Elisabete Jacinto fez história há 20 anos no Dakar
Em 2004, nunca, em 25 anos de competição, o Dakar assistira a uma mulher terminar a prova aos comandos de um camião. Depois de em 2000 ter triunfado na Taça das Senhoras em moto, Elisabete Jacinto acreditou que era capaz de o fazer. E fê-lo…
Desde a sua primeira edição, em 1978, e até 2004, nenhuma mulher tinha conseguido terminar o Dakar prova conduzindo um camião. Mas esse foi precisamente o grande desafio a que se propôs Elisabete Jacinto, a portuguesa que contava já, em 2004, com a experiência adquirida ao longo de três Taças do Mundo de Todo-o-Terreno e quatro participações no “Dakar” em moto.
Convidada a integrar o ambicioso projeto da Renault Trucks, Elisabete Jacinto teve a companhia, a bordo do Kerax 4X4, de mais dois espanhóis, Charly Rodríguez (navegador) e Angel Otero (mecânico).
Perfeitamente ciente das dificuldades que se lhe iam deparar ao longo desta longa maratona, onde pela segunda vez marcava presença na caravana dos camiões, Elisabete Jacinto estava, contudo confiante no seu desempenho: “Nos últimos três meses, estive mais de 50 por cento do tempo fora de casa, a acompanhar a preparação do camião, em treinos e num sem número de ações e reuniões para promover e preparar a nossa participação no ‘Dakar’. O facto de estar agora integrada numa formação oficial possibilitou uma preparação muito mais adequada mas também me obrigou a uma sobrecarga muito grande de trabalho e de solicitações”, salientou a piloto do Montijo na altura. Sacrifícios que Elisabete Jacinto esperava ver compensados.
Após uma primeira experiência efetuada em 2003, três meses após ter completado o respetivo exame de condução, a piloto portuguesa não só ultrapassou essa promessa, como terminou a edição de 2004 no 26º lugar absoluto, entre os 63 camiões que partiram de Clermond Ferrand e os 39 que chegaram a Dakar.
Um feito que entrou para a história da prova, associado a outro não menos importante, já que pela primeira vez um piloto junta no seu palmarés o êxito no “Dakar” aos comandos de uma mota e ao volante de um camião. “Estou naturalmente muito feliz por ter cumprido a minha promessa de conseguir terminar o ‘Dakar’ aos comandos de um camião, até porque, e a opinião é unânime, este foi um ‘Dakar’ dos mais duros de sempre. Felizmente, fui capaz de ultrapassar todas essas dificuldades e apenas sinto a mágoa de saber que poderia ter obtido resultados bem melhores. Poderá ser defeito, ou feitio meu, mas sou uma lutadora e para mim só faz sentido entrar neste tipo de competições para levar as minhas capacidades até ao limite. Nas motos só podia contar comigo, mas aqui não estava sozinha”, explicou Elisabete Jacinto, que acabou por dizer muito mais do que isso.
Quem conhece Elisabete Jacinto dos seus tempos do ‘motorsport’ sabia que é difícil fazer com que lhe “saltasse a tampa”. Mas, no fim desta prova de 2004, depois de vários dias a “sofrer”, o desabafo foi inevitável: “Os meus parceiros de equipa entenderam que já estavam cansados e exigiram uma paragem para um xixi. Tudo feito na maior das calmas. Dali até ao final foi um calvário de atitudes surrealistas.
Sei que o nosso principal objetivo é chegar ao fim. E isso, até estou convicta de que vou conseguir. Agora, bolas!, estou numa competição, treinei-me física e tecnicamente, proporcionaram-me as condições para poder andar depressa e estou a ser completamente manietada por uma tripulação que fez uma opção errada ao enveredar por esta aventura e não está disposta a ajudar-me. Durante vários dias não quis tocar neste assunto, esforcei-me por os incentivar a ter outra atitude e sempre esperei que, depois do dia de descanso, a situação se alterasse. Furámos durante a etapa e demorámos o dobro do tempo do que no primeiro treino onde estávamos a aprender.
Quase que tive de pedir por favor. Eu estava a lutar por um resultado que sinto estava ao meu alcance. Acho que não mereço esta desconsideração. Infelizmente já sei com o que vou contar até ao final da prova, mas também já sei que posso fazer muito melhor e voltarei acompanhada de gente capaz”. Quem fala assim…”