Fórmula 1: Quo Vadis, Williams?

Por a 3 Setembro 2020 14:25

A segunda equipa mais titulada da Fórmula 1 a seguir à Ferrari foi vendida e agora o seu nome arrisca-se a desaparecer. Claire Williams, a vce-diretora da equipa resignou, a família afasta-se do controlo da equipa que pertence agora à Dorilton Capital.

Há uns anos para cá a equipa continuava a ser arrastada pela lama da amargura e da falta de dinheiro, tendo sido uma de duas equipas que em 2019 perderam dinheiro. Os dias de glória da formação criada por Sir Frank Williams perderam-se na poeira do tempo e 2020 era decisivo para a Williams F1 Grand Prix Team sobreviver. Mas foi vendida e embora para já o nome Williams se mantenha, não se sabe como será num futuro a médio prazo.

O caminho até aqui (texto recuperado, de janeiro de 2020)

Quando decidi fazer esta ‘estória’ em redor da Williams fui ao ‘armário’ da memória e quase regressava ao ventre da minha mãe, onde me agitava sempre que um motor rugia. Quase regressei a esses tempos de antanho para recordar os dias de glória da Williams. Lembro-me de pedir ao meu professor para comprar o AutoSport , tinha tenros 12 anos. Recordo como se fosse hoje a capa sobre as 24 Horas de Le Mans com o Rondeau preto com as cores do Le Point e a capa onde estava o Williams FW07 com efeito de solo com Alan Jones a conquistar o seu primeiro e único título mundial de pilotos e o primeiro de nove coroas de campeão de construtores conquistados pela formação criada por aquele que hoje é Sir Frank Williams.

Esta imagens bailaram na minha mente com carinho ao passo que desfolhava o livro das memorias e da estatística global da Williams. Como disse, foram nove títulos de construtores: 1980, 1981, 1986, 1987, 1992, 1993, 1994, 1996 e o último em 1997. Pelo caminho, sete títulos de pilotos: Alan Jones em 1980 (5 vitórias Keke Rosberg em 1982 (1 vitória), Nelson Piquet em 1987 (3 vitórias), Nigel Mansell em 1992 (9 vitórias), Alain Prost em 1993 (7 vitórias), Damon Hill em 1996 (8 vitórias) e, finalmente, Jaques Villeneuve em 1997 (7 vitórias). Ou seja, a Williams não ganha um campeonato de construtores e de pilotos há 23 anos! Contas feitas, a Williams participou em 744 corridas (falhou 36 provas) ao longo de 44 temporadas (1975 a 2019), já teve 10 fornecedores de motores diferentes (185 provas com a Renault, 121 com a Mercedes, 114 com o Ford Cosworth DFV, 103 com a BMW, 65 com a Honda, 56 com a Cosworth, 52 com a Toyota, 16 com Judd, Mecachrome e Supertec), utilizou 68 pilotos e 50 carros diferentes.

No palmarés tem 114 vitórias – ainda é a terceira equipa mais vitoriosa da Fórmula 1 atrás de Ferrari e McLaren – 128 pole positions, 133 voltas mais rápidas, 312 pódios e 33 dobradinhas. Anotou 3.561 pontos, liderou 7.584 voltas (igual a 35.241 km) e cumpriu, em corrida, 75.602 voltas que correspondem a 365.364 km. Perante um palmarés desta riqueza que lhe permite estar à frente de equipas como a Mercedes, nas estatísticas da Fórmula 1, seria de esperar que a Williams fosse uma das protagonistas da disciplina máxima do desporto automóvel. Mas ao invés da equipa que me habituei a ver ganhar e a trazer inovação para a Fórmula 1, hoje temos uma caricatura daquilo que Frank Williams criou no já longínquo ano de 1975.

RESILIÊNCIA É PALAVRA CHAVE

Durante 2019, a Williams só deu nas vistas pela rapidez dos seus resilientes mecânicos que lutaram todo o ano pelo título de “equipa mais rápida a fazer um pit stop”, perdido para a Red Bull. Terá sido a única coisa positiva do ano de 2019 para Claire Williams e seus comandados, pois tudo o resto foi mau demais: chegaram atrasados aos testes de inverno em Barcelona e com um carro inacabado que deitou para o lixo dois dias de trabalho; apesar da presença de Paddy Lowe, o FW42 foi mal concebido e era muito lento, sendo impossível de reverter a situação; o controlo de qualidade da fábrica da Williams deixou muito a desejar; amealharam um único ponto, e devido à desqualificação da Alfa Romeo no GP da Alemanha, e, sem surpresa, fecharam a temporada no último lugar dos construtores. Apesar de tudo isto e de quererem esquecer o “annus horribilis” que foi 2019, Claire Williams e o piloto “emprestado” pela Mercedes encontraram pontos positivos. “A resiliência da equipa é simplesmente extraordinária!”

Não se cansa de dizer a filha de Sir Frank Williams, com o prodígio George Russell a sublinhar isso ao dizer: “É incrível, apesar de tudo o que nos aconteceu, estes tipos continuarem com um sorriso na cara todos os fins de semana de corridas! Este é um grupo que já lutou por pódios e apesar do que passam hoje, não desistem. Por isso, pessoalmente, sinto-me verdadeiramente motivado para me tirar deste lamaçal e acredito que a equipa vai continuar a trabalhar duro para resolver cada problema, cada dificuldade.”

DECLÍNIO COMEÇOU HÁ DÉCADAS, BATEU NO FUNDO EM 2019

Após o segundo lugar de 2003 com os motores BMW, a Williams encontrou um degrau partido na escada de ascensão ao topo, caindo desamparada pela perda dos motores BMW, tendo depois uma experiência interessante com os motores Toyota, a dupla utilização dos desatualizados motores Cosworth e um regresso ao passado com os blocos Renault.

Agarrou-se com unhas e dentes à Mercedes em 2014, quando a era híbrida chegou à Fórmula 1 e parecia que a Williams estava de regresso aos primeiros lugares. Assinou dois terceiros lugares com 320 pontos em 2014, 257 pontos em 2015 e 138 pontos em 2016. Claro, a superioridade dos motores da Mercedes nessa época escondia a debilidade que a Williams exibia há muito tempo. A “máscara” só caiu em 2017 (depois de dois 5ºs lugares) quando a superioridade dos motores alemães foi desaparecendo.

As equipas que ficavam atrás da Williams foram-se reforçando e evoluindo e a equipa britânica voltou a desequilibrar-se e a queda foi mais violenta: marcou 83 pontos em 2017 e no ano seguinte a tragédia foi absoluta com apenas 7 pontos registados e o último lugar entre os construtores. Não parecia ser possível cair mais, mas a Williams ainda não tinha encontrado o chão e em 2019 registou, apenas, um pontinho! E graças a uma desclassificação!

MUDANÇAS SEM EFEITO, MAIS A CAMINHO

Claire Williams teve a perfeita consciência que 2019 poderia ser quase trágico depois do começo de época tão atribulado, não só porque o carro mal saiu para a pista deu péssimas indicações – manteve-se lento ao longo da temporada e sempre a mais de um segundo dos outros –, Robert Kubica começou a queixar-se muito cedo (ainda em Barcelona), a conta bancária estava pouco forrada de dólares, a maré estava muito baixa na fábrica e no stock de peças a qualidade estava muito acima do par face aos concorrentes. Neste contexto, todos evitaram procurar os limites pois o carro perdia peças e Kubica acabou por ter um despiste estranho devido a fadiga de material.

Claro que Claire Williams quis agitar as águas e depois de “despedir” Paddy Lowe, através de algumas frases assassinas ditas em declarações à imprensa, encontrou recursos para a equipa apresentar uma evolução do FW42 na Alemanha. Mudou quase tudo em termos de fundo plano, “bargeboards”, asas e asinhas… “a equipa pensava que seria suficiente pelo menos para lutar com as equipas do meio do pelotão. Não foi, e a partir da Alemanha já sabíamos que o resto do ano estava reservado para o carro de 2020”, explicou George Russell.

O pacote aerodinâmico não resultou, a diferença para os outros continuou acima do segundo por volta e o canto do cisne da Williams deu-se quando surgiu mais uma asa dianteira que acabou na prateleira, já que sem estar integrada no pacote aerodinâmico do carro, não funcionou. Perdida há muito a temporada de 2019, Claire Williams decidiu investir no carro de 2020, colocando a maioria dos 635 colaboradores a trabalhar no futuro. Ao mesmo tempo, fez uma engenharia financeira ao vender a maioria do capital da equipa de Fórmula 1 à Williams Advanced Engineering (WAE), mitigando, assim, o prejuízo apurado de 25 milhões de dólares. Mas esta venda só aconteceu porque Mike O’Driscoll, o CEO do Williams Group, vendeu grande parte do capital da WAE ao fundo de investimento EMK Capital que, assim, segundo o CEO do grupo, “vai permitir manter a equipa de Fórmula 1 e o ritmo de desenvolvimento de novas tecnologias, pois a EMK Capital tem um registo de sucesso apreciável nesta área.” Portanto, o grupo Williams resume-se a participações minoritárias na formação de Fórmula 1 e na WAE, salvando assim ambas as empresas, nomeadamente esta última, que conheceu alguns problemas depois de perder o fornecimento das baterias para a Fórmula E, onde foi fornecedor exclusivo entre 2014 e 2018. A filha de Frank Williams fez muito esforço para que o teto orçamental fosse aprovado e depois de gastar 150 milhões de dólares em 2019, mesmo que o investimento seja o mesmo, os outros vão estar bem mais perto devido ao teto de 175 milhões e há possibilidades, concretas, da Williams surgir mais forte em 2020.

Apesar de alguns revezes como a saída da Rexona do grupo de patrocinadores, tal como a Orlen (que seguiu com Robert Kubica para o lugar de piloto de testes da Alfa Romeo), Claire Williams está decidida a mudar. Parou com o investimento em 2019 bastante cedo, e usou os erros cometidos para aprenderem e focarem o departamento de projeto no carro de 2020.

Ninguém que conheça bem a história da Fórmula 1 concebe a disciplina sem a Williams e todos acreditamos que a equipa britânica de Grove bateu mesmo no fundo, pelo que agora só pode recuperar. É verdade que o dinheiro da Liberty será menos, não só devido ao 10º lugar, mas porque a Liberty ganhou menos dinheiro que o previsto e por isso o bolo é mais pequeno. Também é verdade que pode haver uma debandada de patrocinadores, mas George Russell é uma aposta de futuro e assegura os motores Mercedes. A chegada de Nicholas Lattifi é sinónimo de dinheiro fresco, curiosamente, vindo dos bolsos de outro milionário canadiano como já tinha sucedido com Lawrence Stroll e o seu filho Lance Stroll.

Os milhões que o canadiano carrega consigo vão permitir que Claire Williams possa sobreviver. “Estamos a reposicionar e a reestruturar a equipa há 14 meses, um processo que tem sido longo e que não oferece resultados da noite para o dia. Mas, lentamente, estamos a ver frutos do trabalho destes meses.”

QUAIS OS PROBLEMAS DA WILLIAMS?

Para lá da falta de dinheiro crónica devido às más prestações – basta ver que a Rokit dá o nome à equipa e paga “apenas” 20 milhões de dólares, tendo a Mercedes e a Orlen em 2019 pago 30 milhões de dólares e a Liberty entregue 60 milhões de dólares –, a Williams sofreu muito com os problemas experimentados com o túnel de vento. Numa situação muito parecida com o sucedido com a Ferrari há uns anos, tudo aquilo que era feito pelos engenheiros de aerodinâmica no túnel de vento não tinha correspondência em pista. Ou seja, o desenvolvimento virtual não rimava com o real.

“Havia aspetos que estavam totalmente errados e tivemos que ir desenvolvendo soluções nos treinos livres, tendo como base um carro que estava errado desde o projeto”, explicou George Russell. Foi comum ver os Williams FW42 andarem nos treinos livres cheios de “flowviz” a parafina líquida colorida que mostra os fluxos do ar ao longo do chassis, mas com resultados pouco práticos, pois o chassis tinha erros de base provocados pelo túnel de vento. Imaginem uma forma de bolo com uma amolgadela no fundo. Se não for reparada, todos os bolos vão sair com essa amolgadela. Foi isso que sucedeu à Williams!

Recordemos 2018 e alguns dos inusitados despistes de Lance Stroll e Sergey Sirotkin. Muitos acusavam os pilotos de serem inexperientes e de terem pouco andamento, mas as culpas rapidamente se dirigiram para a aerodinâmica e para o chassis do carro. O chassis perdia apoio aerodinâmico nas zonas menos esperadas sem se perceber bem como e os despistes eram inevitáveis. Acreditava a Williams que estava resolvido o problema e com a chegada de Robert Kubica e da sua experiência, juntamente com a rapidez de George Russell, tudo fosse melhorar. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário, com o FW 42 a nunca passar a Q3 e sempre longe do último carro do pelotão. Foi então quando foi descoberto o problema com o túnel de vento que a Williams parou com o desenvolvimento, errado, do FW42 e concentrou todas as suas forças em recalibrar o túnel e desenhar um carro eficaz para 2020.

George Russell já falou sobre o novo carro e parece estar razoavelmente confiante. “Será uma enorme evolução! Levou muito tempo para refazer as bases do carro e acreditem que há muito tempo não víamos progressos em termos de apoio aerodinâmico nas medições do túnel de vento. Mas hoje tudo está diferente, para melhor, e os progressos que vemos no túnel de vento no carro de 2020 parecem-me muito promissores.

Não tenho muitas dúvidas que vamos crescer muito no próximo ano.” Claire Williams surge muito confiante: “Estabelecemos metas e conseguimos alcançá-las”, mas a verdade é que apesar da confiança da responsável, George Russell faz de ‘cheerleader’ com contenção: “Espero para 2020 poder lutar com mais frequência com os homens do pelotão do meio, mas não sei o que acontecerá. Realisticamente? Acho que vai ser mais um ano complicado, pois há equipas que deram mais que um par de passos em frente e só lá chegamos se equipas como a Haas, a Racing Point ou a Toro Rosso não evoluírem muito.

Se todos conseguirem ganhar tempo face a 2019, ficaremos mais ou menos no mesmo sítio.”

Robert Kubica, que saiu da Williams de costas voltadas para a equipa, não quis dizer muito, referindo, “tenho a minha opinião, mas reservo-a para mim”, uma frase que tem muito para se ler, até porque o polaco foi deixando ao longo do ano indicações de que nem tudo está bem na Williams ao contrário do que apregoa Claire Williams. Em Abu Dhabi, última corrida de 2019, andava a voar pelo “paddock” um rumor que o carro para 2020 já estava atrasado por dificuldades de produção de peças e, nas últimas semanas, fala-se de uma sangria de colaboradores.

O ano de 2020 será decisivo para a Williams e se em 2019 o único piloto a não pontuar foi George Russell, o britânico, que vive a 20 minutos de distância das instalações da Williams, continua a ser a maior motivação. “Vou todos os dias à fábrica, faço perguntas aos engenheiros, mostro a minha cara sempre risonha e tento mantê-los motivados!” Veremos se isso e o talento do piloto da cantera da Mercedes serão suficientes para ultrapassar a necessidade de ‘educar’ Nicholas Latiffi e de lidar com a pressão que a Williams vai sentir para obter resultados. Se a tendência for a mesma de 2018 e 2019, há o real risco da equipa fundada por Sir Frank Williams se desmembrar e encerrar portas após 45 anos de presença na Fórmula 1. Esperamos todos que isso não aconteça!

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