F1: Mundial vai arrancar com poucas conclusões
Por José Manuel Costa
Os seis dias de testes em Barcelona formam uma imagem muito desfocada do que será a Fórmula 1 em 2020, pois se parece claro que há um líder este ano, tudo o resto está difuso não se sabendo ainda o que valem realmente Ferrari e Red Bull. Mais de 34 mil quilómetros depois, as conclusões são poucas.
Os testes de pré-temporada acabaram, foram apenas seis dias, mas de muito trabalho e recolha de dados preciosos para a temporada de 2020, a última com esta regulamentação da primeira era híbrida da F1. Olhando apenas os tempos, a Mercedes e Valtteri Bottas são os grandes vencedores, pois a formação de Brixworth não repetiu erros de 2019 e apresentou um carro rápido á saída da caixa, o finlandês esteve irrepreensível ao fazer o melhor tempo em cada um dos períodos de ensaios. Se aprofundarmos a análise, poderemos ser tentados a dizer que a Williams está muito melhor e que a Alfa Romeo poderá voltar ás vitórias, pois Kimi Raikkonen dominou o segundo dia da primeira semana e Robert Kubica mandou no primeiro dia da segunda semana.
Quer isto dizer que sabemos tudo sobre a hierarquia da competição e desenhar aquilo que será o GP da Australia, daqui a um par de semanas? Não! Nada de mais errado! A fotografia tirada após os testes foca o trabalho e a superioridade da Mercedes, mas desfoca tudo o resto e a juntar incerteza ao prejuízo, ainda não se sabe se o Mundial de Fórmula 1 começa, ou não, em Melbourne, cortesia do Coronavírus.
Se em 2019 a superioridade da Ferrari foi fogo de palha e no final acabou por ganhar a Mercedes, o que sucedeu em Barcelona leva-nos a encarar os resultados de uma forma prudente e qualquer conclusão que se possa tirar não será uma opinião totalmente educada. Porque podemos pegar nos dados, na quilometragem feita, nos tempos rubricados, enfim, nas declarações dos observadores e dos especialistas, mas antes dos carros rolarem em Melbourne ou noutro lado qualquer, não há nenhuma certeza sobre a hierarquia na grelha de partida. Porquê?
Em primeiro lugar porque se percebeu que alguma coisa se passou entre a Ferrari e a FIA relacionado com ilegalidades na unidade de potência da equipa de Maranello. Depois, porque ficou a sensação que Red Bull e Ferrari andaram a esconder o jogo ao longo dos seis dias de testes. Finalmente, porque a Fórmula 1 é um jogo de sombras e há segredos muito bem guardados que permitem às equipas “esconder” a sua verdadeira forma para Melbourne.
A única certeza é que a Mercedes, a dominadora desta era híbrida da Fórmula 1 desde 2014 – e cuja época de 2020 pode oferecer-lhe o recorde de títulos consecutivos, destronando a Ferrari – saiu de Barcelona com os melhores tempos dos testes e com a certeza que a aposta na carga aerodinâmica continua a pagar dividendos, particularmente nas curvas lentas. O único soluço? A unidade de potência deu algumas dores de cabeça.
Tudo o resto é uma indecisão, com a Red Bull a não andar muito (mais de 600 quilómetros menos que a Mercedes) mas a mostrar uma estabilidade impressionante em qualquer tipo e curva e a Ferrari a denotar um problema crónico de sobreviragem. Os tempos feitos pela casa de Maranello foram algo dececionantes e foram a única equipa a não melhorar os tempos registados o ano passado nos testes e no GP de Espanha. E se Mattia Binotto disse que “não tinham carro competitivo para Melbourne” temos de acreditar até porque a “poker face” do italiano é complicada de desvendar. Seja como for, parece que a hierarquia será Mercedes, Red Bull, Ferrari.
As “cópias” da Rcing Point e da Alpha Tauri deram boa conta de si, mas o segundo pelotão está verdadeiramente compacto, com a especial novidade da Willams ter surgido em boa forma em Barcelona, deixando e andar a arrastar-se pelo final do pelotão. Ainda assim, como disse George Russell, “não há dúvidas que estamos em melhor posição, mas realisticamente, continuamos a ter o carro mais lento do planel, embora bem mais próximo dos restantes.” Com a recuperação da Renault, que tem ao seu serviço uma das duplas de pilotos mais fores do pelotão, a luta vai ser verdadeiramente intensa no segundo pelotão, não sendo de estranhar que algumas destas equipas possam incomodar o triunvirato da frente. Olhando apenas para os testes, a Racing Point está na frente seguida da McLaren e da Renault, com a Haas pertinho dos franceses, seguindo-se a Alpha Tauri, a Alfa Romeo e a Williams. Veremos se será assim daqui a umas semanas.
Primeiro dia: Alfa Romeo destaca-se
Num dia cheio de trabalho para as principais equipas, devido ás atualizações que trouxeram para a pista, desenhadas pelos dados recolhidos na primeira semana, o destaque foi para a Alfa Romeo e para Robert Kubica. O polaco regressou aos comandos de um Fórmula 1, depois da péssima experiência de 2019 e da saída da Williams. O chorudo patrocínio da Orlen à equipa “obrigou” a que Kubica estivesse presente em pelo menos dois dias de testes.
O piloto que vai fazer parte do DTM em 2020, esteve em bom plano e aproveitando que os outros estavam entretidos com abundante trabalho de verificação, Kubica fez o melhor tempo do primeiro dia da segunda semana. O registo do polaco acabaria por ficar como o quarto melhor tempo dos testes, atrás de Valtteri Bottas, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. Mas ficou evidente que Kubica beneficiou de um carro muito ligeiro e usou os pneus C5, os mais macios da Pirelli, em cima da hora do almoço sem ninguém em pista. Vale o que vale, mas não pode levar os adeptos da Alfa Romeo a embandeirar em arco, pois analisando os tempos feitos pela equipa suíça, há muito trabalho a fazer e dificilmente a equipa poderá fazer regressar o nome Alfa Romeo ao lugar mais alto do pódio. E o facto de Max Verstappen ter feito o segundo melhor tempo do dia com pneus C3 e Alex Albon ter ficado perto com os ainda mais duros C2, deixam claro que o tempo de Kubica é uma exceção e não uma regra.
A fiabilidade pregou a partida à Red Bull e à Alpha Tauri, parados grande parte da manhã, exatamente o contrário da Mercedes que rodou muito, com Bottas a ser o recordista de quilómetros feitos neste dia. Ainda assim, os problemas com a unidade de potência usada na Williams fizeram levantar o sobrolho aos engenheiros de Brixworth. Pior foram as quatro horas perdidas pela Williams.
Para a Ferrari, boas notícias: o motor que ficou sem óleo no terceiro dia de testes da primeira semana não ficou danificado e manteve-se no SF1000 de Vettel para a segunda semana. Menos boas eram as noticias que chegavam da pista, com o alemão e Leclerc a não terem respostas para chegarem aos primeiros lugares, ficando por modestos 10º e 13º lugares, respetivamente. Isto num dia em que a Ferrari levou para Barcelona um novo capô motor e uma asa traseira modificada. E Vettel ainda fez um pião entre as curvas 7 e 8, forçando a paragem da sessão por breves momentos, tendo Max Verstappen e Daniil Kvyat forçado mais duas interrupções: o holandês por ter feito um pião a 5 minutos do fim do dia de trabalho e o russo por um problema técnico. Foi um dia de muito trabalho com quase todas as equipas a trazerem novidades: McLaren tinha um novo fundo plano, Red Bull uma nova asa, Williams uma nova asa dianteira e a Alfa Romeo novas definições dos flancos.
Segundo dia: Ferrari dá esperança aos “tifosi”
O penúltimo dia de testes foi palco para a ressurreição da Ferrari, com Sebastian Vettel a puxar pelos galões. Pela primeira vez, o quatro vezes campeão do mundo teve autorização para dar rédea solta ao SF1000 com pneus macios e pouco combustível. Foi o melhor tempo do dia, o terceiro melhor no conjunto dos seis dias de ensaios, mas ficou muito longe daquilo que Bottas tinha feito na primeira semana. E a suspeita que o motor Ferrari está mais anémico que em 2019, foram os 14 km/h a menos na velocidade de ponta face aos registos do ano passado. E o alemão ainda teve tempo de ser surpreendido, durante a manhã, numa uma zona molhada pela chuva matinal, fazendo uma excursão pela escapatória da curva 5. Apesar deste fogacho, quando chegou a hora de simulação de corrida, os semblantes na Ferrari ficaram mais sombrios, pois feitas as contas, o ritmo do SF1000 estava a um segundo dos W11 da Mercedes.
A Mercedes não andou em busca do melhor tempo, pois Hamilton e Bottas já sabiam que tinham um carro veloz entre mãos e as simulações de corrida também, foram satisfatórias, mas o ambiente na Mercedes era tudo menos festivo: uma falha na unidade de potência, depois do que já tinha sucedido á Williams no dia anterior, fez soar os alarmes em Brixworth. Uma falha na pressão de óleo foi a responsável pelo incómodo e pelo final do trabalho de Hamilton neste segundo dia.
Também com poucas razões para sorrir estava a Red Bull. Primeiro com a condição húmida da pista pela manhã, “prendeu” Verstappen nas boxes mais de uma hora, mas mal saiu do “pit lane” enterrou o RB16 na escapatória da curva 5. Olhando para a estatística, foi o quinto pião de Max Verstappen em cinco dias de testes. O resto do tempo foi passado a testar peças novas, com a Red Bull a esconder o jogo ao fazer os pilotos rodarem com os pneus mais duros, impossibilitando confirmar o que quer que fosse pelos tempos registados, pouco espetaculares, diga-se.
O dia não acabou sem mais alguns incidentes: Antonio Giovinazzi juntou-se a Max Verstappen e Sebastian Vettel, sendo o terceiro a fazer um pião, embora o Alfa Romeo não renha escapado, como o Red Bul e o Ferrari, a danos na asa traseira, uma versão nova instalada para avaliação.
Terceiro dia: Valtteri Bottas coloca o ponto de exclamação!
O último dia de testes da pré-temporada 2020, ofereceu uma visão um pouco mais clara sobre o domínio da Mercedes e como será o pódio de Melbourne: Valteri Bottas arrasou a concorrência e fez o melhor tempo da semana. Por outro lado, a Ferrari voltou a subir a fasquia e mostrou que não está tão longe como parecia no final de cinco dias de testes. Porém, os sorrisos de Sebastian Vettel e de Charles Leclerc, fazem pensar que a Ferrari pode não ter mostrado tudo em Barcelona.
Este terceiro e último dia foi aproveitado por muitas equipas para fazerem voltas rápidas com pouco combustível e os pneus mais macios da Pirelli, oferecendo aos espetadores presentes nas bancadas do circuito Catalunha Barcelona, uma sessão de qualificação.
Nesse exercício, Daniel Ricciardo deu espetáculo com um Renault anormalmente rápido, batendo Leclerc e Hamilton, ficando apenas atrás do intratável Bottas, que teve de se esforçar para bater o melhor tempo de Ricciardo, e de Max Verstappen, finalmente liberto para dar asas ao Red Bull. Uma vez mais, a Ferrari foi quem mais voltas fez ao circuito, com Leclerc a fazer 181 voltas neste último dia. E na simulação de corrida, o monegasco foi bem mais veloz do que tinha sido Vettel no dia anterior. Mas com melhores condições de pista.
Não houve nenhuma interrupção ou incidente ao longo deste último dia de testes, exceção feita a piões sem consequências para Kimi Raikkonen, Romain Grosjean e Alex Albon. Era o fecho dos testes de pré-temporada, a Fórmula 1 regressa em Melbourne.
As diferenças, em tempo, entre equipas
Para se perceber a vantagem da Mercedes, nada como olhar para as diferenças de tempo entre a equipa campeã e os restantes. Contas feitas aos registos, são estas as diferenças à saída de Barcelona, sendo que tudo isto deve ser encarado com alguma cautela, pois as simulações de corrida foram feitas em ocasiões diversas e com pneus distintos.
Mercedes
McLaren + 0,6 segundos
Renault + 0,7 segundos
Hass + 0,8 segundos
Ferrari + 1,0 segundos
Red Bull +1,1 segundos
Williams +1,2 segundos
Racing Point +1,4 segundos
Alfa Romeo +1,8 segundos
AlphaTauri +2,3 segundos
AS voltas que cada equipa fez
Ao longo dos seis dias de testes, a Mercedes voltou a ser a força dominadora, nos tempos, nas simulações de corrida e nas voltas cumpridas. Veja aqui quais foram o número de voltas que cada equipa fez em cada uma das semanas e o total.
Mercedes 494/409 – 903
Ferrari 354/490 – 844
McLaren 423/379 – 802
Racing Point 371/411 – 782
Red Bull 471/309 – 780
AlphaTauri 384/385 – 769
Renault 380/363 – 743
Williams 324/413 – 737
Alfa Romeo 424/311 – 735
Haas 316/333 – 649