Fórmula 1: O estranho caso de 2020

Por a 28 Dezembro 2020 10:34

2020 começou com muitas promessas, tornou-se num pequeno pesadelo mas no final acabou por dar uma excelente época de F1. Vimos jovens promessas a afirmar-se, estrelas a brilhar, pilotos a inscreverem o seu nome pela primeira vez na lista de vencedores, pistas recuperadas ou novas a oferecerem excelente espetáculo. Vimos uma época que merecerá ser recordada por muitos anos.

A época começou com o rótulo de última deste conjunto de regulamentos. Com as mudanças agendadas para 2021, as equipas encaravam este ano como a última tentativa de ter sucesso, ou apenas como um ritual de passagem até uma nova era que se espera mais competitiva. A chegada da COVID-19 adiou tudo e 2020 passou a ser um ano de sobrevivência.

Os testes de Barcelona não trouxeram grandes novidades, mas foram recheados de pontos de interesse. O domínio da Mercedes não iria ser desfeito mas do lado da Red Bull, havia motivo para algum otimismo e a unidade motriz da Honda parecia ter agora mais argumentos.  Na luta do meio da tabela, a McLaren apresentava um monolugar equilibrado, a Renault tentava evitar os erros do passado mas era a Racing Point que dava que falar. A equipa abandonou por completo o conceito do ano passado e apresentou um carro de desde início levantou suspeitas pelas semelhanças com o Mercedes do ano passado. A Williams dava sinais de recuperação, apesar de ainda longe dos lugares da frente e a Haas mantinha a toada fria do ano passado. Mas quem levantava as maiores interrogações era a Ferrari. A Scuderia acumulou muitas voltas mas com um ritmo muito modesto que levou a pensar que a equipa poderia estar a fazer bluff, algo que não se confirmou.

O Grande Circo foi até Melbourne mas já o mundo começava aos poucos a perceber a triste realidade que iria enfrentar durante o resto do ano. O Sars Cov 2, um novo coronavírus, foi encontrado na China, onde desde Dezembro os termos isolamento e confinamento eram usados. Em março a propagação do vírus atingiu a escala mundial e a epidemia passou a pandemia. Ainda com o mundo sem saber o que fazer, a F1 tentou seguir em frente e tudo estava preparado para que a primeira corrida do ano acontecesse normalmente. No entanto a McLaren anunciou que alguns elementos do staff testaram positivo para a Covid-19 o que mudou radicalmente o cenário. Depois de vários episódios onde o desnorte ficou evidente a F1 e os organizadores cancelaram o evento quando faltava pouco para o treino livre 1. Foi um cenário vergonhoso que roçou o ridículo, mas que ditou a paragem no campeonato, ao mesmo tempo que o mundo entrava em modo de hibernação.

Seguiram-se semanas de incerteza, com uma nuvem negra a pairar sobre a F1. Haveria campeonato este ano? Conseguiriam as equipas sobreviver a esta paragem ou a um eventual cancelamento da época? Enquanto tudo isto era avaliado a F1 fez o que melhor saber fazer… adaptou-se e reinventou-se. AF1 e a FIA tentavam delinear um calendário com um mínimo de 15 corridas (para garantir os largos milhões das transmissões TV), as equipas colocavam os seus engenheiros a procurar soluções inovadoras para ajudar na luta contra a COVID 19. Além disso vimos os simuladores a serem o centro das atenções com os pilotos e equipas a conseguirem entreter os fãs e mostrarem que este tipo de plataformas poderão ter cada vez mais peso no futuro.

O passar das semanas trouxe a esperança do desconfinamento e com isso iam chegando boas notícias. A F1  colocou em cima da mesa um calendário adaptado que para nossa alegria contemplava o regresso a Portugal. 24 anos depois a F1 voltava a solo nacional, para experimentar pela primeira vez o carrossel de Portimão, uma oportunidade única de mostrar ao mundo o fantástico traçado algarvio.

A época começou como terminou a anterior… a Mercedes a dominar, com a caminhada para o título a revelar-se um autêntico passeio. Lewis Hamilton estava demasiado forte para a concorrência e o seu colega de equipa Valtteri Bottas não mostrou o suficiente para fazer suar o britânico… mais uma vez. Bastaram três corridas para que Hamilton se isolasse na frente e nunca mais fosse incomodado. Bottas manteve a toada como segundo mais rápido, mas de Silvrestone a Monza  chegou a estar atrás de Max Verstappen. Os ares de Itália fizeram mal ao holandês que ficou mais longe do segundo, mas reaproximou-se nas passagem por Alemanha e Portugal. A nova visita a Itália voltou a ser madrasta para o #33 que viu Bottas escapar definitivamente. Vimos nova reaproximação no Bahrein mas o top 3 estava assim definido desde início, quer no campeonato quer nas corridas em que esta combinação se repetiu na maioria das provas. Hamilton sagrou-se campeão à 14ª corrida, na sua penúltima vitória da época, num total de 11 triunfos, igualando o número de título de Michael Schumacher e ultrapassando o número de vitórias do alemão no excelente GP de Portugal, ficando este regresso da F1 gravado a ouro. Bottas e Verstappen conquistaram duas vitórias cada e a diferença entre ambos ficou-se pelos oito pontos, enquanto que a diferença de Bottas para Hamilton foi de…124 pontos.

Se a luta pelo título ficou cedo resolvida e sem grande surpresa, a luta no segundo pelotão foi renhida até ao final. McLaren, Racing Point e Renault assumiram-se como as principais candidatas ao terceiro lugar, pois a Ferrari arrastou-se pelas pistas. A FIA descobriu que a Unidade Motriz italiana não estava dentro da legalidade… mas sem o conseguir provar, chegou a um acordo com a Scuderia, algo muito criticado pelas restantes equipas. No fundo a FIA disse que provavelmente o motor era ilegal mas sem provas concretas ficou-se por um acordo em que por um lado a Ferrari ajudaria a FIA em questões técnicas e regulamentares e por outro a FIA não diria nada sobre a unidade motriz italiana. Nas prática desde a implementação de regras mais restritas no controlo do fluxo de combustível a performance da Scuderia desapareceu e a filosofia usada no carro deste ano revelou-se incorreta. No ano em que festejaram o 1000º GP a Ferrari desiludiu e foi uma sombra do que pode e deve ser.

Também a Racing Point foi apanhada nas malhas dos regulamentos. O Mercedes cor de rosa como passou a ser chamado o carro da equipa canadiana levantou suspeitas às equipas, mas a FIA disse que não havia qualquer ilegalidade e que no todo, o carro não era uma cópia do W10 da Mercedes. Mas a Renault não ficou convencida e colocou um protesto onde se focava nos ductos de entrada de ar para os travões. A FIA, que tinha verificado o carro, afinal não verificou tudo e reconheceu que o desenho dos ductos era uma cópia e por isso era ilegal. Resultado? Uma multa de 400 mil euros e dedução dos pontos… do GP da Estíria, além de mudanças regulamentares para evitar este tipo de cópias no futuro.

Enquanto isso em pista a McLaren mostrou ser a melhor equipa, com uma dupla de pilotos competitiva e equilibrada. Lando Norris brilhou com o seu primeiro pódio na primeira corrida do ano e esteve ligeiramente mais forte na primeira metade enquanto Carlos Sainz se evidenciou na segunda metade. A Racing Point apesar de ter o melhor carro, foi afetada pela Covid 19 (ambos os pilotos ficaram infetados, o que levou ao regresso bem sucedido de Nico Hulkenberg) e as prestações algo dispares dos pilotos, com Lance Stroll a cair de forma na segunda metade da época impediu a equipa de capitalizar o bom trabalho feito no carro. Já a Renault apesar da melhoria de performance (muito graças à qualidade de Daniel Ricciardo) e do regresso aos pódios apenas pontualmente esteve na frente deste trio. Resultado  a McLaren ficou em terceiro de forma merecida, seguida da Racing Point e da Renault.

Destaques finais para as vitórias de Pierre Gasly em Monza, o coroar de uma excelente época do francês (afastando os fantasmas da despromoção da Red Bull) e de Sérgio Pérez, que com isso ( e com mais uma brilhante época), conquistou o lugar na Red Bull. George Russell confirmou o seu talento na chamada inesperada da Mercedes para substituir Hamilton (infetado com COVID-19), fazendo uma prova fantástica em Sakhir. Ricciardo e Charles Leclerc brilharam pelas suas equipas, Sebastian Vettel voltou a desiludir apesar de voltar aos pódios, na sua última época na Ferrari. Alex Albon não aproveitou a oportunidade e perdeu o lugar na Red Bull com um ano com poucos altos e demasiados baixos. Por fim menção a Romain Grosjean que na sua última corrida nos fez tremer mas nos mostrou que os milagres também acontecem na F1, no momento mais dramático do ano, que felizmente teve o final que todos desejavam.

Vimos grandes corridas, ficamos com a certeza que as pistas são fundamentais para um bom espetáculo, que Portimão é fantástico e todos adoraram a pista (os rumores do regresso continuam), vimos excelentes lutas em pista, grandes pilotos em ação e não precisamos de um calendário de 23 corridas para ter uma época emocionante. 2020 foi louco, mas valeu a pena seguir a F1.

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