As chaves do domínio na história da Fórmula 1

Por a 30 Outubro 2017 21:10

A F1 é dos desportos de alta competição mais exigentes do mundo. Todos os pormenores têm de ser tidos em conta e uma fracção de segundo é a diferença entre ser primeiro ou segundo. Com um nível de exigência tão grande, poderá parecer improvável que existam domínios mas a realidade é que este fenómeno é frequente.

Todos se lembram da era da McLaren-Honda dos anos 80/90, ou da Williams-Renault logo de seguida, assim como a época da Ferrari, da Red Bull e mais recentemente da Mercedes. Os domínios na F1 têm sido algo cada vez mais comum e um dos motivos para que os mais saudosos puxem o lustro às recordações do passado, desvalorizado o desporto que temos na actualidade.

A grande verdade é que este tipo de domínio existiu desde sempre. O primeiro grande domínio da história foi da Ferrari, primeira construtora a vencer 3 campeonatos de seguida (75,76.77), uma série apenas interrompida pela Lotus (78). Os anos 80 foram caracterizados por bicampeonatos, com a Williams (80,81), Ferrari (82,83), McLaren (84,85) e novamente Williams (86,87), antes da parceria McLaren Honda arrasar a concorrência por completo com 4 campeonatos seguidos. De 92 a 97 foi a vez da Williams voltar ao topo com nova série de três campeonatos seguidos, contrariada em 95 pela Benetton. Seguiu-se o reinado do Barão Vermelho de 99 a 2004. A força maior seguinte no grande circo foi a Red Bull (de 2010 a 2013) e por fim a era turbo-híbrida onde a Mercedes tem sido a melhor.

Quais são os factores que proporcionam às equipas épocas de quase absoluta invencibilidade? São inúmeros, mas os mais importantes são certamente a capacidade financeira, o talento do departamento técnico e os pilotos.

A parte financeira teve um impacto tremendo na realidade da F1. Se até meados dos anos 60 o esforço para competir era feito essencialmente por abastados privados com sede de competição, o cenário mudou em 1968 quando as equipas puderam usar patrocínios nos seus carros em vez das cores representativas das suas nações. Os orçamentos começaram a crescer gradualmente até meados dos anos 80 altura em que os contractos televisivos começaram a render muito mais dinheiro. Seguiu-se um crescimento exponencial nos anos 90 quando as tabaqueiras investiram forte na publicidade. Foi de 2000 a 2010 que os orçamentos atingiram os picos, com algumas equipas a gastarem quase 600 milhões por ano, uma tendência que foi revertida devido a recessão de 2011. Como a economia está mais tranquila e os negócios correm de feição, as equipas já voltaram a gastar ao nível do que se verificava antes da crise.

E claro que as equipas com mais recursos, são as que mais ganham. O tempo de orçamentos baixos e de equipas pequenas a surpreenderem já pertence a um passado longínquo e quanto mais dinheiro a F1 movimentar mais as equipas grandes terão a última palavra a dizer. O caso mais recente de uma equipa a contrariar os orçamentos faraónicos das grandes equipas foi a Brawn, que venceu contra todas as expectativas. Mas é preciso relembrar que a Brawn foi o resultado da saída da Honda, que não gastou pouco durante os anos que competiu. A base estava criada e houve outro factor que entrou na equação na histórica vitória da Brawn… o génio dos engenheiros.

O famoso difusor duplo é um dos grandes exemplos do tipo de domínio que se consegue quando os regulamentos mudam. As mudanças nos regulamentos têm como principal função fazer avançar a F1 tecnologicamente, mas outro objectivo disfarçado é acabar com o domínio de uma equipa. Paradoxalmente as mudanças de regulamentos são das principais causas da criação de novos domínios. O domínio da McLaren Honda iniciado em 88 foi fruto de uma mudança no regulamento que baixou a pressão dos turbo de 4 bar para os 2.5 o que levou a uma perda de potência. A Honda e a McLaren trabalharam em conjunto para fazer um motor mais económico e um chassis com menos arrasto, para diminuir o atrito provocado pelo ar. O resultado foi o carro mais dominador da história. Em 89 os turbos foram banidos e a Honda introduziu o seu V10, um domínio que duraria mais 3 anos.

A Red Bull venceu o seu primeiro título em 2010 graças ao aproveitamento do famoso “Blown Difuser” que teve como base o difusor duplo introduzido em 2009 ano em que os regulamentos promoveram um abaixamento no apoio aerodinâmico. As equipas encontraram outras formas de “colar” os carros ao solo e se a Brawn iniciou o conceito a Red Bull aprimorou-o, usando uma ideia esquecida nos anos 80 usada pela primeira fez pela Renault.

O mais recente domínio da Mercedes deve-se aos novos motores híbridos, que foram trabalhados de forma exaustiva pelos germânicos.

Para aproveitar as oportunidades é preciso ter os homens certos. Os engenheiros responsáveis pelas máquinas são as estrelas escondidas da F1. John Barnard foi o responsável pela introdução da fibra de carbono na F1, com a McLaren e foi o engenheiro que desenhou o primeiro Ferrari para Schumacher, sendo depois substituído por Rory Byrne responsável pelo chassis vencedor da Benetton em 94 e Ross Brawn, sendo esta dupla a grande responsável pelo sucesso da Ferrari.

Adrian Newey é outro dos grandes génios da F1, considerado por muitos o maior de sempre. Foi responsável pelos sucessos da Williams, McLaren e Red Bull com 10 carros campeões feitos pela sua mão. O sucesso na Williams foi partilhado com Patrick Head, o homem que foi responsável pelo sucesso da Williams, depois de um período conturbado em que Frank Williams não conseguia colocar a equipa no rumo das vitórias. Foi o génio de Head que lançou as bases para o domínio da F1 e foi ele que lançou nomes como Ross Brawn, Neil Oatley (que desenhou os McLaren vencedores em 89,90,91), Paddy Lowe (McLaren e Mercedes) e o já referido Newey. A Ferrari tem até agora 16 campeonatos (é a equipa mais antiga da F1) a Williams tem 9 e a McLaren tem 8, seguindo-se a Lotus (7), Red Bull e Mercedes (4 cada). A todas elas é fácil de associar um génio do desenho automóvel.

Mas se para vencer de forma consecutiva é preciso dinheiro e um génio do design, é preciso também um génio do volante. O domínio dos anos 70 da Ferrari deveu-se muito a Lauda, assim como a dupla Senna / Prost foi preponderante nas vitórias da McLaren. Schumacher foi um dos grandes responsáveis pelo sucesso da Scuderia dentro e fora de pista, Vettel foi o jovem prodígio que se adaptou na perfeição às ideias de Newey e levou a Red Bull à glória e a Mercedes conta ainda com o talento de Hamilton para levar as suas máquinas ao pódio.

Resta tentar perceber qual o factor mais preponderante? O dinheiro é capaz de atrair os maiores génios mas a Force India mostra que é possível fazer muito com pouco. Homens como Newey, Lowe e Head precisaram de grandes pilotos para tirar o máximo proveito das suas criações, mas não é menos verdade que grande parte do sucesso dos multi-campeões se deve às suas máquinas. Qual o factor diferenciador? A sua opinião pode ajudar a desenhar uma conclusão.

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asfalto
asfalto
6 anos atrás

Mais relevante que haver domínio apenas de uma equipa,é as equipas dominadoras deixarem os dois pilotos discutir vitorias entre eles. Os tempos de domínio Prost / Senna não foram monótonos apenas porque apenas uma equipa dominava, também nos tempos da Williams com Mansel e Piquet, foram campeonatos muito animados. Agora se o domínio de apenas uma equipa, acontece como nos tempos do Schumacher, perde a modalidade e o piloto porque nunca deixou que fosse comparado com outro grande piloto.

RogerM
RogerM
6 anos atrás

Ao olhar para o passado vemos que as equipas dominadoras, também têm o seu ciclo. A meu ver a vantagem da Mercedes em termos mecânicos, está mais na sua Unidade Motriz. Este ano a Ferrari deu luta pelo salto a nível de desenvolvimento da sua Unidade Motriz. Se para o ano a Renault e a Ferrari melhorarem algo mais a sua unidade motriz em relação à Mercedes, a concorrência que se cuide, uma vez que tanto Ferrari como Red Bull demonstraram ter um chassi competitivo. Facto patente em circuitos mais sinuosos. Veremos como vai se sair a Mclaren da a… Ler mais »

2fast4u
2fast4u
Reply to  RogerM
6 anos atrás

Concordo quando diz que a principal arma da Mercedes é o motor. Queria só acrescentar que um dos problemas da Mercedes é o facto do seu chassis ser mais comprido, o que não é muito bom precisamente em circuitos mais sinuosos.

m42engine
m42engine
Reply to  2fast4u
6 anos atrás

É o mais comprido este ano. Até 2017 estava entre os mais curtos e nem por isso tinham menos dificuldades nos circuitos mais sinuosos… O problema que a Mercedes tem com circuitos mais sinuosos e principalmente os citadinos é outro!

2fast4u
2fast4u
Reply to  m42engine
6 anos atrás

Só referi que é um dos problemas.
Pode esclarecer melhor qual o problema?

m42engine
m42engine
Reply to  2fast4u
6 anos atrás

Não é um problema. A Mercedes divide os circuitos em 3 tipos: normais, onde se encaixam a maior parte deles; rápidos, tipo Monza e SPA; e os lentos, tipo Mónaco e Singapura. Eles optimizam o carro para os normais e rápidos, deixando mais de parte os lentos. Sob o ponto de vista da aerodinâmica resulta num carro muito eficiente, isto é, gera muita carga com pouco arrasto, mas peca na carga máxima, isto é, não consegue gerar tanta carga aerodinâmica quanto a Ferrari e a RB. Com pouca carga não conseguem ter o melhor equilíbrio do carro, levando a problemas… Ler mais »

nuz18t
nuz18t
6 anos atrás

Acho que os carros fazem a maior diferenca, infelizmente! Mas a F1 com estas novas regras na aerodinamica ficou muito melhor… este ano pareceu facil para o actual campeao mas quem viu as corridas sabe que está a ficar mais apertado lá na frente! Por mim mudava os motores para v10 hybridos, pequena alteracao nos pneus e muita gasolina, está na hora de a F1 ter carros diabólicos e pilotos a fazer a diferenca…

kkk
kkk
Reply to  nuz18t
6 anos atrás

E alterem os circuitos, em relação ás escapatórias

chicanalysis
Reply to  nuz18t
6 anos atrás

Muita gasolina hein ? Ideia de génio, o ambiente agradece.

asfalto
asfalto
Reply to  chicanalysis
6 anos atrás

Os combustíveis derivados de petróleo são um problema, isso é verdade. Mas os híbridos ou eléctricos ainda se ade saber se são melhores ou piores para a saúde. Certamente já ouviste falar em radiações electromagnéticas que até os telemóveis afectam a saúde das pessoas, as torres de alta tensão, os transformadores de energia. A era dos eléctricos e híbridos está ai, mas só se vão falar dos problemas quando as pessoas quiserem.

so23101706
so23101706
Reply to  asfalto
6 anos atrás

O problema não é nenhum desses. As radiações não são referidas porque são um falso problema. A objecção é mais a poluição e os riscos inerentes à produção de energia eléctrica. Este problema não é muito visível em Portugal por termos meios ecológicos e eficientes de produzir energias alternativas, mas noutros países a energia eléctrica é produzida por centrais nucleares e alguns ainda recorrem a centrais a carvão. Depois há a questão da extracção dos materiais usados nas baterias, nos postos de transformação, etc., mas mesmo com tudo isto somado as energias alternativas são bem menos nocivas para o ambiente… Ler mais »

Ma Ling Hua
Ma Ling Hua
Reply to  so23101706
6 anos atrás

Totalmente de acordo. E até digo mais ao asfalto, se tem tanto medo das radiações o melhor é desligar já o computador, o telemóvel, apagar as luzes, a televisão, o micro-ondas, todos os componentes elétricos do carro etc…

asfalto
asfalto
Reply to  Ma Ling Hua
6 anos atrás

Eu não tenho medo, só tenho duvidas do que é mais prejudicial. E quanto a isso só o tempo o dirá.

asfalto
asfalto
Reply to  so23101706
6 anos atrás

Caro so23101706, está completamente enganado. Está cientificamente provado que há uma grande incidência de cancro nas pessoas mais expostas a essas radiações.

m42engine
m42engine
Reply to  so23101706
6 anos atrás

Não tinha tanta certeza disso. Primeiro, as fontes de energia ditas renováveis têm também um impacto importante no equilíbrio do planeta. Exemplo, se toda a area da terra fosse coberta por painéis solar térmicos o planeta aumentaria a sua temperatura média vário graus. Segundo, a maior parte dos problemas para a saúde em relação ao petróleo está mais ou menos controlados. O grande vilão hoje em dia é o CO2, mas o CO2 não é um gás que nos traga problemas de saúde…e as plantas até agradecem! Há tecnologias em desenvolvimento de captura de CO2 e produção de combustíveis sintéticos… Ler mais »

jo22101626
jo22101626
6 anos atrás

Os dois fatores mais importantes são o carro e os pilotos, pois com uma excelente interpretação dos regulamentos e um piloto capaz de capitalizar sem cometer muitos erros o poderio da máquina que tem nas mãos é meio caminho andado para ganhar. Claro que para ter os melhores pilotos e para ir mais longe no desenvolvimento é preciso dinheiro.Mas como pudemos constatar estes ultimos dominios foram feitos disto boas máquinas com pilotos que não cometam muitos erros ao volante

m42engine
m42engine
6 anos atrás

Lamento discordar…mas o artigo começa logo mal. O primeiro grande domínio não foi da Ferrari, mas sim da Mercedes! O W196 foi o primeiro carro de F1 muito, mas muito à frente dos adversários!
Em relação ao duplo fundo difusor (Brawn) e o difusor selado com os gases de escape (RedBull) também há muita confusão…são dois conceitos completamente diferentes. Portanto é errado dizer-se que a Brawn inventou e a RB aprimorou…

kkk
kkk
Reply to  m42engine
6 anos atrás

Ambos esconderam algo que, a partir de determinado momento (após “descoberta”) as vitórias baixaram fortemante!

m42engine
m42engine
Reply to  kkk
6 anos atrás

Ninguém escondeu nada de ninguém. O duplo difusor foi visto logo nos testes de pré-temporada em vários monolugares e o buraco no regulamento só foi “tapado” na temporada seguinte. Quanto aos escapes foram mantidos até 2012, e depois apesar de ter sido criada uma regra muito mais restritiva, eles continuaram até ao fim de 2013. Portanto não tem nada a ver uma coisa com a outra…

so23101706
so23101706
6 anos atrás

Mais um excelente artigo. Nós, leitores do AutoSport, andamos a ser mimados. (E quem não gosta de uns mimos?) O factor máquina foi sempre importante, desde os Cooper Climax de motor central traseiro até à engenhosa colocação do turbocompressor dos Mercedes W06 – passando pelo efeito de solo dos Lotus 79 e por todos os outros exemplos referidos no artigo, mas tem de haver sempre um piloto capaz de extrair o máximo das inovações incorporadas nos carros. Quantas vezes um conceito excelente não foi aproveitado por os pilotos não estarem à altura? Muitas. De repente, vem-me à memória o McLaren… Ler mais »

so23101706
so23101706
Reply to  so23101706
6 anos atrás

*layout

lc
lc
6 anos atrás

“Seguiu-se o reinado do Barão Vermelho de 99 a 2004” não concordo o Mika Hakkinen ganhou o titulo em 1998 e 1999 esteve perto do titulo em 2000 se o motor Mercedes não têm rebentado em Indianapolis as coisas podiam ter sido diferentes no Japão.julgo que o grande dominio do Michael Schumacher é de 2001 a 2004 4 anos em que ganhou tudo.Nos Motores de 1992 a 1996 a Renault teve dominio de 1997 a 2000 a mercedes tinha o motor mais potente de 2001 a 2004 a Ferrari tinha o melhor motor e o melhor carro ,em 2005 a… Ler mais »

m42engine
m42engine
Reply to  lc
6 anos atrás

Discordo…entre 2010 e 2013 a RB teve de longe o melhor motor…

so23101706
so23101706
Reply to  lc
6 anos atrás

Repare que o artigo não se refere apenas ao campeonato de pilotos.

chicanalysis
6 anos atrás

Volto a dar os parabéns à AS pelo upgrade jornalístico.
Só um pequeno reparo, “contrato” há muitos muitos anos que não se escreve com o c mudo, nem antes do último acordo ortográfico.
Continuem com o bom trabalho.

becojps12
becojps12
6 anos atrás

“(…)Ferrari, primeira construtora a vencer 3 campeonatos de seguida (75,76.77)(…)”
Em 1976 quem venceu o campeonato foi o James Hunt num McLaren.

so23101706
so23101706
Reply to  becojps12
6 anos atrás

Certamente não desconhece que existe um campeonato de construtores.

becojps12
becojps12
Reply to  so23101706
6 anos atrás

Obrigado pelo esclarecimento.

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