F1: O Halo “sagrado”
O ser humano é um animal de hábitos. Estão em minoria os que encaram a mudança de forma aberta e curiosa. Usualmente, as mudanças são vistas com reservas e interrogações. É assim também na F1, um mundo onde paradoxalmente, tudo muda a uma velocidade estonteante. Embora a F1 seja um desporto dinâmico, inovador e com um pensamento “fora da caixa”, este desafio de tentar encaixar mudanças, sejam elas profundas ou não, em sempre é bem vindo pelos fãs da F1.
O Halo foi também um desses casos. A F1 era considerada segura pela maioria, como se nos pudéssemos atrever a chamar seguro a uma actividade que implica andar a velocidades incompreensivelmente superiores àquelas a que o nosso corpo está de facto capacitado a suportar. É também este o fascínio da F1 e a admiração que temos pelos homens e mulheres que controlam máquinas que nos fariam molhar a cadeira na primeira curva a fundo. Infelizmente a F1 já nos mostrou várias vezes o seu lado negro e em 2014 deu-nos mais uma amarga prova disso. O acidente de Jules Bianchi, tirou-nos aquele que era considerado um dos grandes talentos para o futuro da F1 e roubou da sua família e amigos um jovem cheio de potencial. A questão da segurança voltou a surgir em força e o objectivo passou a ser a protecção da zona mais vulnerável do piloto… a cabeça.
A polémica introdução do Halo
O Halo foi a primeira proposta que foi conhecida e foi aquela que ficou, apesar dos esforços da Red Bull em encontrar uma solução mas estética, o Aeroscreen. O sistema foi baseado num projecto da Mercedes para aumentar a protecção da cabeça dos pilotos e como a FIA queria actuar o mais rapidamente possível (o acidente de Justin Wilson na IndyCar Series acelerou ainda mais processo), foi aproveitado e testado de forma intensiva para ser instalado em 2017. Mas as equipas e alguns pilotos mostraram-se contra a medida e a introdução do sistema foi adiada por mais 1 ano, mas 2018 marcou a entrada do famoso “chinelo” na F1.
Claro que para os fãs da F1 foi um golpe tremendo. Ainda mal recompostos das frentes “fálicas” do início da era turbo-híbrida e no ano seguinte à introdução dos regulamentos que tornaram os pneus maiores, os carros mais largos e as asas traseiras mais baixas (num resumo demasiado simplificado), fomos confrontados com um objecto completamente desproporcional. Vieram as críticas, os “memes”, a discussão sobre se a F1 deveria permanecer com o cockpit aberto ou não, se o Halo era de facto a melhor solução.
Muita tinta correu, mas o tom foi sempre negativo. Toto Wolff admitiu que cortaria o Halo com uma moto-serra se pudesse, a Red Bull encolheu os ombros e disse que tinha um sistema melhor e alguns pilotos afirmaram que prefeririam não ter o dispositivo instalado no carro. Até Niki Lauda, um dos grandes impulsionadores da segurança na F1, torceu o nariz.
Uma das vozes a favor foi a de Jackie Stewart, o homem que iniciou a revolução pela segurança na F1 e comparou as críticas do halo, às críticas nos anos 60 / 70 quando se começaram a introduzir sistemas de segurança como os cintos.
Pessoalmente também me vi obrigado a um período de reflexão. A imagem do Halo desagradou-me profundamente e sempre achei que a F1 conseguiria encontrar uma solução mais estética e eficaz que este artefacto. A ideia de um cockpit fechado não me causava impressão, mas este sistema retirava alguma beleza aquilo que considerava serem máquinas tão belas quanto rápidas. A segurança e a vontade de não voltar a ver cenas como as de 2014 levaram-me a encolher os ombros também e dizer “é mau mas é por uma boa causa”.
O que é o Halo?
O sistema foi desenvolvido pela FIA é constituído por uma estrutura em titânio, com 7 kg, capaz de aguentar uma força de 125kN, o equivalente a 12 Toneladas (o famoso autocarro inglês em cima de um F1), na sua parte superior, durante 5 segundos. O sistema foi feito para suportar o impacto de um pneu de 20 kg a 225 km/h e as suas especificações são superiores ao nível da força que tem de aguentar em relação, por exemplo, ao cockpit de um LMP. Foi testado a primeira vez em 2016 pela Ferrari para avaliar a visibilidade e o feedback foi positivo, (ao contrário do Aeroscreen da Red Bull que não agradou e incomodou os pilotos ). Os estudos da FIA mostraram que em 17 acidentes graves o Halo teria sido eficaz em 15 situações e neutro nas restantes duas. No entanto o sistema não teria sido eficaz no acidente de Bianchi e há dúvidas se teria evitado o acidente de Massa na Hungria. Mas estima-se que o Halo traga um aumento de segurança em 17%. Colocaram-se várias questões como a visibilidade ( a maioria dos pilotos não reportou problemas), o tempo de saída de emergência dos pilotos em caso de incêndio (os tempos são maiores mas as vantagens do uso do Halo sobrepoêm-se). e até a dificuldade na percepção da queda de chuva. Mas o Halo foi aposta dos responsáveis da FIA e agora começa a justificar.
Da teoria à prática
Não foram precisos mais de 4 meses para ver os efeitos do sistema implementado pela FIA. Tadasuke Makino afirmou que o Halo salvou-lhe a vida na corrida em Espanha em que o carro de Nirei Fukuzumi acabou em cima do cockpit do piloto japonês apoiado pela Honda. Charlie Whiting confirmou e disse que Makino poderá ter sido o primeiro grande beneficiário do sistema.
No último fim de semana, outra vez La Source, local onde Fernando Alonso viu passar bem perto do nariz o Lotus de Grosjean, o espanhol levou um toque de Hulkenberg na traseira do seu McLaren que levantou e passou por cima do capacete de Leclerc. Nas imagens vê se que o fundo plano toca no Halo e embora seja difícil de avaliar o que poderia acontecer (Whiting ainda não confirmou se o Halo foi de facto eficaz ou não), parece-me que se não fosse o Halo o cenário poderia ter sido muito diferente. E mesmo que sem o Halo o piloto monegasco tivesse escapado, parece claro que a discussão sobre o sistema terá terminado. Por muito que aquelas barras sejam feias, nada é mais feio do que ver um piloto sofrer um acidente cujas consequências podem ser fatais.
Não deixa de ser irónico que depois de um jovem talento da Ferrari ter perdido a vida em pista, outro jovem talento da Ferrari (cujas semelhanças no estilo e no talento são evidentes) saiu ileso de um acidente grave. Talvez tenha valido a pena usar já esta solução e não esperar por algo mais agradável à vista.
O futuro poderá passar por cockpit fechados, o que pessoalmente não me causa confusão e até poderá trazer elementos estéticos interessantes (além de desenvolvimentos aerodinâmicos) e até lá veremos mudanças no Halo que o tornarão menos intrusivo. O que vimos no fim de semana foi a prova que depois de muita reclamação, no final o que interessa são as vidas que se poupam. A F1 será sempre perigosa. Como diz um famoso apresentador de TV, a velocidade não mata… parar de repente é o que nos leva. E às velocidades praticadas na F1, qualquer desaceleração brusca pode ser fatal. Que ninguém pense que a F1 poderá ser alguma vez 100% segura. Mas pessoalmente prefiro ver Lecerc em pista no próximo fim de semana sem problemas,tendo uma carreira longa e bem sucedida do que estar agora a falar das mazelas de um acidente estranho.
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