Allen Berg: Tequilla e Fórmula 1

Por a 25 Agosto 2024 12:21

Há pilotos que têm passagens pratica ou totalmente despercebidas pela Fórmula 1, e Allen Berg foi um deles. No entanto, não queria dizer que não tivesse algum talento, como mostrou nas fórmulas de promoção, mas chegou à F1 numa equipa que mal tinha dinheiro para dois carros, por isso não é de admirar que mal se tenha visto…

Para muitos pilotos, o seu sonho máximo é chegar à Fórmula 1. Nem todos têm talento para lá chegar mas, em muitos casos, trata-se de falta de dinheiro e de oportunidades. E, dos que lá chegam, seja através do talento, do dinheiro ou de uma coincidência de vários fatores, nem todos se aguentam por muito tempo, porque a exigência e a procura são tão altas naquela disciplina, que a concorrência é extrema. Quando perdem um lugar na Fórmula 1, a maioria dos pilotos reconverte-se noutras disciplinas, ou opta por deixar o desporto. Mas há alguns destes homens que encontram um nicho aonde desenvolver a sua carreira. Foi o que fez Allen Berg… no México.

Allen Berg foi, com Jacques Villeneuve Sr., uma das grandes promessas canadianas do início da década de 80 com ambições a competir na Europa. Nascido em Vancouver a 1 de agosto de 1961, Berg começou ainda adolescente nos karts e não tardou a conquistar títulos, primeiro na categoria júnior e depois nos séniors, em 1980. Nesse mesmo ano, estreou-se na Fórmula Ford Canadiana e, em 1981, venceu o Campeonato Canadiano e o Campeonato Norte-Americano, ao mesmo tempo que se estreava na Fórmula Atlantic, com um quinto posto no final do campeonato e dois pódios, sendo coroado Rookie do Ano.

Foi, sem dúvida, um início de carreira meteórico e, em 1982 Berg repetiu a sua aposta neste último campeonato. Infelizmente, agora ao volante de um Ralt RT4/81-Ford da Doug Shierson Racing, os resultados não apareceram, e só com a troca para um March 82ª-Ford é que Allen começou a inverter a tendência negativa, mas ainda assim não conseguiu fazer mais do que décimo no campeonato. No entanto, nesse Inverno, o canadiano foi disputar o Campeonato de Formula Pacific (sucessor das Tasman Series), ao volante de um Ralt RT4/82-Ford da prestigiada Graeme Lawrence Racing, vencendo três provas e alcançando mais três pódios para conseguir uma autoritária vitória neste campeonato, com104 pontos. Agora, o objetivo de Allen Berg era arranjar um lugar na Europa, e o título na Oceania conseguiu chamar as atenções de alguns managers ingleses, entre os quais ou antigo mecânico e depois sócio de Ron Dennis na Rondel, Neil Trundle, que tinha uma equipa na F3 Inglesa. A mudança para a Europa precisou de alguma adaptação, tal como é habitual em casos semelhantes, e a Neil Trundle Racing era uma equipa pequena, embora a combinação Ralt RT3/82-Toyota fosse tudo menos má. Porém, desde cedo se observou uma tendência – duas jovens promessas estavam alguns furos acima dos restantes.

Chamavam-se Martin Brundle e Ayrton Senna da Silva. Gradualmente, o canadiano foi-se imiscuindo na luta pelos pontos, tendo pela primeira vez conseguido tal desiderato em Thruxton e, na prova seguinte, estava já ao volante de um carro semelhante, mas inscrito pela Eddie Jordan Racing. Pois é, a equipa precisava de um segundo piloto consistente para, se possível, ajudar Brundle a roubar pontos a Senna, e Jordan considerou que Berg estaria à altura.

De facto, o canadiano não desiludiu, e começou a ser presença regular nos pontos e a lutar pelos pódios, muito graças aos motores Toyota preparados pela Novamotor usados pela equipa irlandesa, conseguindo o seu primeiro pódio em Silverstone. Berg não conseguiu ajudar Brundle, mas a regularidade deu-lhe o quinto posto no campeonato, com 32 pontos (numa das provas coincidentes com o Europeu de F3, Brundle e Senna preferiram correr com os pneus permitidos por este campeonato e não pelo standard britânico, por isso, ao ser o melhor dos “ingleses”, Berg foi tecnicamente vencedor em Silverstone. E, no final do ano, foi quinto no G.P. de Macau.

Em 1984 Eddie Jordan reforçou a aposta em Allen Berg, que com o Ralt RT3/84-Toyota, acreditava ter legitimas ambições ao título. No entanto, cedo se percebeu que os novos motores VW eram mais potentes, e muitas das equipas trocaram de propulsor a meio da época, mas Jordan tinha contrato com a Toyota e não o pôde fazer. Ainda assim, Berg brilhou e andou regularmente na luta pelos pontos e pelos pódios, conseguindo 11 pódios e duas poles, mas nunca concretizando numa vitória. Mais uma vez, a sua extraordinária regularidade foi compensada com um segundo lugar no campeonato, com 67 pontos. E, nesse ano, estreou-se no Mundial de Endurance ao disputar os 1000Km de Mosport ao volante de um Lyncar MS83-Cosworth do Grupo C2, partilhado com Costas Los, mas a dupla abandonou depois de liderar a classe por grande parte da prova, sem gasolina… O carro era de construção artesanal e a equipa nunca pensou que durasse muito, por isso não tinha feito planeamento de consumo!

Breve trecho na Fórmula 1

Apesar das boas prestações na F3 Inglesa e de ter ganho o Prémio de Melhor Piloto Canadiano de 1984, tornou-se rapidamente percetível que Allen não era assim tão talentoso quanto se esperava, e em 1985 não conseguiu um volante competitivo, nem na F3 nem na F3000. Talvez a mudança para a Endurance pudesse ter dado outra alma à carreira de Berg, porque coincidia com o seu estilo, extremamente regular e consistente. No entanto, ele estava focado nos monolugares e, além de algumas provas de Fórmula Pacific, decidiu experimentar a Fórmula K no México!!! Uma escolha peculiar, mas que lhe trouxe 3 vitórias e mais 2 pódios em cinco corridas, acabando vice-campeão. Ainda assim, em 1986 estava novamente sem lugar…

Em meados da temporada, o conceituado piloto da Arrows Marc Surer sofreu um pavoroso acidente no Rali Hessen, ao volante de um Ford RS200 de Grupo B. O suíço era presença habitual em provas de turismos, mas estava também disposto a enveredar pelos ralis, e em 1986 iria disputar grande parte do Campeonato Alemão. Porém, naquele dia, a falta de segurança dos Gr.B ficou novamente patente, e Surer terminaria ali a sua carreira, enquanto o navegador Daniel Wyder teve menos sorte e ficou preso dentro do carro quando este se incendiou. A Arrows não tardou a atrair o piloto da Osella Christian Danner, campeão em título de F3000, para a sua equipa, deixando a pequena escuderia italiana em busca de um piloto. Tudo indicava que esse homem fosse Alain Ferté, mas Allen Berg conseguiu reunir alguns sponsors canadianos, o que lhe permitiu estrear-se na F1 no Grande Prémio dos EUA!!! Certamente, poucos pilotos passaram de um campeonato mexicano à F1, mas as credenciais obtidas em Inglaterra também contaram um pouco.

A Osella estava a fazer experiências com o seu carro, depois de o FA1F-Alfa Romeo se ter mostrado muito pouco competitivo. Berg estreou o FA1G em frança e o FA1H em Inglaterra, mas não demorou a que os homens de Verolengo se apercebessem que quanto mais modificações, pior. Nem Ghinzani, nem Berg foram competitivos, e a equipa arrastava-se pelos últimos lugares, raramente terminando as provas graças à péssima fiabilidade do motor Alfa Romeo turbo V8. E, em Itália, Berg cedeu o lugar a uma jovem promessa, Caffi. Allen nunca conseguir entrar no top-10 e foi batido consistentemente em qualificação e performance por Ghinzani, mas há que dizer que o financiamento da Osella era tão baixo que a equipa mal tinha tempo de testar ou de arranjar peças novas, e que Berg não deixava de ser segundo piloto em relação a Ghinzani, que já tinha uma relação longa com a equipa. Não que Berg se queixasse, aliás, o canadiano sempre elogiou a equipa pelo profissionalismo com que, naquelas circunstâncias, tudo faziam. Os seus esforços ainda atraíram a atenção de algumas pessoas na Fórmula 1, mas era preciso (ainda) mais dinheiro e, quando o G.P. do Canadá foi cancelado para a temporada de 1987, os potenciais patrocinadores retiraram-se de imediato.

Tentativas na Endurance

Berg sonhou sempre com a F1 e, nos anos seguintes, correu esporadicamente, sempre à espera de um possível contrato. Em 1987, disputou os 1000Km de Silverstone pela Kremer Racing ao volante de um Porsche 962C, partilhado com Volker Weidler e Kris Nissen, mas abandonou cedo. No final desse ano, já a pensar num futuro nos Sport-Protótipos, Berg testou um Jaguar XJR-9 do campeonato IMSA, e a operação norte-americana da TWR esteve prestes a contratá-lo para as principais provas do calendário, incluindo Le Mans, quando a direção da equipa decidiu que queria exclusivamente um piloto dos EUA. Assim, em 1988, Allen apenas correu ocasionalmente no campeonato Trans-Am, e em 1989 teve a oportunidade de disputar as 24h de Daytona com um Porshce 962C, dividido com Bernard Jourdain, Oscar Manautou e Andrés Contreras, mas abandonaram perto do final da prova.

Sem grandes perspetivas, Berg foi recomendado a Richard Lloyd, que fazia correr Porsches no WSC/WEC. Deste modo, o canadiano estreou-se finalmente nas 24h de Le Mans, ao lado de Bruno Giacomelli e John Watson, terminando em 11º, e depois iria fazer uma prova do Campeonato Japonês de Sport-Protótipos, mas o seu colega de equipa destruiu o carro nos treinos! Como o piloto, apesar de a telemetria mostrar ter sido um erro de pilotagem, processou Lloyd, este decidiu abandonar as operações no Japão e concentrar-se no WEC, convidando Berg para correr as últimas duas provas com Manuel Reuter. Desta vez, houve azar por parte de Berg, que sofreu um acidente de mota, partindo uma mão, o que acabou com a temporada de 1990. E, com as novas regras do Grupo C, Richard abandonou o WEC, deixando Berg sem volante para 1991. A caminho dos 30, Allen decidiu “emigrar” para os turismos, alinhando no DTM com um BMW M3 da pequena Tauber Motorsport, mas a equipa estava longe de ser competitiva e o piloto raramente saiu dos últimos lugares.

Viva México

Quando a carreira de Allen Berg parecia estar definitivamente encerrada, eis que a Marlboro interveio, convidando-o para representar as suas cores… no México!!! Pois bem, Berg já se tinha dado bem por lá em 1985, e a década de 90 foi um período de ouro do desporto motorizado mexicano, com pilotos profissionais, muitos patrocinadores e dinheiro em abundância, grelhas completas, etc… Berg foi correr para a F2 Mexicana, que usava carros muito similares à Fórmula Atlantic, e de imediato foi terceiro em 1992! Mostrando a sua facilidade de adaptação, Berg venceu o prestigiado título em 1993 ao volante de um Ralt RT40-Chrysler, vencendo três provas e ficando na folha de recordes como o único estrangeiro a vencer aquele campeonato. Em 1994, voltou a vencer Três vezes, mas foi vice-campeão, e ainda foi vencer a última ronda do campeonato local de Protótipos, aonde encontrou um jovem de 16 anos bastante aguerrido… Juan Pablo Montoya.

Em 1995, Berg decidiu deixar a Fórmula Atlantic para se dedicar à Fórmula 3 local, com monolugares bem mais semelhantes aos europeus. Assinando pela Montana Team, venceu duas provas nesse ano e terminou em terceiro, mas em 1996, com a Coca-Cola Team, só conseguiu ser quarto e vencer uma prova, afirmando mais tarde ter consciência de uma má escolha das equipas. Porém, com a Corona Racing em 1997, tudo se combinou para dar certo e Berg venceu duas provas e o campeonato com algum á vontade. Mantendo-se na equipa, 1998 não foi um ano bem-sucedido, mas Allen estava já ocupado a testar os novos carros de Indy Lights Panamericana, ao mesmo tempo que era convidado pela Dick Simon Racing para correr no campeonato IRL em 1999. Infelizmente, faltou reunir cerca de 25% do budget necessário e a grande oportunidade de Berg voltar aos grandes palcos ficou perdida. Deste modo, assinou pela Canel’s team para continuar na F3 Mexicana nesse ano, conseguindo mais alguns sucessos, mas em 2000 os promotores do campeonato decidiram “dar um aviso” à equipa e ao piloto, já que não estavam interessados em mais vitórias estrangeiras… Já Tommy Byrne dizia que o desporto mexicano tinha características muito… peculiares…

Assim, Berg ficou sem volante em 2000, só regressando na segunda metade da época na Indy Lights Panamericana – também conhecida como Fórmula de las Americas – conseguindo mais uma vez resultados de relevo. E, em 2001, decidiu criar a sua própria equipa, com o mexicano Peregrino Guerrero, inscrevendo dois carros na Indy Lights e dois na F3 Mexicana. Berg esteve impecável na primeira categoria e dominou o campeonato ao volante do seu Lola T96-Chevrolet, vencendo quatro provas e o título com enorme autoridade. Em todas as categorias sul-americanas em que alinhou, Berg foi pelo menos uma vez campeão!

Mal conseguiu o título, Allen Berg retirou-se de imediato para se concentrar na gestão do seu projeto. Lançou-se também no treino de pilotos na escola de Fórmula X, no México, rapidamente tornando-se instrutor-chefe e sócio da escola, mas a experiência acabou quando o canadiano não mais viu o dinheiro. Pouco tempo depois, Berg regressou ao Canadá, criando uma nova equipa, a Scuderia Fortia, para correr na Fórmula Atlantic, o terceiro degrau na hierarquia dos Champ Cars. A equipa teve resultados de relevo, mas os patrocinadores eram poucos e obrigaram Berg a reduzir as operações para campeonatos menores, antes de encerrar o projeto e tornar-se consultor de várias equipas na F.Atlantic. Atualmente, Allen Berg possui uma conceituada escola de pilotagem no Canadá, mas trabalha com outras, tanto como instrutor como consultor técnico ou de marketing. Uma carreira aventurosa, sem dúvida.

Guilherme Ribeiro

Fotos Facebook Allen Berg Racing Schools

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado