Fórmula 1: pódios são vitórias para a Ferrari, porquê?

Por a 6 Agosto 2020 14:28

Dizia alguém que “há dias que de manhã, não se devia sair á tarde para não estragar a noite” e no caso da Ferrari, a temporada de 2020 é um bocadinho assim, ou seja, o calvário que se perspetivava na madrugada do campeonato foi adiada para o recomeço após pandemia e no anoitecer da competição parece que se vai tornar pior.

Quando olhamos para a prestação da Ferrari em 2020, percebemos, imediatamente, que Mattia Binotto voltou a falhar e não vale muito a pena falar sobre a legalidade ou ilegalidade dos motores italianos em 2019, porque o problema continua a ser aerodinâmico e não mecânico. Aliás, basta ver os “onboard” dos Mercedes e dos Ferrari no complexo de Maggots, Beckets e Chapel para perceber onde reside a dificuldade dos carros de Maranello.

Mas mais preocupante para os “tifosi” é o facto da Ferrari celebrar pódios como se fossem vitórias! E com isto arrastar Sebastien Vettel pela lama, pois o quatro vezes campeão do mundo de Fórmula 1 – convirá sempre lembrar isto – anda a bater recordes negativos com dois 10º lugares registados em 2020 nos GP da Áustria e da Grã-Bretanha! Foram as únicas vezes que Vettel terminou nestas posições!

Já Charles Leclerc tem conseguido arrancar excelentes exibições com o que tem nas mãos, e já embolsou um segundo lugar e um terceiro lugar em quatro corridas, tendo na Grã Bretanha recebido uma ajudinha da sorte – Bottas furou e entregou-lhe o terceiro lugar – para sublinhar um excelente trabalho a mimar os pneus do seu Ferrari. De tal forma que merece um rasgado elogio de Mattia Binotto, algo pouco comum no agora ex-responsável técnico da Ferrari.

Se olharmos para o que foram estas quatro primeiras corridas da Ferrari, fica evidente que apenas um carro funcionou, o de Charles Leclerc. Curiosamente, o resultado da corrida inaugural do campeonato 2020 foi exatamente o mesmo da quarta corrida: Leclerc no pódio, Vettel em 10º, um Ferrari a ser rápido, o outro a ser lento.

Rasgam as vestes os mais fervorosos adeptos do alemão, clamando por justiça e acusando a Ferrari de estar a beneficiar o monegasco, aquele que vai continuar na próxima temporada, contra Vettel que vai sair em dezembro.

Mas não vale a pena, porque podemos olhar para o que aconteceu na segunda corrida da Áustria (colidiram os dois e ficaram fora de prova, algo inaudito, também) e o sucedido na Hungria, onde Vettel andou de candeias ás avessas com o Ferrari, mas conseguiu encontrar um acerto mínimo que o deixou salvar um sexto lugar, enquanto Leclerc lutou como um condenado para terminar fora dos pontos.

Então, o que é que se passa com a Ferrari, primeiro para celebrar pódios como vitórias e, depois, por que razão Leclerc tem dois pódios e Vettel está à mingua?

Quando Vettel ficou a quase um segundo daquilo que Leclerc conseguia fazer, percebeu-se que algo estava errado e o alemão fez tudo o que estava ao seu alcance: mudou parâmetros, alterou a forma como atirava o Ferrari de curva para curva, enfim, esgotou-se a tentar mudar o feitio de um carro que mais parecia um daqueles cavalos teimosos que quando embirram… nada os faz mudar de ideia!

As coisas na corrida foram ficando piores e quando um Ferrari não se consegue defender de um AlphaTauri, o esgar de dor nos “tifosi” é intenso e a vergonha alheia instala-se rapidamente em todos os que gostam da competição. E só não perdeu o décimo lugar porque faltaram voltas a Valteri Bottas, pois a diferença final ficou num piscar de olhos.

Claro está que os problemas com os pneus vieram logo à tona como justificação para o péssimo resultado de Vettel face ao terceiro lugar de Leclerc e a verdade é que o SF1000 chegou ao final da corrida com cortes nos pneus, já no limite da destruição. O que aliás, já tinha acontecido depois do Q2, quando foi autorizado que Vettel trocasse os pneus traseiros do jogo de pneus que tinha de usar na corrida, pois estes estavam totalmente destruídos.

No campo de Leclerc, o ritmo imposto e a capacidade de poupar os pneus mostraram que havia mais no SF1000 do que aquilo que Vettel mostrava. Mas mostrou outra coisa: o Ferrari SF1000 é um bicho caprichoso que não é domável de forma fácil! Isso é evidente quando um piloto se sente tranquilo e á vontade com o carro e o outro sente exatamente o oposto. Logo ai, há perda de tempo em pista, apenas pelo lado psicológico, depois há que compensar a menor potência do motor Ferrari, agora que joga pelas regras oficias, finamente, há que encontrar a afinação certa que o SF1000 não deixa descortinar.

A simulação em Maranello dizia que os carros deveriam ter pouca carga aerodinâmica e, pela primeira vez em 2020, a Ferrari levou dois SF1000 com essa configuração. Os mais otimistas lançaram foguetes quando viram os carros vermelhos no topo das tabelas de velocidade, acreditando que estavam de volta os “rocket” italianos. Leclerc fazia melhor em reta que Vettel, algo normal pois não há dois motores iguais e, aqui sim, a Ferrari pode ter entregue ao monegasco um motor mais “saudável”.

Apesar de ter entrado com o pé esquerdo na primeira sessão de treinos livres, a verdade é que os Ferrari conseguiam ir escondendo algumas dificuldades por terem pouco apoio aerodinâmico. É que nas curvas rápidas, os Ferrari ficavam longe dos Mercedes.

Mas foi esta afinação que permitiu a Leclerc chegar ao pódio – e o furo no carro de Bottas, claro! – pois o problema dos Pirelli não era o desgaste provocado pelo escorregar constante do carro de curva para curva, mas sim a velocidade em curva que infligia tratamento agonizante às paredes laterais dos pneus. Ora, curvando mais devagar devido ao menor apoio aerodinâmico, salvou a Ferrari de rebentamentos.

Por outro lado, conseguir levar os pneus à temperatura certa levava uma eternidade, especialmente, nos recomeços após a estada em pista do “safety car”.

Para Vettel, nada disto funcionou: com pouca carga aerodinâmica, o carro não funcionava com o seu estilo de condução, estava pouco confortável nas zonas mais velozes e analisando o GPS, Sebastian Vettel conheceu vários momentos “quentes” na zona de Maggots, Beckets e Chapel, perdendo muito tempo para os adversários. Claramente, aquilo que o simulador entendeu ser o melhor para o SF1000, não servia o alemão, que começou a desenhar um fim de semana de miséria na qualificação ao ficar a quase um segundo do seu colega de equipa, falhando a Q3 – e como referi acima, teve de mudar os pneus traseiros do jogo de pneus para a corrida – e na corrida perdeu mais de 23 segundos para Leclerc e quase perdia o 10º lugar para Valteri Bottas que fez mais uma paragem e quase uma volta com o pneu da frente esquerdo destruído! Claramente, a afinação do SF1000 para Silverstone não serviu os interesses de Vettel e no próximo fim de semana, regressamos à pista britânica. Será que a análise dos dados do carro do alemão, prometida por Mattia Binotto, trará alterações ao carro? Ou voltará a Ferrari a meter o pé na poça outra vez? Conseguirá a equipa italiana manter o nível e deixar Leclerc confortável e capaz de lutar pelo pódio, numa corrida onde não se espera que hajam problemas com os pneus, pois vão existir, certamente, mais paragens? A resposta no domingo ao final da tarde.

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