G.P. do Mónaco 1956: O dia em que Fangio errou

Continuando na senda das melhores corridas da história da Fórmula 1, desta feita recordamos o GP do Mónaco de 1956, corrida em que Juan Manuel Fangio cometeu um dos poucos erros da sua fantástica carreira.

Durante a sua carreira na Fórmula 1, Juan Manuel Fangio raramente nos habituou a erros. Aliás, o argentino raramente teve um acidente, e o mais sério que teve, numa prova extracampeonato em Monza no início de 1952, resultou da exaustão de uma longa viagem por estrada desde França, sem dormir! Mas, como todos os grandes campeões, “El Chueco” também ‘metia água’ nos seus dias maus, e o G.P. do Mónaco de 1956 foi um deles, o que não o impediu, ainda assim, de realizar uma performance de antologia.

O Grande Prémio do Mónaco de 1955 tinha ficado marcado pelo violento acidente de Alberto Ascari, que se despistou na saída da chicane do Porto e mergulhou nas águas do Mediterrâneo, felizmente sem grandes lesões para o piloto que, poucos dias depois, foi a Monza testar o Ferrari 750 Monza do seu amigo EugenioCastellotti a Monza… Infelizmente, desta vez, a sorte abandonou Ascari, que se despistou na rápida esquerda – entretanto substituída por uma chicane com o seu nome – e faleceu de imediato. A morte trágica do italiano, considerado como um dos melhores pilotos do mundo à data, aliada aos problemas financeiros da Lancia, contribuíram para que Gianni Lancia decidisse deixar a Fórmula 1 de imediato, tendo feito um acordo com a Scuderia Ferrari, que incluiu a cedência dos Lancia D50 e do seu principal piloto, precisamente Castellotti, já que Villoresi tinha optado por uma semi-retirada. Na verdade, a Ferrari precisava urgentemente de um carro competitivo e rapidamente percebeu que, se devidamente desenvolvido, o monolugar da Lancia era melhor que os modelos usados pela Scuderia em 1954 e 1955. E, com a retirada da Mercedes no final de 1955, a Ferrari apressou-se a contratar o tricampeão Juan Manuel Fangio, enquanto a estrela em ascensão StirlingMoss assinava pela sua maior rival, a Maserati. Previa-se um campeonato muito disputado entre as duas marcas, embora a Scuderia tivesse, de longe, o melhor conjunto de pilotos. Aliás, tinha mais pilotos do que volantes disponíveis, mas Fangio seria “ilcapitano”.

Uma lista de inscritos recheada de novidades

A Scuderia tinha trabalhado ao longo do Inverno e feito modificações de grande calibre no Lancia D50, adotando o carro para 1956, já que tinha batido claramente os outros monolugares da equipa de Maranello. No Mónaco, além de Fangio, a Ferrari inscrevia também Luigi Musso, EugenioCastellotti e Peter Collins. Poucas equipas se poderiam orgulhar de ter semelhante alinhamento. Quanto à Maserati, agora com o célebre 250F plenamente desenvolvido, estava consciente que podia lutar taco-a-taco com a Ferrari, alinhando com StirlingMoss, Jean Behra e CesarePerdisa. No entanto, as pequenas equipas inglesas e francesas não tinham ficado paradas e, depois de presenças irregulares em 1954 e 1955, queriam afirmar-se a tempo inteiro. A Gordini tinha disputado a maioria das corridas desde 1950 e, apesar dos eternos constrangimentos financeiros AmedéeGordini apresentava-se no Mónaco com três carros, para Robert Manzon, Nano da Silva Ramos e ElieBayol/André Pilette. Já a Vanwall tinha dedicado muito tempo a melhorar o seu monolugar, alinhando com Harry Schell e o vencedor do ano anterior, Maurice Trintignant.

A grande novidade era o regresso da BRM. Criada no final dos anos 40 por Raymond Mays (conhecido como piloto e dono de vários ERA) para ser a primeira escuderia britânica de fábrica na Fórmula 1, as prestações da equipa saldaram-se por grandes fiascos e, com a adoção das regras de F2 para 1952-1953, os BRM V16 ficaram consignados a provas de Formula Libre. E, para salvar financeiramente a equipa, Mays cedia o controlo das operações à Owen RacingOrganization, que passaria a deter a BRM até 1974. No entanto, a BRM alinhou com Maseratis em 1954 e 1955 até ter, finalmente, o seu segundo monolugar pronto em 1956. Os novos P25 seriam conduzidos por Mike Hawthorn e uma jovem promessa, estudante de medicina dentária, que se havia destacado ao volante dos pequenos Connaught em 1955, de seu nome Tony Brooks. Entre os privados, estavam Louis Rosier, HoraceGould, Giorgio Scarlatti e o local Louis Chiron.

Erros e uma recuperação épica

À partida daquela corrida, disputada a 13 de Maio de 1956 – seis anos depois do primeiro Grande Prémio a contar para o Mundial de Fórmula 1 – alinharam apenas 14 carros. Ainda se fala hoje de existirem apenas 10 equipas… Além de Scarlatti, que não se qualificou, três pilotos não alinhavam: Louis Chiron, depois de ter partido o motor do seu Maserati, e os dois BRM, que acusavam inúmeros problemas de juventude, levando a formação de Bourne a retirar ambos os carros… Mais valia esperar do que “dar barraca” outra vez. Fangio largou da pole, seguido de Moss, Castellotti, Behra e Schell.

Moss fez o melhor arranque e tomou o comando, seguido de Castellotti, Fangio e um surpreendente Schell. O argentino passou o seu colega de equipa ainda na primeira volta, mas Moss já tinha aberto uma vantagem de cinco segundos quando os pilotos passaram a linha de meta de novo, então situada aonde se localizam hoje os esses das Piscinas. A forçar ao máximo, Fangio entrou em Ste.Devote demasiado depressa na segunda volta e saiu em frente e, na tentativa de regressar o mais rápido possível à pista, surpreendeu Schell, que foi direito a um muro e partiu a suspensão, e o seu próprio colega de equipa Luigi Musso, que bateu nos fardos de palha e danificou a suspensão. Dois pilotos de fora e Juan Manuel Fangio com “as orelhas a arder” e o orgulho (muito) ferido. Enquanto Moss se isolava por completo, Fangio voltava ao ataque com “a faca nos dentes”, não tardando a assumir o quarto lugar com o abandono de Castellotti com problemas de embraiagem, passando algumas voltas mais tarde Behra para terceiro.

O argentino continuou a forçar e foi-se aproximando de Collins, que não fez nada para dificultar a ultrapassagem do seu colega de equipa, mas o argentino estava definitivamente desastrado, e na volta 32 bateu na chicane (que tinha sido ligeiramente modificada para evitar acidentes semelhantes ao de Ascari) e danificou a frente do carro e uma roda, obrigando-o a parar. Após algumas reparações, Castellotti arrancou com o carro de Fangio, enquanto este teve algum tempo para reparar forças e a concentração. Quando Collins parou pouco depois do meio da prova, cedeu o seu carro a Fangio – tal como viria a acontecer em Monza, mas isso é para outra edição – e o argentino regressou à pista em terceiro, transfigurado. Já não era o Fangio desastrado do início da prova, mas o Fangio invencível e com um estilo de pilotagem para lá do impecável. O argentino não tardou a alcançar e passar Behra, mas tinha 45 segundos de atraso para um StirlingMoss absolutamente impecável. Restava-lhe atacar ao máximo e esperar que o seu antigo colega de equipa cometesse um erro, e em 30 voltas, tudo poderia acontecer. Fangio pressionou e pressionou, mas Moss demonstrou perfeitamente porque é que já se poderia considerar um dos grandes e nunca cometeu um erro até que, na dobragem ao seu colega de equipa CesarePerdisa, ambos se tocaram. Na verdade, o regular Perdisa estava com problemas de travões e tocou no inglês, deixando o capot do Maserati com tendência para abrir ligeiramente a alta velocidade, um handicap aerodinâmico (quem diz que os males da aerodinâmica vêm de agora…), e que permitiu a Fangio começar a ganhar cerca de dois segundos por volta. “Il Maestro” bateu consecutivamente os seus tempos mas, desta vez, não consegui alcançar Moss, que conseguia aqui a sua segunda vitória da carreira e se perfilava como um dos maiores adversários de Fangio na luta pelo título e no futuro. No terceiro lugar, terminou Behra, já a uma volta de atraso, enquanto Castellotti conseguiu levar o D50 de Fangio, graças a um bom trabalho do “chapeiro” até ao quarto lugar.

Se estas corridas eram menos interessantes por não serem disputadas ao segundo, como hoje em dia? Sim, seriam de certeza, principalmente para o espectador atual. Mas, na época, estes homens eram heróis, e estas recuperações ainda eram possíveis. E, nesse dia, assistiu-se a uma luta de gigantes.

CLASSIFICAÇÃO

POS. PILOTO CARRO VOLTAS TEMPO/DIF.

1 Stirling Moss MASERATI 100 3:00:32.900

2 Peter Collins FERRARI SHC

2 Juan Manuel Fangio FERRARI 100 +6.100s

3 Jean Behra MASERATI 99 +1 volta

4 Juan Manuel Fangio FERRARI SHC

4 Eugenio Castellotti FERRARI 94 +6 voltas

5 Hermano da Silva Ramos GORDINI 93 +7 voltas

NC Robert Manzon GORDINI 90 NT

6 Elie Bayol GORDINI SHC

6 Andre Pilette GORDINI 88 +12 voltas

7 Cesare Perdisa MASERATI 86 +14 voltas

8 Horace Gould MASERATI 85 +15 voltas

NC Louis Rosier MASERATI 72 NT

NC Eugenio Castellotti FERRARI 14 NT

NC Maurice Trintignant VANWALL 13 NT

NC Harry Schell VANWALL 2 NT

NC Luigi Musso FERRARI 2 NT