F1: O que esperar dos novos regulamentos?
Este ano será introduzido uma das maiores alterações regulamentares de sempre na Fórmula 1, o que poderá criar uma profunda mudança de equilíbrios de força e terá novos focos de desenvolvimento, dando novos motivos de interesse à temporada que se vai aproximando.
Os responsáveis da categoria têm dois objetivos com este novo ciclo regulamentar – assegurar que os carros possam rodar mais próximos e, assim, maximizar as oportunidades de ultrapassagem e catalisar uma aproximação competitiva entre as diversas equipas.
Para este último, ainda antes do novo regulamento técnico ser introduzido, a FOM e a FIA implementaram em 2021 um teto orçamental e limitações ao desenvolvimento aerodinâmico, com constrangimentos ao tempo de túnel de vento e ‘runs’ no CFD, que começará a ter um impacto mais evidente este ano, mas que será mais eficaz nos próximos anos, promovendo uma aproximação consistente entre todas as escuderias.
Como desiderato final, os responsáveis pelos destinos do Campeonato do Mundo de Fórmula 1 pretendem que não seja a capacidade financeira a definir a competitividade de cada uma das equipas, antes aquelas que melhor dominam as áreas necessárias para vencer.
O primeiro objetivo, criar uma fórmula que promova as ultrapassagens, assenta no regulamento técnico com uma mudança de paradigma na forma como o apoio aerodinâmico é gerado.
Depois de efeito de solo ter sido limitado severamente em 1983, o downforce gerado pelos monolugares de Fórmula 1 era criado sobretudo através das asas, dianteira e traseira, havendo ainda o extrator aerodinâmico, situado no fundo, mas apenas na zona das rodas posteriores.
Esta forma de gerar apoio aerodinâmico cria muito “ar sujo” pelos carros, o que torna muito difícil que outro se aproxime e se mantenha na sua esteia ao descrever as curvas.
Depois de Ross Brawn e a sua equipa técnica, onde ainda pontifica Pat Symonds, terem analisado de forma metódica a situação, o inglês acabou por enveredar pelo caminho que muitos já apontava há muitos anos – regressar aos carros com túneis ‘venturi’, voltando os carros com efeito de solo.
Para além desta mudança de filosofia, também as asas, que se mantém, até por uma questão identitária, serão simplificadas e a parafernália de derivas colocadas entre as rodas dianteiras e os flancos desaparecem completamente.
Para termos ideia da mudança que as equipas tiveram de enfrentar, um monolugar de 2021, em média gerava um terço do seu apoio aerodinâmico através da asa dianteira, um terço através da asa traseira e o restante graças ao extrator aerodinâmico.
Com os carros de 2022 esta relação altera-se significativamente, com o fundo, através dos túneis ‘venturi’ a criar 65% de toda aderência aerodinâmica, a asa anterior a ser responsável por 10% e a asa posterior por 45%.
Para além, da revolução aerodinâmica pela qual os monolugares de Fórmula 1 foram sujeitos para este ano, também os pneus serão completamente diferentes, com a passagem das borrachas de 13” para as de 18”.
Esta alteração colocará às equipas diversos desafios, como é o caso da forma como passarão a aquecer os pneumáticos e mantê-los na janela correta de temperatura de funcionamento, um exercício que nos últimos anos se revelou determinante para a performance de cada monolugar.
Há ainda a questão da suspensão, que para poder fazer funcionar os novos pneus, terão de ser completamente redesenhadas, havendo já relatos do regresso aos sistemas “pull-rod”, como é aparentemente o caso da McLaren e da Ferrari, uma solução que tinha sido abandonada há já alguns anos.
Tudo isto concorre para que as equipas estejam a trabalhar numa ilha sem ter a mais pequena ideia de quais os objetivos a colocar-se.
Quando existe uma estabilidade regulamentar, cada equipa analisa o “delta competitivo” para as suas rivais, tem uma ideia de quanto normalmente evolui de um ano para o outro e pode traçar um valor preciso para alcançar a performance da sua rival de uma temporada para a outra, caso tenha os recursos e o “know-how” para isso.
Com uma mudança tão profunda, todas as estruturas começaram com uma folha em branco e não têm a mínima noção de que valores estão as suas adversárias à procura.
No limite, uma equipa pode ter alcançado todos os objetivos que colocou para o seu novo carro e chegar a Sakhir e perceber que tem o pior carro do pelotão.
Este cenário pode ser ampliado, caso alguma encontre um buraco no regulamento para explorar que escapou às restantes.
Quem não se lembra da temporada de 2009, quando a Brawn, uma equipa surgida dos despojos da Honda, conquistou os dois Campeonatos, o de pilotos através de Jenson Button, graças à interpretação do regulamento que foi introduzido nesse ano, que lhe permitiu apresentar a solução dos difusores duplos.
Enquanto a equipa dirigida por Ross Brawn subia desde o nono posto em 2008, ainda como Honda, para o topo do pódio, seguida da Red Bull, sétima na temporada anterior, a Ferrari e a McLaren, que lutaram pelos ceptros até à última corrida de 2008, na época seguinte caíam para quarto e terceiro, respetivamente.
A BMW, por seu lado, caia de terceiro para sexto, muito embora tenha prescindindo a meio do ano de desenvolver o seu carro para se concentrar completamente no seu monolugar de 2009.
Este é o tipo de impacto que o novo regulamento pode ter na competitividade relativa do plantel, muito embora existam alguns aspetos em que as equipas maiores continuam a ter vantagem.
Têm as melhores ferramentas de simulação e isso é determinante para encontrar as melhores soluções técnicas para um cenário em que o ponto de partida é uma folha em branca.
Para além disso, as maiores equipas começaram a fazer trabalho conceptual para o novo regulamento ainda em 2019, ainda antes de terem sido proibidas de laborar nos carros deste novo ciclo, uma limitação que foi implementada em 2020 para conter custos à luz da crise despoletada pela pandemia da COVID-19.
Acertar no conceito correto será ainda mais imperativo na era do teto orçamental, uma vez que, devido às limitações financeiras, de “runs” no túnel de vento e no CFD, recuperar de um mau início será ainda mais complicado e poderá definir toda a temporada de uma equipa.
No entanto, haverá áreas de grande desenvolvimento.
Nos últimos anos foram a derivas laterais colocadas entre as rodas dianteiras e os flancos os componentes onde as equipas mais centravam a sua atenção. Com estes dispositivos aerodinâmicos irradiados, será a zona inferior dos flancos, onde estão os túneis ‘venturi’, a área de grande atenção por parte dos engenheiros. Uma zona que não será muito visível para os adeptos, mas que poderá fazer a diferença competitiva.
Teremos, portanto, uma época cheia de indefinições que poderá trazer alterações significativas no equilíbrio competitivo do plantel e que deixa todos na expectativa até, pelo menos, ao Grande Prémio do Bahrein, o primeiro da temporada.