GP da Turquia de 1: Hamilton normaliza corrida louca
Depois da qualificação para o Grande Prémio da Turquia dificilmente alguém apostaria numa vitória de Lewis Hamilton na corrida de domingo, mas o inglês, com uma prestação memorável, selou o seu sétimo título mundial de Fórmula 1 com um triunfo que após o arranque parecia demasiado distante.
O regresso da categoria máxima do desporto automóvel à pista turca, depois de nove anos de interregno, estava envolto em grande expectativa por parte dos pilotos e adeptos, uma vez que o Istanbul Park é, talvez, o circuito mais interessante alguma vez produzido por Hermann Tilke, tendo como ponto alto ao longo do seu traçado a monstruosa Curva 8, também conhecida como Diabólica, que com os seus quatro apex e mais de 600 metros, prometia ser um deleite para todos.
No entanto, quando os carros entraram em pista para a primeira sessão de treinos-livres, encontraram um asfalto escorregadio, depois de um reasfaltamento realizado poucas semanas antes do fim-de-semana do Grande Prémio.
As habituais complicações vividas com um asfalto novo, como se tinha já experimentada no Autódromo Internacional do Algarve aquando do Grande Prémio de Portugal, eram exacerbadas pelas baixas temperaturas – a pista nunca ultrapassou os 20ºC – e pela ausência de competições de apoio no programa, o que implicava que apenas os monolugares de Fórmula 1 limpassem e depositassem borracha na superfície.
Para além disso, o facto de a Pirelli ter sido avisada tardiamente do reasfaltamento do circuito, levou a que os italianos levassem para Istambul os três compostos mais duros da sua gama – C1, C2 e C3 – de modo a suster as pressões massivas causadas pela ‘diabólica’, que se esperava ser feita completamente a fundo.
Tudo isto conspirou para que todos os pilotos sentissem grandes dificuldades em aquecer os pneus, devido aos óleos betuminosos usados no reasfaltamento e à superfície muito lisa e pouco abrasiva.
Resultado, ninguém conseguia ter a aderência normal, assistindo-se a um festival de piões e despistes enquanto os pilotos tentavam encontrar uma forma de aquecer os pneus, comparando ao Istanbul Park a uma superfície gelada.
Os Mercedes, surpreendentemente, eram os que mais sofriam com o fenómeno, graças a um chassis desenvolvido de raiz para poupar pneus.
A Red Bull e a Ferrari, por seu turno, sofriam menos, beneficiando a Scuderia da voracidade do SF1000 por gastar as borrachas da Pirelli, que noutras circunstâncias lhe trouxe inúmeros dissabores.
No sábado a situação agravava-se para todos, com a chuva prevista a marcar presença, tornando a qualificação num exercício de patinagem artística em que completar uma volta sem cometer um simples erro ou atravessadela era um desafio de proporções épicas.
A Mercedes estava ao nível que demonstrara no dia anterior, longe dos da frente (Hamilton o melhor dos dois, ficava no sexto lugar a quase cinco segundos do “poletime”) ao passo que a Red Bull falhava ao colocar pneus intermédios demasiado tarde, numa Q3 a secar lentamente, ao passo que a Racing Point acertava na “mouche”, garantindo a pole-position com Lance Stroll, a sua primeira, e o terceiro posto com Sérgio Pérez, que nos últimos instantes da qualificação parecia ser capaz de assegurar o topo da tabela de tempos até ser passado pelo seu colega de equipa e por Verstappen.
Inexplicavelmente, a Ferrari na chuva não conseguia gerar temperatura nos pneus de piso molhado e Sebastian Vettel quedava-se pela décima primeira posição seguido do seu colega de equipa depois das penalizações dos pilotos da McLaren – Carlos Sainz por ter bloqueado Pérez na Q2 e Lando Norris por não ter respeitado bandeiras amarelas.
As condições da corrida
Este era o cenário para o Grande Prémio da Turquia que se realizava no domingo e, tal como no sábado, a pista encontrava-se molhada, o que criava grande expectativa, uma vez que qualquer erro poderia ter resultados terminais.
Que o diga António Giovinazzi, que quando se dirigia para a grelha de partida, viu o seu Alfa Romeo fugir-lhe ao controlo quando rodava a direito, embatendo ligeiramente nos muros de proteção e ficando atascado na gravilha. O italiano acabou por beneficiar do apoio de um veículo da organização que o guindou e o colocou no asfalto para poder seguir para a pré-grelha, onde lhe foi montada uma nova asa dianteira.
Por seu lado, George Russell, depois de ter batido em Imola quando estava atrás do Safety-Car, em Istambul passava pela ignominia de bater no muro da entrada da via das boxes, quando se aprestava para completar uma volta a caminho da grelha de partida.
Com danos no seu Williams, foi obrigado a arrancar do pit-lane para uma corrida discreta que o levou até ao décimo sexto e último lugar.
O domínio da Racing Point
Com a pista bastante molhada, mas sem que fosse necessário recorrer ao Safety-Car, os pneus de chuva foram os privilegiados, tendo apenas os pilotos da Williams, ambos a alinhar na via das boxes, a arriscar nos intermédios. Contudo, esta opção dos jovens da formação de Grove pouco impacto teve, rodando no fundo do pelotão e sem ganhar tempo aos da frente.
No arranque, Verstappen, do lado sujo da pista, tinha muitas dificuldades em colocar a potência no chão e caía para quarto atrás de Vettel, que com um arranque fulgurante, terminava a primeira volta em terceiro atrás dos dois Racing Point, liderados por Stroll, ao passo que Hamilton mantinha o seu sexto posto, ainda que tivesse despoletado um toque entre os dois Renault, que enviou Esteban Ocon para um pião e obrigou Bottas a fazer outro para evitar o monolugar do francês da formação do construtor gaulês.
Na cabeça da corrida, Stroll e Pérez não tinham adversários, ganhando rapidamente uma vantagem confortável para os seus perseguidores, ostentando Vettel uma desvantagem de mais de catorze segundos para o canadiano quando estavam completadas seis voltas.
Os homens da formação de Silverstone, tal como acontecera na qualificação, não tinham dificuldades em colocar os pneus de chuva da Pirelli na janela térmica ótima de funcionamento e ninguém os conseguia acompanhar.
Apenas Verstappen dava mostras de ter andamento para o duo dos “Mercedes Cor de Rosa”, mas sem conseguir passar o Ferrari de Vettel, fora da trajetória a pista era ainda mais escorregadia, perdia também muito tempo para os líderes.
Mas na mesma sexta volta, a corrida começava a mudar ligeiramente a sua evolução, quando Charles Leclerc, apenas em décimo quarto e a quase cinquenta segundos de Stroll, entrava nas boxes para montar intermédios.
Subitamente, o monegasco da Scuderia passava a ser consistentemente o mais rápido em pista, o que obrigou ao restante pelotão a passar pelas boxes para realizar operação semelhante.
Verstappen era o último entre os homens da frente a parar e no final da primeira ronda de trocas de pneus, os homens da Racing Point continuavam na liderança, mas a sua liderança era reduzida e o holandês da Red Bull conseguia realizar o ‘overcut’ a Vettel, rodando agora no terceiro posto a 9,6s de Stroll e colado a Pérez.
Por seu lado, Hamilton, que mudara de pneus quando estavam completas oito voltas, permanecia no sexto lugar a quase vinte segundos do canadiano, parecendo estar completamente afastado da luta pela vitória.
A fase da Red Bull e queda de Verstappen
Este era o momento em que se verificava um ascendente ligeiro da Red Bull, sobretudo pelas mãos de Verstappen, muito embora Alex Albon tenha sido uma factor a ter conta na luta pelos lugares do pódio, e só Leclerc parecia ser capaz de rodar nos tempos do holandês, sendo até, recorrentemente, mais rápido que este. Contudo, o muito tempo que perdera no início da prova, mais de cinquenta segundos, deixava-o longe dos primeiros lugares.
Sentindo o cheiro da vitória, e com a confiança que se lhe reconhece, Verstappen saiu da Curva 10 no encalço de Pérez, mas com a pista ainda bastante difícil e no cone de aspiração do Racing Point, entrou num pião a alta velocidade na Curva 11, destruindo os seus pneus, o que obrigou a nova passagem pelas boxes para montar um novo jogo de intermédios.
Apesar do potencial do Red Bull RB16 Honda, o holandês ficava fora da luta pelos lugares do pódio e remetia-se a um resto de tarde discreto para terminar num distante sexto lugar à frente de Alex Albon, que vira um pião também a condicionar a sua corrida, assinando uma performance sofrível no dia em que parecia capaz de agarrar o seu lugar na formação de Milton Keynes.
O ressurgimento de Hamilton
Estávamos apenas na décima oitava volta, mas olhando para a classificação, a Racing Point poderia ser desculpada de pensar que o seu resultado de sonho – uma dobradinha semelhante à que a Jordan, equipa na génese da estrutura de Silverstone, conquistou em Spa-Francorchamps há vinte e dois anos – estava mais próximo.
Mas precisamente quando Verstappen cometeu o erro que o votou ao papel de figurante, começou-se a assistir ao ressurgimento de Hamilton.
Na décima oitava volta o piloto da Mercedes estava apenas no quinto lugar a vinte e quatro segundos de Stroll, mas a partir de então começou a ganhar consistentemente tempo aos pilotos da Racing Point.
Na trigésima volta, quando estava já em nono e a apenas 29,6s do canadiano, Leclerc abria a segunda ronda de paragens nas boxes e, com a pista ainda húmida e, sobretudo, muito escorregadia, os pneus escolhidos continuavam a ser os intermédios.
Então, Hamilton estava já a apenas 8,9s do líder, ainda em quinto, parecendo cada vez mais ameaçador para o duo da Racing Point.
A cavalgada do inglês continuava e, com as paragens de Albon e Vettel, ascendia a terceiro na trigésima quarta volta a apenas seis segundos de Stroll que começava a passar por dificuldades, pensado a Racing Point que se devia a problemas com os pneus intermédios que montara na nona volta.
O canadiano entrava nas boxes na trigésima sexta passagem pela linha de meta, mas o problema devia-se antes a danos na zona inferior da asa dianteira do Racing Point número dezoito, o que atirou para um dececionante nono lugar final, na corrida em que liderou trinta e seis voltas e grande parte delas de forma autoritária – um final que o piloto de vinte e dois anos não merecia.
A estocada final
Com Stroll fora de cena, a Racing Point tinha agora em Pérez como o seu único defensor numa eventual vitória, aproveitando as capacidades do mexicano em gerir os pneus para o manter em pista.
No entanto, também Hamilton tem um sentido especial para cuidar as frágeis borrachas da Pirelli e a Mercedes foi alongando o turno do inglês, que era o mais rápido em pista e apenas Leclerc, já com o segundo jogo de pneus intermédios, era capaz de acompanhar o ritmo do piloto da Mercedes.
Na trigésima sétima volta, o inevitável aconteceu e o inglês, a caminho do seu sétimo título mundial, suplantava o mexicano, assumindo a liderança de uma corrida que a dada altura parecia distante de poder ser sua.
Contudo, Hamilton, enquanto o seu colega de equipa colecionava piões (seis no total), sobreviveu aos momentos difíceis e em que não conseguia acompanhar os pilotos que estavam à sua frente, evidenciando uma noção clara dos momentos da corrida e um sentido estratégico que, tal como acontecera noutras ocasiões, fez a diferença.
Enquanto outros, bem munidos com um carro competitivo (leia-se Verstappen), desperdiçavam oportunidades, o inglês aproveitava-as, sentia o momento certo para atacar e lançou-se para uma vitória decidida, apesar de ter chegado a estar a vinte e quatro segundos do líder.
Até afinal da prova de cinquenta e oito voltas, o inglês ganhava ainda mais de trinta segundos a Pérez, chegando ao final com os pneus intermédios montados na oitava passagem pela linha de meta completamente gastos, parecendo slicks, depois de ter contrariado a intenção da Mercedes em o chamar à boxe já na parte final da prova, temendo o aparecimento de chuva nas últimas voltas, ao recordar-se como em 2007 perdera um título ao despistar-se na via das boxes durante o Grande Prémio da China.
Esta decisão demonstra que, para lá do seu enorme talento, tem também a capacidade de analisar a corrida a cada momento e calcular os riscos de cada acção, um conjunto de características único e mais que justificativo do seu sétimo título mundial, partilhando com Michael Schumacher este recorde, para já.
A Racing Point, depois de ter liderado a corrida, conseguiu um belo segundo posto, muito embora Pérez tenha sido acossado por Leclerc no final.
O monegasco foi outro dos grandes protagonistas, terminando a pressionar o mexicano. Porém, no calor da luta com este, acabou por levar o seu esforço demasiado longe, perdendo um lugar para Vettel, que assim, com uma boa prestação, conquistou o seu primeiro pódio do ano.
Leclerc, cruzava a linha de meta em quarto a trinta e três segundos de Hamilton, depois de ter chegado a estar a mais de cinquenta segundos do primeiro posto – uma prestação notável, mas o dia era do inglês.