Saiba melhor quem é Nasser Al Attiyah
Al-Attiyah é uma personagem ímpar. Para além da sua linhagem – é príncipe qatari –, é também desportista de diversas modalidades, tendo, inclusive participado em três Jogos Olímpicos, na modalidade de tiro aos pratos, disciplina onde se especializou em 1989 quando foi impedido de participar em ralis pelo presidente da Federação do Qatar (que pertencia a uma família rival à sua).
Vencedor do Dakar em 2011 com a Volkswagen, em 2015 com a MINI, e em 2019, 2022 e 2023 com a Toyota. Como se percebe, Al-Attiyah é mais conhecido pelos triunfos no rali-maratona do que pelo que fez no Mundial de Ralis. Ainda assim, no WRC o seu currículo não é minimamente desprezível ou não tivesse conquistado o título de PWRC em 2006, tendo assegurado o título do WRC2 duas vezes, a que junta ainda inúmeros títulos no Campeonato FIA de Ralis do Médio Oriente. Muito rápido em ralis de terra, e em provas que ‘meta’ terra pelo meio, Al-Attiyah continua a dar cartas no desporto automóvel, sendo claramente um atleta de eleição.
É tão rápido como uma bala e consegue mesmo ultrapassar a sua sombra. Se falarmos de banda desenhada, o nosso herói é Lucky Luke, mas na vida real que é assim é o árabe Nasser Al-Attiyah.
Depois da primeira vitória no Dakar, ganhou a medalha de bronze olímpica na modalidade de tiro ao alvo. No tiro ou na estrada, um Senhor…
Vive como um príncipe, numa terra onde o que há mais é príncipes, embora não o seja. No entanto, para muitos, é até mais do que isso: é considerado um rei, sobretudo quando se senta ao volante e se revela o homem mais rápido do Qatar, o pequeno e riquíssimo país da península arábica, onde nasceu há 53 anos, apenas quatro dias antes do Natal. Desde muito cedo, Nasser Sallih Abdullah Al-Attiyah despertou para as emoções da alta velocidade, mas o sonho de tornar-se piloto de automóveis tardou em despertar, como conta: “Assim que fiz 18 anos comecei a conduzir e desde logo a minha ambição era competir nos ralis, mas então a federação automóvel no Qatar era dominada por um membro de uma família que rivalizava com a minha e isso foi o suficiente para que o meu sonho fosse adiado, pois não me foram facultadas condições que permitissem correr”.
Impedido de guiar nos ralis, Al-Attiyah desatou, literalmente, aos tiros…
“Gostava muito de disparar e o facto de não poder correr motivou-me a desenvolver as minhas capacidades no tiro. Graças a isso, logo em 1996 pude estrear-me nos Jogos Olímpicos, participando em Atlanta” — numa presença que ficou assinalada pela conquista do 15º lugar. Quatro anos mais tarde, em Sidney, o qatari foi o sexto classificado e em 2004, nos jogos realizados em Atenas, disputou o terceiro lugar, perdendo a medalha de bronze no shootoff.
Nos Jogos Olímpicos de Pequim, Nasser Al-Attiyah não estava na sua melhor forma e isso refletiu-se num resultado mais modesto, baixando para a posição que tinha alcançado na primeira participação olímpica.
“Praticar tiro, sobretudo nesta modalidade de tiro ao alvo, exige uma concentração enorme e uma rapidez ainda maior. Para termos sucesso, há que não só treinar imenso, como ainda é preciso de ter uma capacidade interior que permita antecipar tudo o que se vai passar, pois só assim se consegue acertar nos alvos”, sublinha Al-Attiyah. Convém esclarecer do que estamos a falar: o tiro ao alvo é uma modalidade que consiste em disparar contra alvos em movimento, lançados a grande velocidade alternadamente e aleatoriamente por duas máquinas colocadas a 40 metros de distância. Os alvos são pequenos discos de argila, que pretendem simular aves que descolam para voos — quase sempre fatais… — em ângulos e a alturas diferentes. A designação oficial é Skeet, palavra que deriva do termo norueguês para disparar, e em cada sessão de 25 tiros, o atirador percorre sete posições num semi-círculo. Uma das dificuldades adicionais desta modalidade, que surgiu nos EUA no início dos anos 20 do século passado, é o facto de os lançamentos serem simples ou duplos. “Nunca sabemos se vamos dar um ou dois tiros, mas todos contam e quem falha não tem segundas oportunidades”, assegura o mais famoso atirador dos países árabes, que teve o mérito de ter sido o primeiro árabe a conquistar uma medalha nesta edição dos Jogos Olímpicos. Aconteceu a 31 de julho de 2012, no Royal Artillery Barracks, um quartel militar no sudeste de Londres que foi transformado em campo de tiro olímpico.
Herói nacional
Recebido como um herói no regresso a casa, Nasser Al-Attiyah tinha prometido a medalha ao Emir do Qatar, a quem já em 2011 ofereceu o troféu da vitória no Rali Dakar Argentina-Chile. Na altura, o êxito do piloto, além de inúmeras homenagens, foi imortalizado com a atribuição do seu nome a uma rua de Doha, a capital do Qatar. Desta feita, o sucesso foi, acima de tudo, pessoal, pois a medalha de Nasser foi a terceira de bronze conquistada por atletas qataris em Jogos Olímpicos.
“Passa-se tudo tão rápido que nem há tempo para pensar. Temos de reagir por instinto e isso requer, para além da habilidade, imenso treino. Um dos meus adversários, chinês, passou dois anos inteiros a preparar-se num campo de tiro, enquanto eu passo 270 dias por ano a viajar para longe do Qatar, para participar nas provas de todo-o-terreno. Hoje, embora o tiro seja importante na minha vida, sou acima de tudo um piloto profissional”, assume Al-Attiyah, para quem esta opção parecia ser impeditiva de uma participação olímpica bem-sucedida. O piloto encarregou-se de contrariar essa ideia e, embora tivesse assumido que treinou “a sério somente nos últimos 10 dias antes de começarem os jogos”, a verdade é que chegou a Londres bem preparado, depois de, por exemplo, ter obtido um recorde nos Jogos Asiáticos, com 150 alvos atingidos em 150 alvos lançados, um pleno que ainda que não tivesse sido inédito, é bastante raro.
“Hoje em dia sinto que são os ralis que me ajudam a disparar cada vez melhor. Nas provas de automóveis, há muita improvisação, pois as condições mudam a cada metro, pelo que é fundamental uma absoluta concentração. Na fase inicial da minha carreira desenvolvi estas capacidades disparando, mas agora sinto que é o contrário…”
Esta medalha olímpica teve para Nasser Al-Attiyah um sabor ainda mais especial, por ter sido conquistada com tanto suor como a vitória no Dakar. Neste caso, ao invés do duelo com Carlos Sainz, o árabe discutiu o bronze com o russo Valeriy Shomin, que o alcançou na final, obrigando-o, pela segunda vez em cinco participações olímpicas, a disputar um desempate. “Para ser sincero, confesso que o meu coração estava a um ritmo aceleradíssimo, mas quando ouvi o sinal para estar pronto a disparar, só pensei no alvo e foi tiro e queda”, batendo o seu adversário por um tiro de vantagem.
Terminada a festa olímpica, Nasser Al-Attiyah voltou a assumir-se como piloto. E enquanto passeia pela sua rua ao volante de um dos seus brinquedos que recebeu para a sua ‘modesta’ garagem, um Rolls-Royce Phantom Coupé preto com interiores em pele vermelha, pensa no Mundial de Rally Raids e na preparação do próximo Dakar, que desta feita irá fazer com a Dacia.
“Nos ralis o alvo é a curva”
Será que ralis e tiro têm pontos em comum ou é impossível encontrar semelhanças? Al-Attiyah confirma que “aparentemente os dois desportos não têm nada a ver mas, na prática, tem algumas particularidades comuns. O tiro dá-me uma capacidade de concentração superior para os ralis.
Nos ralis a adrenalina é maior e é uma disciplina de explosão, enquanto o tiro a concentração é o mais importante. Enquanto nos ralis lutamos cada segundo, no tiro há apenas um momento em que tudo se decide. Mas o efeito prático é o mesmo: nos ralis se falharmos uma curva por falta de concentração saímos de estrada ou perdemos a trajetória, enquanto que no tiro se não tivermos 100 por cento concentrados no alvo falhamos a pontuação. No fundo, há sempre um alvo a atingir, no caso dos ralis esse alvo é a curva!”.