OPINIÃO: A retomada estratégica do WRC
Chamemos-lhe estratégia de recuo, reorganização tática ou reavaliação e reprogramação. O WRC vai marcar passo, para tentar dar depois os passos certos rumo ao futuro. Agora, recuo, reavaliação e avanço, para um recomeço estratégico do Mundial de Ralis…
Como sempre a FIA mostra-se quase sempre com muitas e boas intenções, mas as suas ‘personagens’, na maioria das vezes sendo elementos vindos das equipas e com grande experiência do ‘métier’ sobre o qual vão tomar decisões, metem o pé na poça de tal maneira que, quem está de fora abre a boca de espanto.
Não estranho, pois na política, ‘aquela’ que interessa a todos nós, pois é essa que determina os caminhos das nossas vidas, é a mesma coisa. Pode aparecer gente com muitas e boas intenções, mas acabam invariavelmente ‘comidas’ pelos interesses de cada uma das partes.
O sistema da FIA é bem democrático, no papel, com os votos a estenderem-se aos representantes das federações, quando os temas são levados a Conselho Mundial, é a forma de todos ficarem responsabilizados por um qualquer processo, mas o problema não está aí, pois quando as coisas chegam tudo está decidido e é mesmo só para vincular a decisão.
O problema está em tudo o que se passa antes e na inércia que muitas vezes existe para se chegar a qualquer lado. Em primeiro lugar, as marcas, os construtores têm, todos, os seus próprios interesses, e trazendo as coisas para o que mais nos interessa neste momento, o Mundial de Ralis, quando chegamos a um ponto em que os três principais construtores estão de acordo quanto a um tema é um forte sinal que a FIA fez ‘porcaria’ da grossa.
Tenho a certeza que as intenções eram boas, mas antes de decidirem um caminho que incluía Rally1+ e Rally2+ juntos a lutar pelo mesmo no topo da categoria, o que me faz confusão é que não tivessem ouvido as equipas quanto a essa medida e os seus efeitos.
Ou pior, se ouviram, não ligaram o que lhes disseram. Supostamente, tudo foi feito pelo Grupo de Trabalho do WRC, em dezembro, com Robert Reid e David Richards a estudarem todos os aspetos do desporto.
Assim que a FIA colocou cá fora as decisões, ouvir e ler as declarações e críticas dos chefes ou elementos das equipas deixou-me atónito, porque pensava que tudo tinha sido feito com o assentimento destes.
Ter ficado a saber que as decisões foram pouco menos que unilaterais, deixou-me espantado.
Já não me espantou nada as três equipas juntarem-se e pressionarem a FIA para meter esses regulamentos na gaveta. Eu percebi a ideia, gosto do objetivo e de ter muito mais carros a lutar na frente, como sucedia nos anos 90 com os Grupos A e quando havia muitos construtores no tempo dos primeiros WRC, mas quando as equipas explicaram o que estava mal, qualquer adepto percebeu.
Ouvir em chefe de equipa a dizer isto: “se um construtor de Rally2 mete um kit no seu carro que custa 250.000 euros e luta de igual para igual com o meu Rally1 que teve de ser ‘diminuído’ para nivelar por baixo, e o meu carro custa mais de um milhão, o que é que estou cá a fazer? Como a minha marca explica aos seus clientes que o seu carro perdeu contra o outro?
Resumindo, era inviável ter Rally1 ‘menos’ e Rally2 ‘mais’ prontos a competir em janeiro de 2025, ia-se gastar muito mais dinheiro. Portanto, até foi fácil de unir as equipas – o que também é quase uma novidade – e acabar com a festa.
Portanto, em apenas seis meses, passámos do Rally1 para uma perspetiva de Rally1- e Rally2+, para o Rally1 menos híbrido, e agora voltámos ao Rally1 e nada de Rally2+. Podemos chamar-lhe Círculo vicioso, beco sem saída ou labirinto: é como preferir. Os regulamentos técnicos atuais, híbrido incluído ficam mais dois anos (até porque as equipas já tiveram de adquirir e pagar os sistemas híbridos).
Vindo da F1, Cyril Abiteboul trouxe uma visão muito esclarecida e não precisou de muito tempo para identificar o problema. No dia de imprensa do Rali de Portugal de 2023, foi claro e conciso na sua apreciação e tocou bem na ferida: “não importa com que tecnologia corremos, se a promoção e a visibilidade do campeonato forem boas”.
E estava certo. Vejam o que sucedeu na Fórmula 1 quando de lá saiu Bernie Ecclestone e o seu completo desconhecimento do que era a ‘internet’ e entrou a norte-americana Liberty Media e o que fez em menos de uma década. Vejam onde estava a F1 e onde está agora.
Cyril Abiteboul, Chefe de Equipa da Hyundai falava insistentemente de Promoção, de formatos de prova, das histórias que o WRC devia criar para interessar muito mais o público, do facto de que todos os dias deviam ter um storyline, explicou que era isso que a F1 faz muito bem, que passa pelo ir construindo o interesse do fim de semana, ter histórias em desenvolvimento todos os dias.
Abiteboul disse que a F1 estava a fazer ‘despertar’ para todos as outras disciplinas do Motorsport que nada deve ser tomado como garantido. E o Promotor do WRC abriu os olhos e verdade seja dita, está a trabalhar. Se olharmos para esse momento e o que o Promotor do WRC já fez a partir daí, é sensível a mudança e há mais para vir, mas o que me faz confusão é porque andavam de mão nos bolsos a assobiar para o ar? Não havia ninguém que olhasse para os números e concluísse facilmente que as coisas não estavam bem?
Os juntei todos os WRC Factbook dos últimos anos e olhei para os números. Aquilo no papel parece perfeito, os números na pior das hipóteses eram os mesmos de ano para ano, algumas métricas cresciam, umas muito, outras pouco. O que percebi logo é que aquilo era tudo muito a ‘olhómetro’.
Mas eu tinha números que não enganavam.
Portugal é um País muito especial no que aos ralis diz respeito. Não só o Promotor adorava replicar o que se passa em Portugal no resto do Mundo – se assim fosse o WRC estava atrás da F1 – mas a verdade é que o interesse (relativo) pelos ralis noutros países não é o mesmo que em Portugal.
E o que eu concluía era simples. Se os números que tenho do WRC no nosso site, sendo bons, estabilizaram ou caíam de ano para ano, como é que o Promotor do WRC podia ter números positivos?
Se em Portugal, um País que adora ralis, o interesse que o WRC proporcionava mantinha-se na melhor das hipóteses, e era mais fácil cair do que subir, imagino nos outros Países em que o interesse pelos ralis é menor. Abiteboul tinha razão, do lado da Promoção marcou-se passo.
Eu nunca entendi como é que, uma disciplina como os ralis, tão entusiasmante, tão emotiva, não conseguia fazer crescer o número de adeptos.
Hoje em dia os jovens ‘querem’ heróis. E os jovens dos anos 80 e 90, tiveram esses heróis nos ralis.
Nem é preciso trazer nomes, quem está a ler já se está a lembrar de nomes, Toivonen, Alen, Rohrl, Vatanen, Mouton, Biasion, Kankkunen, nos anos 80, Sainz, McRae, Burns, Makinen, Gronholm, nos anos 90. Veio a década de 2000: Sébastien Loeb todos os outros ofuscou. Veio a década de 2010: Sébastien Ogier todos os outros ofuscou.
Que heróis temos hoje em dia no WRC? O que correu no fim de semana passado na Porsche SuperCup Benelux? O problema no WRC começa logo aqui…
Voltando à questão principal, a manutenção dos regulamentos até 2026, tudo começou quando as três equipas disseram basta, juntaram-se, entraram em sintonia, algo quase inédito, e decidiram escrever à FIA. E a FIA leu nas entrelinhas, também…
Obrigado, Grupo de Trabalho, não nos ouviram antes como deveriam ter ouvido, ouvem agora.
Fica tudo na mesma…
Tal como muitas outras pessoas, iria adorar reviver os tempos dos Grupo A, quando pilotos como Bernard Béguin e o seu BMW M3 de Grupo A vencia o Rali da Córsega, ou Gianfranco Cunico ganhava o Sanremo de 1993, ou Philippe Bugalski ganha a Córsega e a Catalunha em 1999 com um Citroen Xsara Kit Car, tenho a certeza que com os Rally2 Plus, várias equipas dos Rally2 iriam ter os seus carros com Kit para lutar mais na frente, em termos desportivos seria giro, mas não arrisco perder os construtores que já existem.
Não sei ainda se a FIA determinou contrapartidas, mas se aparecerem mais Rally1, mesmo sem híbrido, e já há vários sinais disso estar a acontecer, por exemplo, com o Martin Sesks e o Sami Pajari na Letónia. São mesmo precisos mais Rally1.
Felizmente, há competitividade no WRC ao mais alto nível, com o part-time de Ogier e Rovanpera, as coisas estão e vão manter-se muito abertas na luta pelo título, e se isso se estender mais dois anos, o WRC pode ter aí o balão de oxigénio que precisa.
Resolvido isto, o fundamental é ponderar bem o que fazer em 2027.
E não vai ser fácil decidir bem, por isso, quando melhor se ponderar…melhor.
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