F1, François Hesnault: um dos primeiros pilotos pagantes da era de 80

Por a 29 Agosto 2024 09:25

François Hesnault teve uma carreira breve e pouco distinta na Fórmula 1. Na verdade, foi um dos primeiros pilotos pagantes da era de 80 e, embora não fosse desprovido de talento, a falta de resultados na categoria máxima do desporto automóvel e um acidente levaram-no a uma retirada súbita e prematura.

Ao escrever sobre a carreira de pilotos de Fórmula 1, pode considerar-se que, a partir dos anos 80, é relativamente fácil traçar toda a carreira de um piloto, principalmente a partir do momento em que transitam dos karts para outras categorias, até ao fim, muitas vezes um pouco obscuro, das suas carreiras. No entanto, quando planeei este artigo sobre François Hesnault, deparei-me com uma enormíssima falta de informação. Propus-me, por isso, a tentar juntar os poucos pedaços para falar sobre este homem, que correu cerca de ano e meio na Fórmula 1 em equipas de nome como a Ligier, Brabham e Renault.

Piloto pagante ou jovem promessa?

Bem, na verdade, François Hesnault, nascido a 30 de dezembro de 1956 em Neuilly-sur-Seine, nos arredores de Paris, provinha, como tantos outros pilotos, de uma família abastada. A família Hesnault tinha uma grande firma de construção civil, com numerosos contactos e ligações a empresas governamentais, daí que o jovem Hesnault, desde que se interessou pelo desporto motorizado ainda na adolescência, não teria quaisquer problemas para iniciar uma carreira no desporto motorizado. Porém, François investiu na educação em primeiro lugar, talvez correndo ocasionalmente nos karts até que, findos os estudos, decidiu abandonar temporariamente a carreira para se dedicar ao serviço militar, servindo no Corpo Francês de Paraquedistas, passando mesmo pela África Ocidental. Promovido a oficial, Hesnault decidiu, então, prosseguir para o seu grande sonho – o desporto automóvel.

Em 1980, com 23 anos completados recentemente, François estreou-se na Fórmula Renault Francesa ao volante de um Martini Mk30-Renault, inscrito pelo próprio piloto com os apoios familiares. Foi uma época de aprendizagem e não se pode dizer que Hesnault não tenha mostrado algum serviço, principalmente tendo em conta que estava há alguns anos afastado da modalidade. Com cinco pontos marcados, o piloto decidiu investir de novo no mesmo campeonato em 1981, agora com um novo Martini Mk33-Renault, e não se saiu mal, vencendo uma prova e terminando em terceiro lugar na tabela classificativa com 92 pontos, batendo muitos pilotos apoiados pelas diversas escolas de pilotagem que constituíam, à data, o núcleo duro do sistema de formação dos pilotos franceses.

Assim sendo, não é de admirar que o piloto tenha decidido avançar para a Fórmula 3 em 1982, conseguindo o precioso apoio da empresa governamental Antar, uma filial do gigantesco império Elf. Bem apoiado e ao volante de um competitivo Martini Mk37-Alfa Romeo, pode dizer-se que foi uma época em que Hesnault confirmou que era um piloto talentoso e capaz de andar a um nível superior, batendo-se com algumas promessas como Pierre Petit e Michel Ferté, para conquistar uma vitória e terminar o campeonato em terceiro, com 105 pontos e uma enorme dose de regularidade. Nesse ano, estreou-se também nas 24h de LeMans, pilotando um Porsche 935 da JoestRacing com RiccardoTerán e Claude Haldi, mas a tripla abandonou a meio da prova com um diferencial quebrado.

Em 1983 Hesnault continuou repetiu o Campeonato Francês de F3, desta vez substituindo Pierre Petit ao volante de um RaltRT3-VW da prestigiada David Price Racing. Foi uma das épocas mais disputadas da história deste campeonato, com uma luta entre Michel Ferté (ORECA) e Hesnault até ao fim. Os homens da ORECA começaram a época em melhor forma, mas François decidiu usar o seu grande argumento – a regularidade – para se manter na luta, até vencer finalmente em Dijon, já depois de ter sido segundo em Magny-Cours numa ronda conjunta do Campeonato Francês e Europeu da disciplina. De seguida, conseguiu um interessante sétimo posto junto aos melhores pilotos do plantel europeu no G.P. do Mónaco de F3, terminando a época em grande forma com vitórias em Albi e Lédenon. E, tal como no ano anterior, voltou a disputar as 24h de LeMans, desta vez ao volante de um Lancia LC1 inscrito pela ÉcoleSuperieure de Tourisme, juntamente com Thierry Perrier e Bernard Salam mas, mais uma vez, foi obrigado a abandonar. Estreou-se também no ETC nas 24h de Spa-Francorhamps, conseguindo um promissor décimo posto ao volante de um BMW 635 CSi. Na verdade, Hesnault demonstrou capacidade para se bater com os melhores pilotos de F3 em algumas provas, e era certamente uma das maiores promessas do campeonato francês, por isso era de esperar que se dedicasse à Fómrula 2 em 1984…

O último terceiro piloto de F1

Na verdade, Hesnault nunca chegou a correr na F1, já que foi contratado pela Ligier para acompanhar Andrea de Cesaris em 1984! Respondendo à questão colocada no subtítulo anterior, pode dizer-se que foi uma mistura de talento e piloto pagante que permitiram a sua rápida ascensão à categoria-rainha. A Ligier, que se estreou na Fórmula 1 em 1976 e que andou na luta pelas vitórias e até pelos títulos, vinha de um ano de 1983 absolutamente negro, já que tanto Jean-Pierre Jarier como Raul Boesel terminaram a época a zero!!! Para Guy Ligier, era absolutamente necessário inverter esta tendência e decidiu renovar totalmente a sua dupla, ao mesmo tempo que trocava os motores Cosworth pelos Renault turbo. Para liderar a equipa, foi contratado Andrea de Cesaris, que vinha de uma época muito espetacular com a Alfa Romeo, enquanto o segundo piloto seria, muito provavelmente, uma promessa francesa, correndo amplamente o rumor que o escolhido seria Michel Ferté. Pois bem, além de ter mostrado capacidade para se bater de igual para igual com Ferté na F3, Hesnault era apoiado… pela Antar e pela Elf, além da sua firma familiar. E todos sabemos que a Ligier sempre foi uma equipa que recebeu fortes apoios das maiores firmas francesas e das ligações que mantinha com o estado, por isso, retrospetivamente, não é de todo estranho que fosse François o escolhido para ocupar aquela vaga no plantel de Fórmula 1. Era um grande salto, mas o jovem piloto tinha cumprido o seu sonho.

Na verdade, o maior handicap para a dupla de pilotos era o LigierJS23-Renault, que ainda não estava à altura dos seus predecessores dos anos de glória da equipa. Raramente se viram os Ligier fora do meio da tabela em qualificação e em corrida, e Hesnault foi geralmente batido por de Cesaris em qualificação. No entanto, tendo em conta que os dois pilotos sofreram amplamente com problemas mecânicos, desde o sedento e pouco fiável motor Renault até a uma série de falhas do próprio chassis, o que motivou abandonos em mais de metade da época, pode verificar-se que Hesnault até não se portou nada mal, tendo terminado quase todas as provas que fez no top-10, com o melhor resultado a ser o sétimo lugar na Holanda, enquanto de Cesaris fechou a época com apenas três pontos. Posto isto, não se pode considerar de modo algum que Hesnault tenha feito má figura na sua época de estreia na Fórmula 1.

Venceria o talento ou o dinheiro?

Pois bem, em 1985 Hesnault foi contratado… pela Brabham!!! Sim, isso mesmo. Ao lado de Nélson Piquet! Decerto que Bernie Ecclestone se tinha distinguido por centrar a equipa em torno do campeoníssimo brasileiro e que muitas vezes recorria a segundos pilotos de menor qualidade (e, se possível, com uma boa carteira de patrocínios) para a equipa, mas, ainda assim, não faltariam pilotos dispostos a pagar pelo lugar e Hesnault foi o escolhido, o que certamente lhe permitiria, com um volante competitivo, poder mostrar definitivamente de que massa era feito.

Depois do título de 1983, a Brabham tinha-se deparado com inúmeras falhas mecânicas no motor turbo BMW ao longo de 1984, e 1985 não seria diferente. Ao mesmo tempo, a utilização de pneumáticos Pirelli revelava-se cada vez mais problemática, daí que, quando a temporada começou no G.P. do Brasil, Hesnault percebeu que teria uma tarefa bem mais difícil pela frente… E não começou bem a época, qualificando-se na segunda metade da grelha para se despistar na corrida. As performances não melhoraram em Portugal e em San Marino, com o francês a demonstrar enorme dificuldade a adaptar-se à força bruta do motor BMW S4 turbo e aos pneus, desistindo com problemas mecânicos nas duas rondas. Para piorar, no Mónaco, François falhou a qualificação, ficando a mais de um segundo de Teo Fabi, o último dos 20 pilotos a entrar no grid e, pior do que isso, no penúltimo lugar da tabela de tempos…

Alguma coisa não estava certa, e a Brabham decidiu fazer uma sessão de testes intensiva em Paul Ricard. E, aí, a carreira de Hesnault levou o seu golpe final. Quando fazia uma volta rápida, François perdeu o controlo do seu Brabham e despistou-se com violência, ficando enrolado nas redes de proteção e preso dentro do monolugar. Se a motivação já não estava em alta, este acidente tirou-lhe a pouca confiança que restava, e o piloto decidiu retirar-se imediatamente da Fórmula 1, sendo substituído pelo alemão Marc Surer. Terá sido só uma crise de confiança, ou a consciência que, tendo chegado ao topo da modalidade e cumprido o sonho de pilotar um F1, não valia a pena correr mais? Tal como muitas coisas sobre a vida de Hesnault, fica a incógnita.

Mas François ainda disputaria mais uma prova e ficaria na história por ela. Durante a época de 1985, os promotores da F1 começaram a testar câmaras on-board para dinamizar as transmissões televisivas, e Hesnault tinha já experimentado esta tecnologia em Imola ao volante do Brabham. No entanto, eram necessários testes mais apurados e a Renault decidiu inscrever um terceiro carro no G.P. da Alemanha – sem pontuar, já que desde 1981 que as equipas se comprometiam a correr com um ou dois carros – com uma câmara on-board para a corrida. E o convidado foi… François Hesnault.

Ironicamente, depois de se ter qualificado nos últimos lugares, François não conseguiu cumprir esta última missão, de rodar o máximo tempo possível em corrida com a câmara, porque o Renault decidiu não colaborar e a embraiagem quebrou na oitava volta. Foi o fim de carreira de Hesnault e, pela última vez, uma equipa de F1 usou um terceiro carro num Grande Prémio.

François ainda regressaria às pistas nas 24h de Spa desse ano, ao volante de um BMW 635 CSi inscrito pela Bavaria Automobiles, partilhando com o jovem Paul Belmondo – mais tarde piloto de F1 – e com o luxemburguês RomanFeitler, terminando num positivo sétimo posto. Talvez por este resultado, Hesnault voltaria no ano seguinte a Spa, novamente com a Bavaria, mas a tripla Hesnault/Lempereur/Loudvig não se qualificou. Desiludido e desmotivado com o desporto motorizado, François Hesnault optou por se retirar definitivamente e dedicar-se aos negócios da família, atividade que ainda mantém, embora resida há vários anos na vizinha Suíça.

Por Guilherme Ribeiro

FOTOS Arquivo AutoSport

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