Emiliano Ventura: Preparar para vencer
A preparação de um piloto de competição é cada vez mais minuciosa e mais abrangente. Para chegar ao topo é preciso estar pronto a todos os níveis e por isso, os Performance Coach são fundamentais para o sucesso. Emiliano Ventura é uma cara bem conhecida nos paddocks internacionais. O trabalho de preparação que tem desenvolvido com muitos pilotos de renome é elogiado mundialmente e o AutoSport falou com ele na ronda de Vila Real do WTCR para entender um pouco mais do seu trabalho.
A conversa começou com uma breve retrospetiva do que já fez e as responsabilidades que tem de assumir na preparação de um piloto:
“Já levo alguns anos de desporto motorizado. Tive a sorte de começar com o Tiago Monteiro quando estava de saída da F1 e quando tinha as equipas de F2 e F3. Depois passei a ser responsável pelo trabalho dos pilotos da Red Bull Júnior Team e posteriormente abrimos um centro de alto rendimento em Madrid e nos últimos 15 anos temos desenvolvido trabalho com muitos pilotos, com muito sucesso também, estando envolvidos em muitos campeonatos. Continuamos a expandir-nos e neste momento temos uma equipa muito interessante de pessoas que acompanham os pilotos pelo mundo inteiro, inseridos nos mais variados campeonatos. É uma equipa multinacional, com alguns portugueses e neste momento temos no DTM um português e na Fórmula E uma portuguesa, mas temos espanhóis, alemães, húngaros, porque o desporto assim o exige. Temos de ter em conta a nacionalidade dos pilotos e questão cultural tem de se encaixar. Os Performance Coach são responsáveis não só pela preparação física, mas também pela saúde, pela fisioterapia, pela recuperação, nutrição, o que implica uma equipa multidisciplinar. Muitas vezes temos de considerar essas questões culturais e é muito mais fácil com pessoas que entendem essa vertente. Por exemplo, um piloto latino enquadrado com um preparador nórdico nem sempre é fácil. É uma profissão que depende muito da relação pessoal, da confiança que existe entre o piloto e o Performance Coach.”
Apesar de o leque de responsabilidades de um Performance Coach ser grande, o resumo do que faz é simples: garantir que o piloto esteja sempre nas melhores condições para uma corrida. As equipas esperam que os pilotos estejam sempre a 100% e a tarefa do preparador trabalhar e encontrar os mecanismos necessários para que tal aconteca:
“As equipas pagam-nos para sermos responsáveis por tudo o que esteja ligado à performance humana dentro da equipa, normalmente apenas os pilotos, mas já se tem alargado para os engenheiros e mecânicos. Se algo acontece e eles não estão em condições de conduzir, somos nós os responsáveis, daí que a profissão tenha evoluído, sendo agora muito mais do que apenas a preparação física. Agora há a responsabilização pela saúde, pela parte mental, pela nutrição, pela recuperação. O que as equipas nos exigem é que os pilotos não estejam doentes para o fim de semana. Se for o caso, vão nos perguntar como vamos resolver o problema. A profissão evoluiu de um preparador que trata apenas da componente física para um Performance Coach que garante que os pilotos estão preparados nas mais variadas vertentes, para permitir que tenham a energia, o foco e capacidade para conseguirem ter sucesso. No caso especifico de Vila Real, temos um problema com a temperatura. Normalmente está sempre muito calor e a temperatura é um dos fatores limitadores da performance. Se já está calor dentro de um carro de competição, esse problema é maior quando a temperatura ambiente é também elevada. E, como se trata de um citadino, há um risco maior assumido, por isso a parte mental acaba por ser fulcral, porque aqui, os pilotos que conseguirem assumir mais o risco, que conseguirem chegar mais perto do limite da performance, podem estar mais perto do sucesso. Esse limite pode levar ao erro e já tivemos vários acidentes aqui que são exemplo disso. Temos a sorte de ter vencido nos últimos anos com o Tiago [Monteiro], com o Norbi [Norbert Michelisz], com o [Gabriele] Tarquini. Claro que o Tiago tem um peso extra que é a parte dos ‘media’, a atenção do público, a tensão e a gestão do tempo, a gestão de como faz a preparação para estar concentrado no carro. Temos de ter cuidado com o tempo que se pode dispensar para cada área e ajudá-lo a criar alguns momentos de concentração de preparação específicos.”
Os pilotos sabem que vão passar grande parte da sua carreira a lamentar os resultados obtidos. Não é fácil ter sucesso de forma regular nas corridas, pois isso depende de fatores internos e externos que nem sempre se conjugam. Os Performance Coach também têm essa responsabilidade de manter os níveis de motivação no máximo:
“Aqui no WTCR, falamos de pilotos experientes e a experiência compensa. Tivemos o Tarquini a trabalhar connosco a vencer um título aos 57 anos, tivemos o Norbi também. São pilotos habituados à alta competição e habituados a entender que por vezes estão lá em cima, por vezes estão em baixo e raramente se está muitas vezes lá em cima, por isso os momentos de vitória tem de ser muito bem aproveitados. A parte mental é muito importante, assim como manter uma postura positiva, perceber o que está ao nosso alcance e no que podemos intervir e melhorar. E num fim de semana menos bom, colocar o foco no futuro, pois um piloto de qualidade não desaprende, a qualidade está sempre lá. É preciso, sim, manter a fome de vitórias, a garra de querer mais, pois quando as condições forem as certas, temos de estar prontos para as aproveitar e ganhar. Entre a máquina, a equipa e o piloto, há uma série de fatores que tem de ser otimizados e que têm de estar a funcionar bem naquele momento para que o sucesso chegue.”
O trabalho dos preparadores é minucioso e exige uma preparação e organização a toda a prova, para poder encaixar tudo o que se pretende fazer, sem atrapalhar as atividades em que os pilotos têm de participar:
“Nós fazemos um “Performance Plan” do fim de semana em que cruzamos todas as atividades agendadas desde trabalho de pista, tempo com os media, tempo com os fãs e depois temos que inserir tudo o que nos queremos que aconteça ao nível da recuperação, da fisioterapia, da nutrição, do aquecimento, dos momentos de concentração. Colocamos tudo num horário e tentamos seguir esse plano à rica, mas claro que há sempre alterações e temos de ser flexíveis. A nossa função é ter os pilotos preparados e fazer com que estejam focados apenas em pilotar e não tenham outras preocupações logísticas. Somos o único ponto constante entre todos os pontos-chave do fim de semana. Nós comunicamos com os media, com os engenheiros, com os mecânicos e sabemos sempre o que eles fazem. Com isso, conseguimos manter a energia dos pilotos, para que quando entrem no carro, não estejam a pensar em cinquenta coisas diferentes e estejam apenas focados em pilotar. Até mesmo o material que eles usam tem de estar preparado para que eles não se preocupem com isso. É isso que as equipas nos pedem e é para isso que nos pagam, para que o piloto não tenha “desculpas” para ter um mau desempenho.”
O argumento que o desporto motorizado não é um verdadeiro desporto já foi esquecido e o trabalho que os pilotos mostram é a prova que é preciso muita preparação para estar no topo:
“Já se compreende muito bem que sem condição física, é muito difícil dar o melhor de si e dar 30 ou 40 voltas , acima dos 60 ou 70 % da sua capacidade máxima e ainda ter cabeça para falar no rádio, para pensar, para tomar as decisões certas e vemos que a capacidade física faz a diferença, pois permite uma clareza mental fundamental para o sucesso. Com uma pulsação a 160 / 170, com o engenheiro a falar, com as lutas em pista, com a estratégia, com o calor… se queremos um piloto mentalmente preparado para o desafio, tem de estar fisicamente apto para tal. As corridas já não são um lifestyle e os pilotos começaram a ter mais cuidado com a preparação física e isso começou de forma mais clara com o Michael Schumacher, que começou a trabalhar com uma marca muito conhecida, a Technogym, trabalho que resultou em máquinas específicas. Os outros pilotos entenderam que sair do carro e cair para o lado ou não ter força para levantar uma taça não era mais viável. Entenderam que não era possível manter a clarividência e minimizar os erros sem preparação. Hoje em dia os pilotos são mais fiáveis e mais constantes, com diferenças mínimas entre os pilotos e quando saem dos carros dão um feedback muito claro e pormenorizado aos engenheiros. Isso só se consegue tendo capacidade mental de sobra para isso e a preparação é fundamental para o conseguir.”
Desafiado a falar sobre os maiores desafios, Emiliano Ventura deu alguns exemplos:
“Tenho a sorte de trabalhar com pilotos de F1, com astronautas da NASA e estou ligado a dois mundos incríveis. Tive a honra de fazer campeonatos do mundo e vencer com grandes pilotos e algumas vitórias também são marcantes, como a do Tiago em Vila Real, depois de vir do acidente, após uma recuperação de mais de um ano. Tenho a sorte do desporto trazer-me momentos belíssimos que compensam os 80 / 90% de momentos regulares ou maus. A recuperação do Tiago foi um desafio muito grande, pois era uma situação muito complicada. Vencer com o Tarquini aos 57 anos, numa competição muito renhida e com pilotos jovens, também foi um grande desafio bem-sucedido. E claro temos sempre novos desafios, estando inseridos na F1, Formula E, W Series, que nos mantém sempre motivados a querer mais.”
É mais um compatriota no topo do mundo. Mais um português que se tornou num dos melhores, trabalhando com grandes nomes do desporto motorizado que, por sua vez, chegaram ao topo graças ao trabalho de Emiliano Ventura, responsável da MSi Bioperformance, uma referência na preparação de atletas de alta competição.