Ayrton Senna faria hoje 60 anos: O acidente fatal

Por a 21 Março 2020 12:44

Por Hélio Rodrigues, in Memoriam

Ainda hoje, lembro todos os pormenores da morte de Ayrton Senna. Na véspera, tinha acabado de almoçar quando o locutor da RFM anunciou, no noticiário das 15h00, o acidente e a morte de Roland Ratzenberger – percebi mal o nome e fiquei a pensar que era o Gerhard Berger.

Nesse domingo 1 de Maio de 1994, estava de plantão no Circuito do Estoril, onde havia uma jornada do nosso calendário de provas de velocidade. Nessa altura, todo o comum mortal tinha acesso às transmissões dos Grande Prémios e, portanto, toda a gente na sala de Imprensa estava atenta ao que se estava a passar em Imola.

O Pedro Lamy tinha atingido em cheio o JJ Lehto, que estava a regressar de uma paragem por causa de uma vértebra magoada num acidente nos testes de pré temporada e a pista tinha ficado cheia de destroços.

Minutos mais tarde, o Safety Car entrou nas boxes e o pelotão apareceu em Tamburello; foi então que a imagem fez zoom para um acidente violentíssimo, com um carro a desfazer-se contra o muro da curva, onde todos sabíamos que se passava a mais de 260 km/h. Eu apenas disse: “Aquele já foi!” Pouco depois, ficámos a saber que era o Ayrton.

O resto desse domingo foi de ansiedade e, quando entrei na redação, na ‘Ruben A.’, percebi o negrume da noite: Ayrton tinha morrido! Foi das edições mais tristes do Volante, onde eu esta na altura, que fiz e aquela que mais me custou a editar. Dias depois, fui em romaria à Embaixada do Brasil, ali para os lados de Sete Rios, para assinar o Livro de Condolências. A fila era impressionante; havia lágrimas, choros convulsivos, flores, postais, pessoas em silêncio com a mão pousada no livro. Juntei-me à fila e, quando chegou a minha vez, escrevi: “Desta vez, Deus foi mais rápido que tu. Descansa em Paz, Ayrton.”

O dia mais negro da Fórmula 1: Ayrton Senna morreu!

O Grande Prémio de San Marino era o terceiro daquele ano de 1994. Depois das duas provas anteriores, em que tinha ficado “a zero”, Ayrton Senna queria conquistar a sua primeira vitória da temporada – e com o Williams/Renault, considerado até então o melhor monolugar da F1. Nos treinos, garantiu mais uma “pole position” – a 65ª. Na corrida, depois das cinco voltas atrás do “pace car”, em consequência do embate do Lotus de Pedro Lamy contra a traseira do Benetton de JJ Lehto (a fazer o seu regresso à F1 após um violento acidente em testes de pré-temporada), Senna reagiu melhor na partida lançada, procurando cimentar de imediato uma distância segura para Michael Schumacher, o vencedor das duas provas anteriores e, nitidamente, o seu rival principal nesse ano. Durante a volta seguinte, “magic-Senna” afastou-se ligeiramente do alemão. Então, na entrada para a Curva Tamburello, uma esquerda feita a fundo, a velocidades roçando os 320 km/h, tudo aconteceu. Num ápice, sem margem para pensamentos ou raciocínios: eram 14h12m. Nesse momento, o coração da F1 parou.

Quatro horas de angústia

O embate no muro de betão, colocado no final de uma estreita escapatória de areia, de menos de dez metros, foi violentíssimo. De tal forma que a monocoque do Williams não conseguiu resistir ao impacto. Quando parou na escapatória, os comissários foram lestos a acorrer ao local… e também lestos a recuar, quando olharam o estado do piloto. A imagem ainda hoje está na nossa memória. Mas foi apenas uma curta hesitação. Logo de seguida, rodearam o monolugar destruído, já com ordens para não mexer em Ayrton. Os médicos, capitaneados pelo professor Syd Watkins, demoraram apenas 90 segundos a chegar ao local. Verificaram de imediato que o estado do piloto era gravíssimo – afinal, um tirante da suspensão tinha-se destacado e entrado pela viseira, causando fortes lesões cerebrais, com perda de massa encefálica. Além disso, Senna sofreu fractura do baixo-crânio, várias lesões internas e fracturas no braço e ombro direitos. Na verdade, eram lesões impossíveis de recuperar.

A primeira operação que os médicos fizeram, no local, foi uma traqueotomia, para minorar a insuficiência respiratória do piloto. Contudo, todos os sinais indicavam que Senna estaria muito perto da morte, embora existissem sinais cardíacos. Foram necessários 25 longos minutos até transportarem de helicóptero o piloto para o hospital mais próximo. No caso, o Hospital Maggiore de Bolonha, onde tudo foi feito para o recuperar para a vida. Durante quatro horas, longos minutos de expectativa e esperança. Em vão: pelas 18h40m, uma médica, Maria Tereza Fiandri, comunicou oficialmente o seu falecimento. No exterior, a multidão que aguardava notícias fez silêncio; as mãos elevaram-se ao céu. No Brasil, onde em muitas igrejas se rezavam orações especiais, todo um País começou a chorar. O seu grande Campeão tinha deixado o mundo dos vivos – e entrado, directamente, na galeria dos heróis.

As causas do acidente

Na altura, os testemunhos concluíram uma realidade: só uma causa mecânica poderia ter provocado o acidente. “Nessa curva, tal como naquela onde saiu Ratzenberger, não existem erros de pilotagem.” As palavras são de Gerhard Berger, ele próprio também protagonista de um acidente terrível no mesmo local, mas em 1989 e de onde teve a sorte de sair vivo. E a verdade é que, quanto ao acidente de Ratzenberger, depressa se concluiu ter-se devido à quebra da asa esquerda do aileron dianteiro, que terá ficado afectada depois do piloto ter feito uma incursão pela relva, na volta anterior. Quanto ao acidente de Senna, foi mais difícil verificar o que o causou – e, ainda hoje, isso provoca alguma celeuma.

“Senna nem sequer virou o volante. Não houve tempo para reagir, o que pode significar a inexistência de direcção.” Gary Anderson, na altura projectista da Jordan, opinou desta forma junto ao enviado do “AutoSport” às provas de F1. E adiantou mais: “Como os sistemas actuais nesse capítulo não dão qualquer tipo de problema, só vejo uma explicação possível: os tirantes inferiores da suspensão posterior cederam, fazendo o carro levantar a frente.”

Afinal, pode não ter sido nada disso. Pode ter sido a passagem sobre destroços deixados pelos carros de Lamy ou Lehto, provocando um eventual furo lento. Ou, ainda, uma baixa da pressão dos pneus, causada pelas cinco voltas lentas atrás do “safety car” – que poderiam também ter levado os mesmos pneus para uma temperatura inferior ao aconselhável. Houve, também, quem defendesse que o que terá provocado o despiste fatal foi a quebra da coluna de direcção, que terá sido manipulada pela Williams, a pedido expresso pelo próprio Senna, desejoso de uma posição perfeita de pilotagem. Porém, nunca se conseguiu provar, nem sequer em tribunal, esta suspeita. Hoje, dez anos depois, permanece o mistério e todas as teorias são possíveis. Uma única certeza, contudo: ele, que fez da perfeição o “leit motiv” da sua vida, acabou vítima dessa mesma incessante procura da perfeição.

Em directo…

(Ao “AutoSport”)

“Nunca saberemos muito bem o que dizer nestas ocasiões. A F1 perdeu um dos seus grandes pilotos, todo o desporto ficou mais pobre.”

(Alain Prost)

“É nas zonas em que o piloto tem mais confiança que os acidentes acontecem mais facilmente. Não estamos a forçar o nosso subconsciente, como acontece nas alturas em que sabemos que podem surgir problemas e, por isso mesmo, vamos com outro tipo de defesas. Não foi difícil partir depois do acidente de Senna. É difícil explicar as razões, mas um piloto por vezes precisa desse empurrão para poder passar por cima da desilusão. Senna, tal como o Ratzenberger, era um amigo e nessas ocasiões o melhor é esquecer, o que acontece com mais facilidade quando se está 100 por cento concentrado a guiar um Fórmula 1.”

(Gerhard Berger, ele que foi o único piloto a deslocar-se ao hospital de Bolonha, para se inteirar do estado de Senna)

“É uma grande perda! Não tenho palavras para descrever o que sinto… Penso que se tratou de um problema de afinação no carro de Senna. Pelo contrário, o Benetton estava muito bem afinado e, de certeza, que isso não aconteceria comigo.”

(Michael Schumacher)

“Chorei ao ver o acidente depois da corrida ter sido interrompida. Ele era um fastástico companheiro, um piloto genial. Só entrei no carro para correr de novo (penso que Senna teria feito o mesmo) porque tinha 100 por cento de confiança na equipa e no material à minha disposição.”

(Damon Hill, colega de equipa de Senna)

“É preciso dizer uma coisa: a F1 é um desporto perigoso e devemos colocar a questão de sabermos se tudo isto tem um sentido. Se me perguntarem a resposta, ela é não. Ainda mais quando dois pilotos morrem num fim-de-semana. Senna era o melhor piloto que eu conheci. Sabia tudo.”

(Niki Lauda)

“O Ayrton era um dos pilotos mais envolvidos na F1. Em cada ano, ficava melhor. Ainda não tínhamos visto tudo dele. Quanto à segurança, penso que os responsáveis se deixaram dormir sobre os louros conquistados.”

(Jackie Stewart)

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