Fórmula 1: Uma temporada imprevisível
O Campeonato do Mundo de Fórmula 1 de 2020 terá o seu início no próximo fim-de-semana, quase quatro meses após o planeado, e será uma época diferente que terá exigências diversas e impactos distintos das temporadas antecedentes. Mas quais serão?
O Grande Prémio da Áustria, que se realiza dentro de poucos dias, marca o começo do campeonato mais desafiante da história da Fórmula 1. Até delinear o calendário mostra ser um enorme desafio, não tendo as equipas, pilotos, FOM, etc, sequer a certeza de quantos eventos haverá este ano – o mínimo são quinze, mas poderemos ter até dezoito, isto se a pandemia da COVID-19 não obrigar a que tudo seja revisto.
Normalmente, uma época de Fórmula 1 começa a meados de Março e termina no final de Novembro, início de Dezembro, disputando as equipas cerca de vinte corridas em trinta e sete semanas, ao passo que este ano existe a perspectiva de realizar dezoito provas em vinte e quatro semanas, o que da uma média de três Grandes Prémios a cada quatro semanas.
Só este cenário colocará pressão de diversas ordens sobre equipas e pilotos, mas existem outros factores a condicionar os habituais protagonistas da categoria máxima do desporto automóvel.
Todos os membros do paddock terão de respeitar medidas estritas de distanciamento social, assim como usar máscaras com o intuito de diminuir as possibilidades de contágio pelo novo coronavírus, sendo ainda obrigados a manter-se em confinamento, o que impedirá o contacto até entre alguns membros da mesma equipa.
Tudo isto criará uma realidade que todos terão de enfrentar, podendo ser determinante para o desfecho do campeonato.
O ritmo de desenvolvimento será profundamente alterado, uma vez que as equipas, com um fim-de-semana de folga a cada três corridas, terão menos tempo para analisar dados e traçar caminhos para fazer evoluir os respectivos monolugares.
Charles Leclerc reconhece a dificuldade e aponta que o trabalho do piloto em pista será determinante para que as opções desenvolvimento escolhidas sejam as mais correctas. “Será uma temporada difícil para todos, dado que, assim que começar não parará e não teremos pausas para desenvolver o carro mais que os outros.
Penso que o trabalho em pista será extremamente importante e mais do que qualquer outro ano, dado que vamos passar muito tempo em pista assim que a época tiver o seu início.
Será muito determinante estar focado e pronto desde a primeira corrida e nós, os pilotos, precisamos de dar o ‘feedbak’ certo à equipa e tentá-la ajudar a seguir o caminho certo”, apontou o jovem da Ferrari.
Mas se o desenvolvimento terá de ser feito de uma forma diferente, também a produção de componentes sofrerá um impacto com a situação actual. Por um lado, as medidas de distanciamento social nas fábricas – com um número inferior de colaboradores nas instalações – os prazos de produção são mais elevados; por outro, com a concentração de eventos, qualquer acidente ou qualquer problema de fiabilidade num componente, poderá colocar em risco a participação de uma equipa num Grande Prémios devido a falta de peças suplentes. “É muito importante aumentar a produção para os cem porcento, dado que, como se pode imaginar, para realizar oito corridas em dez semanas são necessárias muitas peças suplentes para que possamos estar preparados para acidentes ou para problemas técnicos, para garantir que atravessamos esses fins-de-semana com o mínimo de dificuldades possível”, salientou Andrea Seidl, o director desportivo da McLaren.
Mesmo no que diz respeito a questões operacionais tudo será diferente.
Para além de todo o trabalho que é exigido a todos os membros de uma equipa, agora, mecânicos, técnicos e engenheiros – número que não poderá ultrapassar os oitenta membros – terão ainda de se preocupar com todos os protocolos instituídos para combater a disseminação da COVID-19, o que acabará por ser uma distração que deixará todos propensos a erros.
Segundo Laurent Mekies, só uso obrigatório de máscaras terá um impacto fortíssimo na forma como as equipas trabalharão. “De uma forma muito básica, o maior desafio, especialmente para os rapazes das boxes, será usar sempre a máscara. Temos de nos começar a habituar, uma vez que está a tornar-se parte da nossa vida.
Usamos na fábrica e no escritório, mas uma coisa é usá-la num ambiente destes, outra é usá-la quando estão 40ºC ou quando está muito calor na pista, portanto, acreditamos que seja esse o principal desafio”, afirmou o director desportivo da Ferrari que acrescentou: “Estamos a tentar assegurar algumas medidas, em termos de exercícios de respiração, sendo instituídas algumas pausas para haver tempo para efectuar estes exercícios e mantê-los (n.d.r.: os mecânicos) na melhor forma possível”.
Com isto em mente, o aumento de uma hora no recolhimento previsto para este ano acabou por ser adiado para 2021 pela FIA para permitir aos mecânicos períodos de exercícios de respiração sem máscara.
O francês da Ferrari sublinha ainda que com o limite de membros em pista, oitenta, as equipas serão obrigadas a fortalecer as operações realizadas à distância. “É um incentivo para reduzirmos os números de modo a fazermos o máximo de coisas remotamente. Como sabem, temos uma boxe remota para apoiar as nossas operações, portanto, tudo o que podemos, fazemos remotamente e tenho a certeza de que as restantes equipas estão na mesma situação”, apontou Mekies.
Como é compreensível, todas as estruturas estão a tomar as medidas necessárias para que toda a situação tenha o menor impacto possível ao longo de um evento, mas existem cenários que dificilmente serão ultrapassados.
São diversas as operações de boxes que demorarão muito mais a ser executadas, como por exemplo a troca de uma unidade de potência, que levará o dobro do tempo a ser realizada, o que poderá impedir que as equipas troquem de propulsor entre a primeira e segunda sessões de treinos-livres para protegerem os “V6 turbohíbridos de corrida”, o que poderá ter implicações na fiabilidade na ponta final da temporada.
Para além disso, com todas as condicionantes a que têm de se submeter, os mecânicos serão mais propensos a erros de execução, o que poderá originar mais abandonos devido a componentes montados deficientemente ou problemas nas paragens nas boxes.
Por seu lado, os pilotos estarão protegidos no desempenho das suas funções – pilotar no máximo da sua habilidade – mas a dinâmica da temporada poderá alterar a sua abordagem.
Sem que o calendário esteja terminado e sem ser conhecido o número de provas, a relação risco/recompensa altera-se substancialmente, podendo um risco assumido no momento certo e bem-sucedido ter uma recompensa superior ao habitual, uma vez que existem menos pontos em liça.
No entanto, uma desistência devido a um erro de pilotagem terá um preço muito superior, dado existirem menos oportunidades para recuperar.
Charles Leclerc considera que alguma da cautela que normalmente os pilotos mostram poderá desaparecer, assumindo abordagens mais arrojadas nas mais diversas situações. “Com menos corridas, vamos arriscar um pouco mais. Portanto, poderemos ter algumas surpresas e poderá ser mais excitante assistir.
Tenho a certeza de que a Mercedes e o Lewis (Hamilton) ainda são os favoritos, mesmo num campeonato com apenas oito corridas. Será difícil batê-los.
“Provavelmente, arriscarei um pouco mais em pista, com estratégias arriscadas, ultrapassagens arriscadas e talvez seja recompensado ou não”, afirmou o piloto da Ferrari.
Fica claro que o “Campeonato da COVID-19” será muito diferente dos seus predecessores, mas isso não significa que seja pior, podendo ser uma temporada seja de volte-faces inesperados em que o desfecho final seja muito distinto das previsões feitas antes do seu início e tudo isto devido a uma componente humana mais forte.
No próximo fim-de-semana já poderemos ter um vislumbre daquilo que nos espera…