Stirling Moss, o homem que só podia ter sido piloto
Stirling Moss recebeu o título de Sir no ano 2000, das mãos da rainha Isabel II de Inglaterra. Uma honra que faltava – tal como o título mundial na F1. Mas, esse, nunca virá…
Stirling Moss é um ícone do automobilismo mundial. Hoje tem já 90 anos, mas há alguns anos ainda participava em eventos, pilotando carros da época em que desafiava o perigo nas pistas de todo o Mundo – precisamente como dantes, com o capacete de couro na cabeça e em mangas
de camisa, uma luta que venceu com a Federação inglesa, depois de ter assinado um documento em que se responsabilizava por qualquer
acidente que sofresse. Mas, na verdade, como poderia ser de outra forma a vida deste britânico baixo e entroncado, praticamente careca há muitas décadas, que quase deu a vida por uma causa que abraçou, mal tinha terminado a Segunda Grande Guerra, contra ventos e marés?
Piloto: único mister que sabia fazer Stirling Moss nasceu de uma família tradicional inglesa: o pai, Alfred, era dentista e, nas horas vagas, corria na terrível oval de Brooklands e, enquanto estudava na América, nas 500 Milhas de Indianapolis.
Também a mãe corria, em provas de estrada e ralis locais. Com nove anos, o pai ofereceu-lhe um velho Austin Seven, com o qual começou
a percorrer as estradas, então quase vazias, da região. Stirling não era, contudo, um miúdo saudável, teve várias doenças na sua infância, e
um problema de fígado afastou-o do serviço militar, o que mais tarde gerou alguma controvérsia, até o seu pai tornar públicos os registos
médicos. Seja como for, e apesar de ter sido o pai Alfred a alimentar a sua paixão latente pelos carros, quando Stirling comprou por 50 libras
um MG Aspen de competição, foi o pai a escrever para a fábrica, a ordenar o cancelamento da nota de encomenda!
Nessa altura, o jovem tinha já a permissão oficial de conduzir e fazia-o num Morgan de três rodas, tipo de viatura muito em voga depois do final da Segunda Grande Guerra. E já então tinha ficado definido que o jovem Stirling não tinha habilidade para nada – exceto, para conduzir. Como em qualquer boa e tradicional família, o pai Alfred quis que o seu rebento seguisse as suas pisadas como dentista e ficasse a tomar conta do negócio, que até era bastante rentável.
Mas as notas escolares depressa tornaram isso inviável. Uma breve passagem por uma escola técnica provou em definitivo a ineficácia do
Stirling estudante. E, mesmo quando o colocaram num trabalho alternativo, tinha ele 17 anos, num hotel da zona, percebeu-se a sua total inépcia até para os trabalhos mais simples, como criado ou porteiro da noite! A solução estava naquilo que Alfred sempre quis evitar – as corridas
de carros. Tem quatro rodas? Então está bem! No final dos anos 40, não era fácil fazer corridas na Europa. O racionamento da gasolina era brutal e as corridas faziam-se a maior parte das vezes com carros usando metanol. Isso não foi impedimento para a ambição de Stirling, que conseguiu convencer o pai Alfred das suas capacidades depois de, um dia, o ter a seu lado como eventual passageiro num Cooper, durante uma demonstração nos terrenos em redor da oficina da marca. Como prémio, o seu pai ajudou-o a comprar, por 600 libras, um dos carros feitos então em Surbiton.
Ao longo dos anos, Stirling Moss provou as suas enormes capacidades enquanto piloto, conduzindo de forma ganhadora toda e qualquer máquina de competição. Desde que tivesse quatro rodas, era o bastante para ele. A primeira vez que pilotou para uma equipa de fábrica, foi em 1950, na HWM, equipa fundada por John Heath e George Abecassis e que fazia correr carros de F2. Nesse ano, com um Jaguar XK 120 privado, venceu o Tourist Trophy e, com um Type C, ganhou a corrida de “sport” integrada no GP de França de F1, naquele que foi o primeiro triunfo de um carro com travões de disco. No ano seguinte, já com nome feito nas corridas de F500 (percursora da Fórmula Júnior e, mais tarde, da Fórmula 3), Moss estreou-se na F1, onde foi um dos mais talentosos pilotos de todos os tempos. Teve, contudo, a infelicidade de ter como adversário principal um argentino de pernas tortas, chamado Juan Manuel Fangio – atrás do qual se classificou por três vezes, na tabela
final do campeonato. A quarta vez que foi segundo, foi-o atrás de Mike Hawthorn, por um ponto, em 1958. Depois disso, foi por três vezes terceiro no Mundial, antes de se retirar das competições, aos 33 anos, em 1963. Há quem diga que nunca foi campeão por ter insistido em pilotar apenas carros ingleses, o que não é completamente verdade.
Durante a sua carreira, Stirling Moss participou oficialmente em 466 corridas, vencendo 194. Ou seja, cerca de 40 por cento! Entre essas vitórias, o destaque tem que ir para a notável cavalgada, nas angustiantes Mille Miglia de 1955, onde foi o primeiro a utilizar um acompanhante ditando notas de percurso, no caso o jornalista Denis Jenkinson. Ambos fizeram o trajeto que ligava Brescia a… Brescia, num Mercedes 300 SLR, tornando-se os primeiros estrangeiros a vencerem a prova depois de Rudi Caracciola e os únicos britânicos a consegui tal proeza.
Moss venceu também em Pescara a na Targa Florio, na Sicília e, nas dramáticas 24 Horas de Le Mans de 1955, fazendo equipa com o seu rival Fangio. Liderava a prova quando a esquadra Mercedes se retirou, em homenagem às mais de 80 vítimas do acidente como Mercedes de Levegh.
GP de Portugal 1958
Stirling Moss foi piloto numa época que hoje já não existe. Só assim se explica o que sucedeu naquele GP de Portugal, em 1958. Moss e Mike Hawthorn estavam em luta pelo título. Para Stirling, era a grande oportunidade de garantir a coroa, agora que o seu arqui-rival Fangio tinha abandonado. Na prova portuguesa, em Monsanto, Hawthorn fez um pião, regressando à corrida, que veio a terminar em 2º. Este lugar, junto com o ponto averbado pela volta mais rápida, totalizava sete pontos – que vieram a ser fundamentais na obtenção do seu único título, conforme se viu mais tarde. É que, mal desceu do pódio, o louro britânico viu-se desclassificado, por alegadamente ter entrado em pista no sentido contrário à corrida. Foi então que Moss saiu em defesa do seu adversário, garantindo um testemunho que se revelou decisivo: Hawthorn foi confirmado no 2º lugar e, no final do ano, venceu o título com mais um ponto que Moss. Este, pragmático, esclareceu: “Não podia ter feito outra coisa!”
Acidente quase fatal em Goodwood
Domingo de Páscoa, primavera de 1962: durante o Glover Trophy, prova de F1 extra-campeonato, o Walker-Lotus de Stirling Moss saiu de pista, a mais de 200 km/h. Cruzou a relva de Goodwood, sem controlo, terminando num fosso. Os socorros foram céleres, mas menos a retirá-lo dos destroços: demoraram 45 minutos, com recurso a toscas serras de metal para cortar as ferragens retorcidas. Moss foi extraído exangue, com feridas graves no crânio e braços. Esteve em coma durante um mês e com o lado esquerdo do corpo paralisado durante meio ano. Chegou a ser dado como morto – ainda hoje, o site www.brainyhistory.com assinala a efeméride da sua morte “enquanto corria, aos 32 anos”, a 23 de Abril! A recuperação foi, portanto, muito lenta e penosa. Depois de sair do hospital, galã como sempre, Moss convidou para jantar as 11 enfermeiras que o trataram. A 1 de Maio de 1963, de novo em Goodwood, Moss entrou para o “cockpit” de um monolugar. Durante cerca de meia hora, rodou sem parar. Depois, entrou nas boxes, saiu do carro e disse, simplesmente: “Retiro-me!”