F1: O que muda com o limite orçamental?
O impensável aconteceu e as equipas conseguiram entender-se e estabelecer um limite orçamental que começa a ser aplicado este ano. Mas que consequências práticas traz esse limite e como as equipas serão afetadas por ele?
Se a pandemia trouxe muita coisa má e muita dor de cabeça no desporto motorizado, em especial na F1, é também verdade que abriu uma janela de oportunidades que dificilmente se abriria de outra forma. O impacto da pandemia nos mercados e na competição faz-se sentir e as equipas grandes perceberam finalmente que os orçamentos cada vez maiores não são sustentáveis. Mais que isso, a F1, para se tornar apelativa a investimentos e novas equipas, teria sempre de baixar os custos, uma questão que ainda antes da COVID 19 era entendida, mas que ganhou mais força com o contexto atual. E assim, depois de no passado termos visto várias tentativas falharem, a Liberty conseguiu o feito de estabelecer um limite orçamental para as equipas e graças ao cenário que a pandemia trouxe, conseguiu baixar ainda mais o primeiro valor proposto.
As equipas terão agora de limitar os seus orçamentos a 145 milhões de dólares por época. Na verdade, o limite para esta época é de 147,4 milhões, pois o valor acordado foi para um calendário com 21 corridas, sendo que o número de provas no calendário aumenta ou diminui o limite orçamental, com cada corrida adicionada ou retirada a equivaler 1,2 milhões a mais ou a menos. O valor de base do limite cai para 140 milhões no próximo ano e para 135 milhões em 2022.
Falamos de valores bem abaixo dos 175 milhões inicialmente propostos. Na teoria isso permitirá que as equipas gastem menos e assim tenham o potencial de se tornarem em organizações lucrativas o que, olhando para a posição privilegiada no mercado e a exposição mediática que a F1 tem, faz delas alvos apetecíveis para investimentos, como já temos visto com a McLaren e a Williams. Mais ainda, permitirá que equipas mais pequenas possam ter uma palavra a dizer na competição. Já vimos grandes equipas começarem mal o ano, com um carro que não corresponde às expetativas, mas que depois vai sendo corrigido graças aos bolsos fundos que permitem esse trabalho. Com um limite orçamental as equipas não poderão gastar rios de dinheiro em desenvolvimento e terão de fazer uma gestão cuidadosa dos seus recursos. A eficiência das equipas passa assim a ter um papel determinante no sucesso. Em teoria temos equipas potencialmente mais saudáveis a nível financeiro e com um terreno mais nivelado para serem competitivas. Mas o que mais muda?
A diminuição do orçamento significará redução de custos por parte de algumas equipas e isso vem com a redução da estrutura, ou seja, cortes no pessoal. As equipas de F1 são compostas por centenas de pessoas, mas para cumprir com o acordado, algumas terão de diminuir o seu staff. Por um lado é mau pois, como no caso da McLaren, levou a despedimentos (embora o verdadeiro motivo para tal foi a situação financeira menos positiva da equipa), mas por outro permite um tipo de investimento diferente. A Ferrari “emprestou” pessoal à Haas, não atirando ninguém para a rua, e mantendo uma espécie de controlo no que já pode ser considerado uma equipa b, podendo também pensar em alocar recursos a outras series. A Ferrari está atenta ao endurance e à Indy e por isso este limite orçamental poderá fazer bem ao desporto motorizado em geral.
Claro que, como já podemos entender, as equipas não “dormem” e já estão a encontrar forma de não perder o poder que dinheiro traz, aplicando-o de outras formas. O regulamento do controlo de custos é composto por 47 páginas que detalha o que as equipas podem ou não fazer, mas na prática o que vai acontecer é que as equipas devem “determinar e comunicar os seus custos relevantes” à FIA.
Isto significa que as equipas terão de ser transparentes quanto aos seus custos e assegurar que tudo o que conta para o limite orçamental é referido, com regras que abrangem a forma como devem ser calculados nos casos em que outras empresas ou departamentos dentro de um grupo mais vasto prestam serviços.
A qualquer altura a FIA pode fazer uma auditoria e controlar se o que foi declarado corresponde à realidade. Outras das formas de controlo serão os olhares atentos das outras equipas. Se uma equipa suspeitar que um rival está a infringir os regulamentos , pode apresentar um protesto semelhante aos que são tradicionalmente feitos com base nas regras técnicas ou desportivas. A equipa queixosa terá de apresentar um relatório com provas válidas, em vez de suspeitas infundadas, nos primeiros quatro meses do ano seguinte à época em questão. Assim a FIA espera ter a “ajuda” de todas as equipas para monitorizar os gastos e quem melhor que uma equipa de F1 para tentar entender se outra está a tentar ludibriar as regras?
Caso os incumprimentos sejam provados (o que certamente nem sempre será o caso) serão emitidas sanções financeiras e várias reprimendas. Existe a possibilidade de reduzir o limite de custos do infrator em épocas futuras, assim como a capacidade de deduzir pontos no campeonato, limitar testes aerodinâmicos, ou mesmo banir equipas do campeonato. As punições podem ser aplicadas tanto a equipas como a indivíduos.
A nível mais prático, as equipas terão de enfrentar este ano uma realidade mais complicada. Com o orçamento reduzido, terão de trabalhar no carro deste ano e preparar o carro de 2022, fundamental para entrar com o pé direito na nova era. Assim, o equilíbrio entre gastar no carro deste ano e apostar no de 2022 será fundamental para as equipas terem sucesso a médio e longo prazo. Mas não só nesse aspeto as equipas terão novos desafios. O que até o ano passado era dado como adquirido poderá não o ser este ano. Os custos com peças de substituição começarão a ser tidos em conta, o que poderá aumentar a pressão nos pilotos, que não terão margem para errar tanto. Uma equipa que esteja perto do limite poderá ter de cortar em peças de substituição tentando fazer o carro durar mais tempo, um exercício nem sempre fácil num desporto onde as máquinas se desgastam rapidamente. A gestão das peças e do carro ganhará nova importância.
É uma F1 diferente a que nos espera nos próximos tempos, mas estas diferenças poderão ser a salvação de um desporto que até há bem pouco tempo parecia sem rumo e sem perspetivas de um futuro viável. As mudanças que têm sido feitas trouxeram um novo fôlego e permitem encarar o futuro com mais confiança. Estamos habituados a ver números espantosos na F1 e os orçamentos eram sempre de ficar de queixo caído. Apesar de ainda serem elevados, com este novo limite os orçamentos permitem melhorias significativas em várias áreas, mas também trazem novos desafios. Mas por uma vez, pensou-se na F1 em detrimento dos interesses individuais e isso sim é um bom sinal para o futuro.