Press on Regardless Rally 1973: A primeira vitória da Toyota no WRC foi há 50 anos

Por a 1 Janeiro 2023 14:08

Todos os contos de fada começam com “era uma vez…” e a primeira vitória da história da Toyota no desporto automóvel também teve o seu ‘prefácio’, com o triunfo de Walter Boyce e Doug Woods no Press On Regardless de 1973.

O triunfo de Jari-Matti Latvala no Rali da Suécia de 2017, foi o primeiro da Toyota no Mundial de Ralis depois do Rali da China de 1999 e um momento que nos fez reviver memórias dos anos dourados da Toyota Toyota Team Europe no WRC. Esses dias felizes da Toyota foram bem documentados, e há muita gente que se lembra ainda de muitas histórias desses tempos, pelo que é uma boa oportunidade para recuar aos tempos ante da TTE, ao momento em que um Toyota venceu pela primeira vez no Mundial de Ralis.

Isso sucedeu no Press on Regardless Rally de 1973, o ano de abertura do Mundial de Ralis, numa prova realizada no estado de Michigan, nos EUA, num evento ganho pela dupla privada canadiana, Walter Boyce e Doug Woods. Mesmo que o evento tenha sido coberto em detalhe pelo antigo jornal inglês Motoring News, saber mais sobre este evento tornou-se, também ele, uma aventura. Com a ajuda do antigo navegador inglês, Stuart Gray, fomos à procura de Walter Boyce. Estava de férias nos EUA, mas com a tecnologia de hoje, fizemos uma ‘conference call’ com o Doug Woods.

Walter era um típico pilotos de ralis norte-americano enquanto o Doug tinha uma perspetiva mais alargada da modalidade. “O Doug e eu participamos pela primeira vez no Press On Regardless de 1969, o primeiro ano em que teve um formato de provas especiais de classificação, onde terminámos em quarto num Datsun 510 e 1973 foi a nossa quinta tentativa no evento. O Press On Regardless era um rali muito duro, e terminar era um autêntico feito” começou por dizer Walter Boyce. Já Doug Woods: “Tinha ido para a Europa em 1973 para fazer alguns ralis com o Bob Hourihan. O Scott Harvey e o John Buffum também foram. Depois de vencer o campeonato canadiano, a Datsun cedeu ao Walter um carro de fábrica, com especificações do RAC, um 1600SSS, que guiamos sucessivamente desde o início de 1971. O Walter começou a pilotar Toyotas em Junho de 1971 no British Columbia Centennial Rally, a reedição do famoso Shell 4000 trans-Canadá do passado. Foi uma boa decisão. Tivemos que ser nós a preparar o carro, mas mostrou-se robusto e fiável. Já Walter Boyce: “Não fomos muito longe na primeira saída com o Toyota, desistimos na primeira noite após uma salto em que a ventoinha se enfiou no radiador devido a apoios de motor demasiado flexíveis. Na prova seguinte mudamos tudo e prendemos o motor de outra forma. A Canadian Motor Industries (Toyota Canadá) continuou a apoiar-nos com um programa de incentivos e prémios, mas o carro era meu e era eu que assumia os riscos. Vencemos o campeonato canadiano entre 1971 e 1974 com a Toyota. Escusado será dizer que tentamos manter o carro a correr e continuamos a prepará-lo para minimizar os custos. Mas estávamos sempre a aprender. Desistimos no Press On Regardless de 1971 com uma quebra da bomba de óleo, algo totalmente inesperado, mas que resultou noutro melhoramento ao carro, um reservatório de óleo ‘flutuante’. Regressamos em 1973 ao Press On Regardless, agora já prova do Campeonato International FIA para Construtores, com um sexto lugar final.”

Walter Boyce continuou a explicar como a Toyota chegou à primeira vitória: “O carro utilizado no Press On Regardless de 1973 era o nosso segundo Corolla. E era novamente um carro muito básico. Nessa altura já tinha o motor 2T ‘pushrod’ de 1600cc, que tinha sido evoluído pelo Bruno Tagliani em Montreal, que debitava para aí 140 cv. Adicionamos uma quinta velocidade à caixa standard, uma relação de caixa maior e um diferencial autoblocante, melhores amortecedores e molas, bem como um chassis mais evoluído, que nos permitisse rodar melhor e ‘sobreviver’, juntamente com um sistema Peltor de comunicações. Se me lembro corretamente, o Doug arranjou uns pneus Dunlop bem agressivos, do John Horton em Inglaterra. Toda a nossa equipa era voluntária e incluía o ‘Chefe’ Robin Tyler e o meu cunhado Paul Bradbeer, enquanto em Ottawa, nossa casa, o nosso concessionário Toyota era a Jacquot Motors.”

Fazer ralis a sul da fronteira era habitual para um canadiano, e lógico participar no Press On Regardless, cuja base era no Michigan. Para Doug Woods: “Apesar do evento começar em Detroit, era na parte mais a norte do Michigan que existiam os melhores troços. A maioria delas nem sequer nunca tinham sido utilizadas antes em ralis. Muitas delas eram estradas municipais, ou do condado, outras, florestais, mas todas elas tinham um coisa em comum, uma base em areia, que levava a que fossem muito macias, mas que por outro lado ficavam ‘escavadas’ rapidamente” disse o navegador, que explicou também a receptividade que o rali tinha na altura: “Acho que as pessoas da terra nem sequer sabiam que havia rali. A maioria dos espectadores eram pessoas do desporto motorizado, que viajaram só para ver o rali. Era uma novidade para os locais.”

Competir numa prova do Mundial de Ralis significava também entrar num mundo com regras diferentes: “Sabíamos como preparar os carros para os regulamentos internacionais. Eu tinha organizado o Rideau Lakes Rally no Canadá, quando este foi observado para fazer parte do WRC, portanto isso não era surpresa para mim. Sabíamos todas as regras, mas os organizadores mantiveram o sistema americano de cronometragem, não ao segundo, mas ao décimo de segundo, o que foi ditado pelos cronómetros disponíveis, o que era OK”. O mais interessante é que o piloto canadiano pilotou pela primeira vez com notas de andamento. Como Walter Boyce não podia, foi Doug Woods que passou uma semana no Michigan a tirar notas, com outro piloto canadiano de topo, Randy Black. Para Doug Woods: “Walter nunca tinha ouvido uma nota de andamento na vida da minha boca até à primeira especial do rali. Penso que depressa percebeu o valor das notas, e claro, eu aprendi muito a fazer notas de andamento quando fui para a Europa em 1973. Todos os restantes ralis foram às escuras. Um ano antes, as notas não eram permitidas. E era totalmente diferente em 1973 com as notas. Para Walter Boyce: “O Doug chamou-me de lado quando eu cheguei com a equipa a Detroit, sem quaisquer margem de dúvidas que eu ia ganhar esta prova. E um piloto sempre faz o que o seu co-piloto diz!”

Depois, houve o fenómeno das quatro rodas motrizes. Em 1972 a Lancia tinha mandado Harry Kallstrom ao Press and Regardless. Um mês antes, houve outro evento chamado Moonlight Monte, que utilizava troços do Press and Regardless. Daniele Audetto, o manager da Lancia, veio ver como era o rali. Na primeira vez que ele foi a um troço e viu um Jeep Wagoneer em ação ficou surpreendido, pois não acreditava o rápido que era. Era uma besta gigantesca com as suas quatro rodas motrizes e muita potência. Grande, rápido e com muita tração. O piloto, Gene Henderson tinha sido competitivo com o Fulvia esse ano. Sabíamos que a competição era muito forte no Mundial de Ralis, mas também sabíamos que não havaria muitos carros competitivos no Press and Regardless 1973. Foi bom ter os FIAT da Polski, mas tal como se esperava não era competitivos, e também foi um grande desapontamento ter visto que alguns dos carros, como alguns FIAT e o Porsche de Walter Rohrl não apareceram, mas foi o que foi”. Em 1973, Erhard Dahm guiou outro Jeep Wagoneer enquanto Henderson guiou um Jeep Cherokee, mais leve e pequeno que o Wagoner, mas ambos tiveram problemas de motor, julga-se que, a equipa tentou ‘sacar’ mas potência do motor. Enquanto estiveram no rali, Boyce bateu-os em quase todos os troços. Depois disso, as autoridades desportivas, baniram os quatro rodas motrizes do Mundial de Ralis pelos sete anos seguintes…

Walter Boyce esteve na liderança desde o começo do rali com os Jeeps imediatamente fora do ritmo e nunca foram ‘tidos nem achados’ para a luta na frente. Atrás de Boyce, havia uma boal uta pelo segundo lugar entre o finlandês/canadiano, Taisto Heinonen (Opel Manta) e Bob Hourihan (Datsun 1800SSS) até que ambos sairam de estrada. Jim Walker passou a ocupar o segundo lugar no seu Volvo 142S enquanto que a melhorar gradualmente, depois de um começo nervoso estava John Buffum’ no seu Ford Escort RS1600. Entretanto, Boyce teve problemas com a iluminação do Toyota na terceira noite, mas o seu maior pânico foi com o radiador do Toyota: “Mal conseguimos sair do troço. E não havia rádio, claro. Contudo, isto sucedeu bem antes de haver parques de assistência , e podíamos assistir os carros ao longo da estrada. Encontrámos a nossa equipa de assistência, mas o Robin não estava a conseguir reparar o radiador. Depois de vários minutos de muita ansiedade, porque o relógio não parava, eu fui ver como estavam as coisas mas não havia maneira do tubo do sistema funcionar! A última ligação até ao final foi quase uma prova de classificação, mas lá ganhámos o rali” disse Boyce. Para ele, este foi o seu último grande sucesso, um piloto que tinha ganho todos os grandes ralis na América do Norte.

Mas quanto será que custou este rali Press On Regardless? Foi Walter Boyce que respondeu: “Provavelmente entre 2.000 e 3.000 dólares para disputar o evento, inscrição, hotéis, tudo isso. O Doug fez notas de andamento para o evento e vendeu cópias a 20 dólares a 30 concorrentes, que não tinham tido oportunidade de fazer as suas próprias notas. Só aí foram 600 dólares a vender notas… Não parece muito dinheiro agora, mas era uma percentagem muito grande dos nossos custos. Acho que pelo menos pagou os reconhecimentos por completo. Olhando para trás, o Corolla foi um carro muito competitivo, mas não havia nada como os Ford Escort de fábrica, naquela altura. Mas vencer o Press On Regardless despertou a atenção da Toyota no Japão pois foi a sua primeira vitória de sempre no Mundial de Ralis, e não só nos ralis, mas sim em toda e qualquer forma de desporto motorizado”. Walter e a sua mulher Leslie tiveram direito a uma bela viagem ao Japão, por terem ganho o rali, e Boyce recorda-se ter regressado do Japão bem mais ‘gordo’, com muitas peças da Toyota Racing Development para melhorar o seu Corolla para as provas de 1974.

O Press On Regardless foi novamente disputado em 1974, ao lado do WRC Rally de Rideau Lakes no Canadá. O Mundial de Ralis regressou em 1977 e 1979 ao Canadá e depois em 1986 – 1988 aos EUA, com o Olympus Rally disputado no estado de Washington. Será que os EUA vão receber o WRC outros vez algum dia? Uma das teorias é que os Press On Regardless terminaram após 1974 depois de problemas nos reconhecimentos, problemas com a polícia, coisas assim. Será que era demasiado intrusivo para permitirem que continuasse? Houve uma história relativa a Sandro Munari que teria sido perseguido quando guiava o seu Lancia Stratos num troço, pelo Chefe da Polícia! Terá sido essa a queda das esperanças do Michigan de voltar a ter provas do Mundial de Ralis? “Penso que isso contribuiu, mas a razão principal era a mesma do Rideau Lakes, no Canadá. É que os ralis não eram suficientemente apoiados para que pudesse ser possível ter um rali do mundial. Simplesmente, os ralis não eram populares no Canadá ou nos EUA e não havia dinheiro suficiente disponível para colocar as provas no Mundial de Ralis” disse Doug Woods, corroborado por Walter Boyce: “Não era só o dinheiro, mas também a coordenação com as autoridades locais do desporto motorizado e a utilização de estradas públicas estava a ser cada vez mais desafiada. Lamentavelmente, acho que não vamos voltar a ver um evento do WRC no Canadá ou EUA novamente. Os ralis nos Estados Unidos da América do Norte continua a ser uma disciplina secundária, difícil de promover nos media apesar das grandes histórias e do grande efeito visual que os carros têm nos troços. O que mantém vivo o WRC são os seus grandes pilotos e equipas. Longa vida para eles. Penso que se falarem com as pessoas na rua nos EUA ou no Canadá a quase totalidade deles nem sequer imaginam o que é o WRC” disse Boyce.

Para Doug Woods: “Mesmo que fosse ótimo conseguirem fazê-lo, penso que hoje em dia quase não há carros conformes nos EUA ou Canadá para os regulamentos do WRC, portanto seria uma tarefa quase impossível fazer ali uma prova do WRC. Mas se o fizessem, os seus entusiastas iriam adorar”.

Quanto à Toyota, os ralis sempre estiveram no seu ADN. No fim dos anos 60, o Japão tinha tido carros para Jan Hettema e Vic Elford no Rali de Monte Carlo, Ove Andersson preparou a sua Toyota Team Europe depois de correr em 1972 no RAC. A TTE venceu inesperadamente com Hannu Mikkola em 1975 nos 1000 Lagos e a partir daí somaram-se 76 vitórias, todas bem gravadas com a Toyota Gazoo Racing a dar sequência à tradição da marca japonesa nos ralis. Esta é apenas uma pequena história de como todo esse sucesso começou.

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