F1: Será a Ferrari ainda capaz de salvar a época?

Por a 30 Julho 2020 15:43

Depois dum regresso de férias de verão de 2019, muito prometedor a Ferrari entrou numa espiral negativa, e quando este ano se pensava que tudo podia mudar, sim, mudou… mas para bem pior.

Não é segredo nenhum. Os problemas que assombram a Ferrari são cada vez mais evidentes e, para os adeptos da equipa de Maranello, não ter voltado a festejar um título desde 2008 só pode ser muito duro.

A temporada de 2019 terminou com um misto de sensações para a Ferrari, depois de um começo bastante atribulado, e 2020 tinha tudo para ser o ano em que a Scuderia ia empunhar as armas e apontá-las diretamente à Mercedes na luta pelo título, mas não é, de maneira alguma, o que está a acontecer. Quinta classificada no campeonato de Construtores e tendo Leclerc e Vettel conquistado apenas 27 pontos em conjunto, o cenário não parece nada animador.

Mas então o que se passa?

Vamos por partes. Recuemos até à temporada de 2019. Acabado o período de testes e todos os olhos estavam na Ferrari, com um carro bem desenvolvido ao ponto da quase perfeição. Sebastian Vettel chegou a descrever o SF90 como “inacreditável” no primeiro dia de testes em Barcelona, tendo conseguido colocar-se bem à frente da concorrência, e Charles Leclerc, que se sentaria pela primeira vez ao volante de um Ferrari, conseguiria também dar nas vistas. É claro que os tempos obtidos durante as sessões de testes não são totalmente relevantes, uma vez que não se conhecem as quantidades de combustível que cada carro leva a bordo nem as afinações aerodinâmicas em uso. Ainda assim, foi a Ferrari a marcar o ritmo e a fazer antever uma temporada, pelo menos, mais positiva do que a de 2018. A Scuderia saía dos testes como a equipa a bater.

Acabada a fase de testes e a F1 seguia para a Austrália para o GP inaugural da temporada. Grandes eram as expetativas para a equipa de Maranello e a surpresa foi, de facto, grande, quando a Mercedes fez o 1-2, levando Bottas e Hamilton a dominar a corrida. A falta de ritmo dos monolugares da Ferrari começava a ser ponderada, especialmente quando este não parecia tão equilibrado quanto o dos rivais da Mercedes, algo que a equipa atribuiu a más escolhas em termos de gestão de temperaturas e da unidade motriz.

O segundo GP do ano não correu melhor. Numa corrida em que se viu a possibilidade da conquista do lugar mais alto do do pódio, um problema nos cilindros motor do monolugar de Charles Leclerc levou a que o piloto monegasco tivesse um grave défice de potência na retas e à saída das curvas, o que o colocavam cerca de sete segundos mais lento por volta do que o seus rivais diretos. Ainda assim, o facto de ter liderado grande parte da corrida e ter terminado no terceiro lugar, levou a equipa a assumir que a má prestação na Austrália teria sido uma vez sem exemplo. O resto da história diz-nos o contrário.

Foi um momento decisivo na temporada. Foi um momento em que o elefante na sala foi subtilmente mascarado por uma boa prestação de Charles Leclerc que, por duplo azar, teve “apenas” um problema mecânico. Desde aí, levou bastante tempo até que a equipa percebesse realmente estar atrás dos rivais em termos de desempenho, sem que conseguisse sequer atribuir uma razão para tal.

Foi preciso chegar à segunda metade da temporada para que alguma luz começasse a brilhar. E brilhou! Diferentes configurações aerodinâmicas, maior estabilidade em travagem e maior downforce fizeram-se valer e as três corridas – terminada a paragem de verão – foram vencidas pela Ferrari, com vitórias em Spa, Monza e Singapura. As coisas pareciam encaminhar-se, e se a Scuderia não tinha um carro competitivo na primeira metade do campeonato, pareciam agora ter o pacote mais completo de todos.

Mas tudo o que é bom, também pode acabar depressa e o incrível desempenho do SF90 subitamente desvaneceu. Curioso ou não, a quebra pós-Singapura foi mais notória depois de terem sido levantadas questões sobre a legalidade da unidade motriz, mais especificamente no sensor de fluxo de combustível, embora tal nunca tenha sido provado. Pelo menos em termos públicos. Era claro que a Ferrari tinha o melhor motor da grelha, chegando a atingir um excedente de mais ou menos 20 cv em relação aos rivais da Mercedes. Mas, forçar o motor até este ponto teve as suas consequências, e isso acabaria por ser crucial na luta pelo título.

No entanto, nem tudo se resume aos défices do SF90. Avancemos então até ao GP do Brasil, naquele que foi, provavelmente, o ponto mais baixo da relação entre Vettel e Leclerc. Facto é que já não havia muito pelo que lutar no campeonato de construtores, mas havia, sim, para ambos os pilotos. Sebastian Vettel, como tetracampeão que é, não poderia deixar que o ‘miúdo’ Leclerc simplesmente chegasse e imediatamente ficasse à sua frente na tabela. Ver o seu reinado na Scuderia abalado por um novato não é algo com que se deva lidar bem e num último suspiro de desespero, em defesa da sua honra, Vettel arriscou demasiado. Foram muitos os momentos em que vimos o alemão a cometer erros infantis, mas o GP do Brasil trouxe ao de cima o pior de si, tendo eliminado as possibilidades de Leclerc alcançar o terceiro lugar do campeonato, se bem que as culpas deste incidente não podem ser 100% assacadas a só um dos lados. .

Chegamos a 2020. Uma nova oportunidade de redenção e de construir uma base sólida com as aprendizagens da temporada passada. Melhorar o positivo e reinventar o negativo. E era esse mesmo o propósito do novo carro: o SF1000, em celebração do 1000º GP que será disputado pela Scuderia neste ano, curiosamente em Mugello. O objetivo principal era construir sobre a unidade motriz, o ponto mais forte do SF90, e melhorar em todos os sentidos a suas capacidades aerodinâmicas, uma vez que as regulações neste sentido se mantiveram inalteradas. Já em termos de motores, uma alteração em relação aos reguladores de fluxo de combustível, deverá ter dado algumas dores de cabeça aos engenheiros de Maranello, mas estes teriam todo o interesse em demonstrar que isto em nada alteraria o desempenho do motor, dadas as suspeições levantadas na temporada de 2019.

O SF1000 foi apresentado com um motor redesenhado, incluindo uma nova tecnologia de pistões e uma câmara de combustão reformulada para aceder à nova regulação de duplo sensor de fluxo de combustível. Em teoria, nenhum problema aqui. Por outro lado, o balanço aerodinâmico foi extensivamente trabalhado com base nas deficiências bastante evidentes do seu precedente, principalmente na asa frontal, que apresentava um défice de força descendente na zona do eixo dianteiro.

Chegado o período de testes e a Ferrari não brilhou, antes pelo contrário. Os dados confirmavam o pior. Em comparação, a Scuderia chegaria a ficar atrás da Mercedes em cerca de 1,7s por volta. Muito se falou na possibilidade da equipa de Maranello estar a esconder um truque na manga, mas foi mesmo Mattia Binotto quem tirou todas as teimas, admitindo não estar otimista. Parecia que os esforços da Ferrari em adicionar downforce trouxeram, para além de estabilidade, atrito. Demasiado atrito. Atrito esse que obliterou toda a vantagem que os carros vermelhos traziam da temporada passada em termos de motor.

Qual não foi o espanto quando – sem que nada o fizesse antever e adicionando alguma água à fervura – a Ferrari anunciou a não renovação do contrato de Sebastian Vettel, em favor da contratação de Carlos Sainz, decisão que foi tomada unilateralmente. Podemos dizer que, até certo ponto, era esperado que fosse acontecer, mas não tão cedo. Não antes do início da temporada porque qual seria, a partir daí, a motivação de Vettel para correr se não por si próprio e para preservar o seu orgulho? Qual seria a motivação do alemão para defender as cores da Ferrari em detrimento do seu próprio ego? Muito provavelmente, poucas, ou se calhar, nenhumas.

Ainda assim, muito se esperava para o GP inaugural da temporada de 2020, na Áustria. Grandes eram as expetativas para finalmente ver o ritmo dos carros vermelhos num fim de semana de Grande Prémio e descobrir se haveria mesmo algum coelho para tirar da cartola. Mas não, não havia. E, ficámos a entender verdadeiramente a falta de otimismo de Mattia Binotto relativamente ao design do SF1000.

Essencialmente, o Red Bull Ring é um circuito misto que favorece uma afinação menos focada em downforce, quando comparado com outros traçados no calendário da F1. É também um circuito onde os pilotos passam 79% do tempo com o pé plantado no acelerador, apresentando três zonas de DRS, o que trouxe ao de cima as deficiências em termos de performance do SF1000.

Vettel e Leclerc admitiram que sentiam que o carro não tinha desempenho suficiente e que carregava um elevado nível de arrasto, o que foi evidenciado pela fraca prestação dos pilotos da Scuderia na sessão de qualificação. Vettel partiria da décima primeira posição, enquanto Leclerc não conseguiria mais do que um sétimo lugar na grelha, a 0,984s da Pole na Q3.

A surpresa chegaria no domingo, dia de corrida, quando nada fazia prever uma boa prestação de Charles Leclerc, combinada com uma estratégia perfeitamente ajustada aos recomeços pós-Safety Car. Seria de facto uma surpresa que nem o monegasco poderia esperar.

Um segundo lugar vindo do nada, depois duma enorme ‘carga’ durante a corrida com pneus ‘frescos’ nos momentos finais da corrida.

Sem dúvida uma jogada de mestre. Mas não havia razões para celebrar e toda a equipa percebeu isso. Vettel passaria a corrida com bastantes dificuldades, queixando-se inúmeras vezes da falta de equilíbrio do carro, algo que se tornou ainda mais evidente quando o alemão tentou uma ultrapassagem arrojada a Carlos Sainz, ficando Vettel a perder e não conseguindo melhor do que um décimo lugar no final da corrida.

Tal foi a desilusão que para o fim de semana seguinte, mais uma vez no Red Bull Ring, a Ferrari antecipou os upgrades que estavam previstos apenas para o GP da Hungria. Mas o efeito foi tudo menos notório, embora os pilotos da Scuderia se sentissem muito mais confortáveis com um carro “muito melhor do que na semana anterior”. As tabelas mostraram que desta vez os carros vermelhos corriam a mais de um segundo dos líderes Mercedes – numa das pistas mais curtas do calendário – e, chegada a qualificação, Charles Leclerc não passou da décima primeira posição, seguido imediatamente de Vettel no décimo lugar. Uma tarefa monumental para alcançar um lugar digno na corrida, mas sem grandes expetativas dado o atraso em relação à concorrência.

Domingo não foi brilhante. De todo. Na ânsia de subir no terreno, Charles Leclerc embateu no seu colega de equipa e ambos estariam fora de competição, numa corrida que lhes durou exatamente três curvas. Pior de tudo, as hipóteses de se conseguir algum termo de comparação com o fim de semana anterior foram completamente apagadas, ficando apenas os resultados nada animadores na sessão de qualificação.

Teríamos de esperar até ao GP da Hungria para ver algum efeito moderadamente positivo dos upgrades que, como se antevia, foram desenhados para este traçado que, em teoria, poderia favorecer os carros da Ferrari. Uma pista com um nível elevado de downforce em que apenas 50% do tempo é com o acelerador a fundo, seria a montra ideal para um carro que embora não se fizesse valer nas retas, poderia fazê-lo nas curvas. E fez-se valer. Vettel iria liderar a tabela na segunda sessão de treinos livres em que a chuva caía sobre o Hungaroring, e conseguiria alcançar o quinto lugar na qualificação, imediatamente seguido de Charles Leclerc em sexto.

Mas as celebrações rapidamente caíram por terra chegado o dia da corrida. Desta vez, uma péssima estratégia levou Charles Leclerc a calçar pneus macios num asfalto tudo menos propício para isso, dadas as temperaturas da pista e a quantidade de curvas que esta apresenta. Imediatamente o monegasco se manifestou, e mostrou o seu desconforto com os pneus que sobreaqueciam e formavam bolhas, algo que se poderia prever. Já Vettel, contrariou as ordens da equipa e calçou pneus médios, conseguindo manter-se à tona, caindo apenas um lugar na tabela.

O ‘circo’ da F1 parou durante um fim de semana, partindo depois para Silverstone. Mas será que poderemos ver algum sucesso por parte da Scuderia?

Como podemos constatar, não é possível atribuir a situação atual da Ferrari a um único ponto, mas sim a uma multitude de pequenos problemas que, quando combinados, se transformam numa enorme dor de cabeça. Um conjunto de más decisões tem levado a equipa de Maranello a cair cada vez mais na tabela, num ano que se esperava ser de sucesso. Começando pelo design do carro, que é lento e mais instável que o anterior, passando pela gestão dos pilotos e terminando em más estratégias durante as corridas, fizeram com que aquela que foi, outrora, a equipa dominadora da F1, ande hoje, não diremos, pelas ruas da amargura, mas pouco menos que isso.

Há, certamente, muita coisa que se pode fazer, e até já se vê movimento, principalmente na estrutura da equipa. Mas, como admite Mattia Binotto, a totalidade do projeto, principalmente ao nível do SF1000, tem de ser revista, e isso não é um problema que parte diretamente da estrutura da equipa. Mais ainda, a unidade motriz não poderá sofrer alterações até ao final da temporada, sendo apenas possível fazer ajustes em termos de fiabilidade. Pode, no entanto, antever-se que muito irá mudar durante as próximas semanas, mas serão essas alterações suficientes para salvar um campeonato que está quase perdido à partida?

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