A equipa Copersucar/Fittipaldi (1975/1982): O sonho agridoce dos irmãos Fittipaldi
Ainda este fim de semana vimos Pietro Fittipaldi rodar num Treino Livre com a Haas F1, mas o nome Fittipaldi tem uma longa história na F1. Wilson Jr. e Emerson Fittipaldi, na altura pilotos de F1 em atividade, tiveram um dia um sonho. Porque não fundar a primeira equipa de F1 brasileira – e da América do Sul? Nasceu assim a Copersucar/Fittipaldi, que durou oito temporadas e largou para em 104 GP, entre 1975 e 1982.
Nessa altura, a F1 não era o que é hoje, um negócio estuporado, frio e injusto. Sim, é certo que era preciso dinheiro, muito dinheiro – e que só os mais fortes conseguiam vingar. Mesmo assim, era possível a um “garagista” ou a um empreendedor com posses, montar de raiz uma equipa e pô-la a correr na F1. Pois foi isso mesmo que os irmãos Fittipaldi, de uma das mais credíveis famílias brasileiras ligadas a negócios vários e ao desporto automóvel, fizeram, em 1974. E nem os esforços do “Barão”, o pai Fittipaldi, o velho “Wilsão”, em demover os filhos, negando-lhes ajuda financeira, os demoveu do sonho. O primeiro monolugar de F1 da Copersucar, o FD01, foi apresentado com pompa e circunstância, a 16 de Outubro de 1974.
Quase dez anos de paixão
A equipa Copersucar deve o seu nome ao apoio financeiro da cooperativa com o mesmo nome, que agrupava os produtores de cana-de-açúcar, açúcar e álcool do Estado de São Paulo. Pioneirismo e inovação sempre estiveram entre as suas caraterísticas – e isso viu-se logo aí, quando aceitou fazer parte do sonho dos Fittipaldi, dando-lhes o necessário suporte financeiro e, em troca, batizando a equipa e os primeiros chassis de F1.
E falando deles, o primeiro teste oficial do FD01 – o “D” era de Ricardo Divila, o responsável pelo seu “design” e construção – foi em Dezembro, com Wilson ao volante. Ao contrário, desta vez até a imprensa especializada lá estava – para ver um fiasco, pois o carro não rodou, com um princípio de incêndio, provocado pela quebra da bomba de água. A equipa cancelou o teste e “embalou” o carro em direção a Buenos Aires, onde iria fazer a sua estreia, no GP da Argentina, em Janeiro de 1975. Já na véspera, sem testemunhas por perto, também Emerson o tinha conduzido, mas então problemas com a pressão de gasolina encurtaram a exibição.
A partir daqui, foram oito temporadas de pura paixão. A equipa encerrou portas no início de 1983, depois dos irmãos Fittipaldi perceberem, com tristeza, que nenhuma empresa brasileira queria investir e que, pior que isso, a equipa estava mal vista, era motivo de vergonha nacional e tinha uma dívida de sete milhões de dólares.
O primeiro chassis, o FD01, ficou esquecido durante décadas num barracão da quinta da família, em Araraquara, até ser totalmente recuperado e regressar à pista de Interlagos, a 10 de Novembro de 2004, pelas mãos de Christian Fittipaldi, filho de Wilson Jr.
Para finalizar, uma adenda à história da Fittipaldi: além do Mundial de F1, alguns chassis correram no campeonato britânico de F1, que era chamado Aurora. Em 15 de Abril de 1979, um F5A terminou em 7º lugar – atrás de seis carros do Mundial de F1 – na Corrida dos Campeões, em Brands Hatch, pilotado por Guy Edwards. Nesse ano, este e o belga Bernard de Dryver fizeram essa competição na totalidade, subindo mesmo algumas vezes ao pódio. No ano seguinte, foi a vez de Val Musetti, um “cascadeur” britânico, correr com um F5B alterado, no mesmo campeonato, mas com menor sucesso.
Segundo lugar em Jacarepaguá: A melhor corrida da Copersucar-Fittipaldi
A temporada de 1978 da Copersucar-Fittipaldi foi a melhor da sua história. Nessa época, a quarta no Mundial De F1, a equipa conquistou 17 pontos e foi 7ª, na frente da McLaren, Williams, Renault e Arrows, no Mundial de Construtores. O seu único piloto nesse ano, Emerson Fittipaldi, foi 10º, com o mesmo número de pontos que Gilles Villeneuve, que estava ao volante de um Ferrari e que, no ano seguinte, lutou pelo título mundial com Jody Scheckter. Em 1978, ano em que participaram 26 equipas no campeonato, entre equipas de fábrica e privadas, a Fittipaldi Automotive (era então o seu nome) correu com o chassis F5A, uma evolução do F5 desenhada por Giacomo Caliri, equipado com um motor Ford-Cosworth DFV. O carro era amarelo e tinha o número 14. Ao longo do ano, participou em todos os 16 GP, abandonando por seis vezes e pontuando outras tantas. A melhor corrida foi, sem dúvida, o GP do Brasil, em Jacarepaguá, a segunda jornada do campeonato.
Era o dia 29 de Janeiro de 1978 e ficou na História da Copersucar-Fittipaldi, como aquele em que sucedeu a melhor e mais bela corrida da equipa. Sétimo na grelha de partida, que tinha Ronnie Peterson (Lotus/Ford) na “pole”, Emerson Fittipaldi depressa entrou nos lugares pontuáveis (então, eram apenas os seus primeiros…) e teve arte e engenho para poupar os pneus para a parte final da corrida, onde estava bem superior ao Brabham de Lauda e ao Lotus de Andretti, que rodavam – e assim ficaram – logo atrás. E rezam as crónicas da época que Carlos Reutemann apenas conseguiu vencer com o Ferrari, por este estar “calçado” com os novos pneus da Michelin, enquanto Fittipaldi, por exemplo, utilizou Goodyear, que eram menos duráveis e competitivos. Também nessa altura, se ficou com a certeza de que, finalmente, a Copersucar-Fittipaldi tinha acertado e feito um monolugar capaz de discutir os lugares pontuáveis com as principais equipas da altura, a Ferrari, a Brabham e a Lotus.
No final da corrida, foi a festa brasileira. O “povão” deixou as bancadas e invadiu a pista, saudando com enorme paixão Emerson Fittipaldi, que ficou, nesse dia, ainda mais herói do que já era.Dois anos mais tarde, a equipa brasileira terminou mesmo na frente da… Ferrari! Então, foi 8ª, com 11 pontos, mais três que a “Scuderia”, que se classificou em 10º lugar.
Classificação do GP Brasil: 1º Carlos Reutemann (Ferrari), 63 v., em 1h49m59,86s; 2º Emerson Fittipaldi (Fittipaldi/Cosworth), a 49,13s; 3º Niki Lauda (Brabham/Alfa Romeo), a 57,02s; 4º Mario Andretti (Lotus/Ford), a 1m33,12s; 5º Clay Regazzoni (Shadow/Ford), a 1 v.; 6º Didier Pironi (Tyrrell/Ford), a 1 v.; 7º Jochen Mass (ATS/Ford), a 1 v.; 8º John Watson (Brabham/Alfa Romeo), a 2 v.; 9º Jacques Laffite (Ligier/Matra), a 2 v.; 10º Riccardo Patrese (Arrows/Ford), a 4 v.; 11º Alan Jones (Williams/Ford), a 5 v.
Os Pilotos
Entre 1975 e 1982, foram sete os pilotos que estiveram ao serviço da equipa Copersucar-Fittipaldi. O primeiro foi o próprio Wilson Fittipaldi Jr., que fez os primeiros testes, ainda em 1974. O último, em 1982, foi Chico Serra, em 1982. Destes, o que maior número de GP fez com a equipa brasileira foi Emerson Fittipaldi, que esteve presente em 77 das 120 corridas da equipa. E, sem surpresa, devem-se a ele as melhores classificações no Mundial de Construtores, bem como a subida, em duas das três vezes do “team”, a um pódio – no GP do Brasil de 1978 (v.caixa) e no GP EUA Oeste, em 1980. A outra foi com Keke Rosberg (GP Argentina de 1980). Mas vamos espreitar o que cada um deles fez.
- Wilson Fittipaldi Jr. (São Paulo, 25 de Dezembro de 1943) – 13 GP/2 NQ. Melhor resultado: 10º lugar, GP EUA (1975, equipa Copersucar)
- Arturo Merzario (Civenna, Como, 11 de Março de 1943) – 1 GP. Melhor resultado: 11º GP itália (1975, equipa Copersucar)
- Emerson Fittipaldi (São Paulo, 12 de Dezembro de 1946) – 77 GP/3 NQ. Melhor resultado: 2º GP Brasil 1978 (1976-77, equipa Copersucar-Fittipaldi; 1978-79, equipa Fittipaldi Automotive; 1980, equipa Skol Fittipaldi Team)
- Ingo Hoffman (São Paulo, 28 de Fevereiro de 1953) – 6 GP/3 NQ. Melhor resultado: 7º GP Brasil 1977 (1976-77, equipa Copersucar-Fittipaldi). Começou e terminou a sua carreira na F1 com a Copersucar-Fittipaldi.
- Alex Dias Ribeiro (Belo Horizonte, 7 de Novembro de 1948) – 2 GP/2 NQ. Nunca se qualificou. (1979, equipa Fittipaldi Automotive)
- Keke Rosberg (Solna, Stockholm, 6 de Dezembro de 1948) – 28 GP/8 NQ. Melhor resultado: 3º GP Argentina 1980 (1980, equipa Skol Fittipaldi Team; 1981, equipa Fittipaldi Automotive)
- Chico Serra (São Paulo, 3 de Fevereiro de 1957) – 28 GP/13 NQ/1 NPQ. Melhor resultado: 7º GP EUA Oeste 1981 e GP Áustria 1982 (1981-82, equipa Fittipaldi Automotive)
Ano a ano
A equipa Copersucar-Fittipaldi durou apenas oito temporadas completas. Começou em 1975 e desapareceu no final de 1982. Pelo meio, foram 120 GP disputados, 104 partidas, 16 Não-Qualificações ou Não-Pré-Qualificações, três pódios, 44 pontos no total e um 7º lugar entre os Construtores, no campeonato de 1978, com 17 pontos.
-1975 – Chassis: FD01/FD02/FD03 (desenhados por Richard Divila, o “D” da designação dos chassis); Pilotos: Wilson Fittipaldi Jr. e Arturo Merzario (este apenas no GP de Itália). Wilson Fittipaldi destruiu à 13ª volta do GP da Argentina, prva de abertura da temporada, o FD01. A partir daí e durante o resto da temporada, a equipa usou o FD02 e FD03 que eram, basicamente, iguais em termos de “design” ao primeiro, mas sem qualquer das partes originais da carroçaria. Fittipaldi terminou cinco GP e não se qualificou para três.
- 1976 – Chassis: FD04 (desenhado por Richard Divila). Pilotos: Emerson Fittipaldi (piloto principal) e Ingo Hoffmann (em quatro GP, não se qualificou em três). Fittipaldi terminou oito vezes e pontuou por três (sempre no 6º lugar). Não se qualificou na Bélgica. No final do ano, foi 17º nos Pilotos e a equipa foi 11ª nos Construtores.
- 1977 – Chassis: FD04/F5 (a partir de meio do ano, já sem Divila como diretor técnico). Pilotos: Emerson Fittipaldi e Ingo Hoffman (apenas nas duas primeiras provas, foi 7º no Brasil). Fittipaldi terminou dez GP em 14 realizados e não se qualificou em dois. Pontuou por quatro vezes: GP Argentina, Brasil (os dois primeiros do ano, no 4º lugar), Estados Unidos Oeste (5º) e Holanda (4º). Foi 12º nos Pilotos e a equipa foi 9ª nos Construtores, com 11 pontos.
- 1978 – Chassis: F5A (uma evolução do F5, modificado para acolher as modificações relativas ao efeito de solo; desenhado por Giacomo Caliri). Pilotos: Emerson Fittipaldi. O melhor ano da equipa, que mudou de nome para Fittipaldi Automotive. Fittipaldi foi o único piloto. Terminou dez dos 16 GP, dos quais seis nos pontos e um no pódio (GP Brasil). No final do ano, foi 10º nos Pilotos e a equipa 7ª nos Construtores, com 17 pontos.
- 1979 – Chassis: F5A/F6/F6A (desenhados por Ralph Bellamy, foram um fiasco). Pilotos: Emerson Fittipaldi e Alex Dias Ribeiro (nas duas últimas provas, Canadá e Estados Unidos, não se qualificou). Fittipaldi apenas pontuou no primeiro GP (Argentina, 6º), com o F5A. Fez uma prova com o F6 (GP África do Sul, a única do chassis) e acabou o ano com o F6A, mais fiável (terminou três das últimas seis provas, sendo 8º em Itália e no Canadá e 7º nos estados Unidos). Foi 21º nos Pilotos, a equipa foi 12ª nos Construtores, com 1 ponto.
- 1980 – Chassis: F7/F8. Pilotos: Emerson Fittipaldi e Keke Rosberg.Final da parceira com a Copersucar e a equipa mudar de nome (Skol Fittipaldi Team), adquirindo os restos da defunta Wolf Racing e “herdando” um dos pilotos, Rosberg. O F7 não era mais que o último Wolf reconstruído. O F8 foi desenhado por Harvey Postlethwaite, tendo por base esboços oriundos da Wolf e uma aerodinâmica concebida pelo jovem Adrian Newey (hoje, o “guru” da Red Bull!). Com o F7, Fittipaldi e Rosberg subiram ao pódio, respetivamente nos Estados Unidos Oeste e na Argentina (prova de abertura do campeonato) e o brasileiro foi 6º no Mónaco. O F8 era inferior e apenas permitiu a Rosberg pontuar em Monza (5º). Fittipaldi foi 15º, com 5 pontos e Rosberg 10º, com 6. A equipa foi 9ª, com 11 pontos. Este foi o último ano de Fittipaldi como piloto de F1.
- 1981 – Chassis: F8C. Pilotos: Keke Rosberg e Chico Serra, que fizeram toda a temporada. Foi o primeiro ano sem Emerson Fititpaldi, que assumiu o “management” da equipa a tempo inteiro. Postlethwaite foi para a Ferrari no início do ano e a equipa teve que usar os velhos F7 e F8, sob diversas variantes e o nome de F8C. Nenhuma foi competitiva e, pela primeira vez desde 1975, a Fittipaldi Automotive (o regresso ao “velho” nome) não pontuou. Rosberg terminou apenas dois dos nove GP e que alinhou (5 NQ), tendo sido 9º no Brasil. Serra foi ainda pior: jovem e inexperiente, foi 7º no Brasil e 11º em Espanha, desistindo em três outros GP. Não se qualificou para oito GP.
- 1982 – Chassis: F8D/F9 (desenhado pelo regressado Divila e Tim Wright; estreou-se no GP Grã-Bretanha). Pilotos: Chico Serra. (Rosberg mudou-se para a Williams… para ser Campeão do Mundo!). Serra pontuou na Bélgica (6º) e terminou mais cinco GP, dos quais três com o F9. Foi 26º nos Pilotos e a equipa 14ª nos Construtores, com 1 ponto.