F1/ WRC: Jovens campeões desapaixonam-se da competição cada vez mais cedo?
Já não é a primeira vez que vemos Max Verstappen a dizer que poderá não estar muito interessado em manter-se na F1 depois de 2027, que é quando termina o seu contrato com a Red Bull. Hoje tivemos a notícia que Kalle Rovanperä não vai fazer a época 2024 a tempo inteiro, desinteressando-se de defender o seu bicampeonato. São dois jovens, campeões, dois prodígios que nos mostram que algo mudou nos pilotos da nova geração… ou na competição.
Max Verstappen entrou na F1 em 2015. São nove épocas no Grande Circo, com 184 GP feitos. Max Verstappen está já no top 30 dos pilotos com mais GP feitos e apesar dos 26 anos, é já um piloto com muita experiência e muitas corridas. Mas Verstappen nunca mostrou grande interesse pelos recordes. Sempre que confrontado com a possibilidade de igualar ou bater o recorde de Lewis Hamilton e Michael Schumacher, o campeão neerlandês nunca pareceu com sede de superar esses números. E Verstappen vai referindo com cada vez mais regularidade que pretende experimentar novos desafios, que começa a ficar farto da sucessão infernal de corridas e do pouco tempo para fazer outras coisas. Ainda este fim de semana, em Las Vegas, disse de forma muito eloquente que todo o show à volta da F1 se tornava demasiado pesado e que era preciso voltar a focar no desporto, no que realmente interessa. E que o supérfluo exigia demasiada energia.
Kalle Rovanperä compete no WRC desde 2017, tendo passado pelo WRC2 antes de subir a mundial e fez à volta de 120 ralis desde 2011. Os dois títulos do jovem de 23 anos são claramente apenas o começo de uma história que pode ser de ouro. Mas Rovanperä não quis tentar quebrar o recorde de Sebastien Loeb de títulos consecutivos (seis), pelo menos para já. Não quis continuar a correr numa estrutura que é, neste momento, a mais forte do mundial de ralis e que lhe pode garantir todas as condições para se manter na frente. Rovanperä teve a coragem de fazer o que poucos pareciam acreditar e vai travar um pouco o ritmo, para descansar, recalibrar, fazer outras coisas, para regressar mais fresco. Não teve medo de parar, de quebrar uma série que era ótima. Vai fazer alguns ralis para manter a forma, mas quer desacelerar.
Dois campeões, dois prodígios, um com sinais recorrentes que poderá não fazer uma carreira demasiado longa na F1, e outro que não teve problemas em fazer uma pausa. Será que os jovens campeões têm pouca sede de vitórias e de bater recordes? Será que esta nova geração não tem a mesma intensidade e o mesmo crer que as anteriores? Não acreditamos muito nessa possibilidade, pois a grande maioria dos pilotos são autênticos animais competitivos e para chegar ao topo como eles o fizeram, é preciso ter talento mas também uma determinação rara de encontrar.
Então o que pode levar a este desencantamento que leva jovens campeões a pensar em sair mesmo no auge, ou até fazer uma pausa? Talvez estejamos a pedir demasiado dos pilotos. A F1 vai concluir este ano um calendário de 22 corridas, com o promotor da competição a querer colocar mais provas ainda. O WRC fez este ano 13 ralis por todo o mundo, o que pode não parecer um número elevado, mas que ainda assim é exigente para equipas e pilotos. E não podemos esquecer que estes pilotos competem de forma intensa desde tenra idade. A sua vida tem sido apenas e só competição de alto nível. O desgaste é tremendo. No caso de Rovanperä pode haver mesmo um desencantamento pelo campeonato que vive momentos complicados.
Num mundo em que a ideia de “mais é melhor” parece crescer, talvez os exemplos destes dois campeões faça pensar os responsáveis das competições. Mais não é melhor. Mais competição apenas serve para sobrecarregar equipas e pilotos, sem garantia de trazer mais espetáculo. Mais corridas impede que os pilotos possam desenvolver outro tipo de atividades. Não seria interessante ver Verstappen fazer Le Mans já? Alex Albon não vai fazer as 24h de Daytona porque a preparação da época começa mais cedo. A prova de endurance americana é no fim de janeiro.
Talvez pilotos com Verstappen e Rovanperä nos mostrem que as novas gerações querem fazer como os pilotos do passado, competindo noutras paragens. Chegar ao topo das competições de velocidade ou ralis, não quer dizer que não queiram fazer algo mais, algo diferente, algo desafiador, que lhes permita sair da zona de conforto. Talvez eles nos mostrem que este ritmo frenético de competição esgota demasiado cedo novos talentos e que é necessário encontrar outra filosofia. A nova geração poderá finalmente mostrar que é preciso repensar parte, ou a totalidade do motorsport para se tornar mais sustentável, não apenas na sua pegada de carbono, mas sustentável para os homens e mulheres que dele vivem. Para as crianças que desde cedo apenas vivem para a competição, como se fosse imperativo chegar ao topo antes dos 18. Os novos talentos talvez precisem de outros estímulos, de outros desafios, de novidade, para se manterem apaixonados pelo desporto. E talvez assim possam aumentar a nossa paixão. O que eles mostram e fazem pode ser mais do que desinteresse ou cansaço. Pode ser o catalisador para um desporto motorizado melhor.
Fotos: Red Bull Content Pool