição.
No entanto, a Red Bull já revelou que não recorrerá da decisão dos comissários desportivos, assumindo a penalização.
Mais encontros até ao final da temporada
Seja como for, não será de estranhar mais incidentes destes até ao final da temporada.
Os dois pilotos estão na luta pelo título e todos os pontos contam, como se tem verificado, e dificilmente alguém cederá em situações de maior indefinição como se viu em Silverstone e, agora, em Monza.
Max Verstappen nunca mostrou a capacidade de levantar o pé quando discute uma posição, o que já lhe valeu alguns dissabores, e, depois dos dois incidentes que protagonizou com Lewis Hamilton, não estará mais inclinado a ceder, até porque isso poderá significar perder pontos para este.
O heptacampeão mundial tem tido uma abordagem mais clínica. Sempre que sente que poderá ser o maior perdedor de um incidente, levanta o pé – verificou-se em Imola, Barcelona e na primeira volta de Monza – mas sempre que vislumbra alguma vantagem, não cede, respondendo na mesma moeda ao seu rival.
Posto isto, com a decisão do título cada vez mais próxima, os momentos de tensão serão cada vez mais e mais intensos.
Curiosamente, estes episódios ocorreram em fins-de-semana de Qualificação Sprint… O próximo será o Grande Prémio do Brasil, a três eventos do final da temporada…