CPV, Speedy Motorsport: A irmandade da velocidade
O que nos faz gostar de corridas? O que nos faz gostar de um dos desportos mais exigentes e implacáveis do mundo. O que nos faz gostar da adrenalina, da velocidade, do som, do cheiro? Poderíamos estar horas falar dos motivos. Mas em Vila Real, encontramos motivos para gostar ainda mais. É que o desporto motorizado, visto por fora, é espetacular… visto por dentro, é assombroso.
No fim de semana de Vila Real, fomos convidados pela comunicação do Campeonato de Portugal de Velocidade para ver por dentro o trabalho de duas equipas, a Racar e a Speedy Motorsport. Eu fiquei com a Speedy Motorsport, tendo sido recebido de forma calorosa pelo seu timoneiro, Pedro Salvador. Não é todos os dias que temos o privilégio de ver de perto o trabalho de uma equipa que, apesar dos apenas oito anos de existência, já mostrou a qualidade do seu trabalho nas mais diversas vertentes do motorsport, com muitos títulos conquistados. Mas é na velocidade que a Speedy trabalha de forma mais intensa com um novo projeto este ano, o regresso ao CPV com o BMW M4 GT4, pilotado por José Carlos Pires e Francisco Abreu. Uma dupla inédita com Abreu a entrar pela primeira vez na equipa e Pires a dar o salto para a competição principal da velocidade nacional. Uma dupla que garante talento e qualidade.
Os pormenores que fazem a diferença
O primeiro contacto mais a sério foi no final do segundo treino livre. Outras obrigações levaram-me a não poder assistir ao treino com a equipa, mas pude ver o debrief dos pilotos e não tenho dúvidas em apontar este como um dos pontos altos do fim de semana. Poder ver de perto a forma como a informação e os dados são processados é um privilégio que já há muito perseguia. Infelizmente para o leitor, não poderei dar todos os pormenores do trabalho que é feito, pois o segredo é a alma do negócio. É ingrato ter de relatar o trabalho invisível que as equipas fazem. Há muita matéria para escrever, mas o dever de não revelar demasiados segredos leva-nos a mostrar apenas um pouco do que é esta realidade.
No fim do treino os pilotos reuniram-se com Salvador para analisar a telemetria e as voltas ao exigente circuito de Vila Real. Posso desde já garantir que o segredo do sucesso dos pilotos e da Speedy não está naquele momento. Há muito trabalho por trás, testes feitos no início da época, o trabalho de estudo de cada piloto, a experiência de Pedro Salvador e a qualidade dos mecânicos da equipa. Essa é a base de sustentação da Speedy como a conhecemos, bem sucedida e sempre a lutar pelos primeiros lugares. Mas foi um pequeno doce poder ver um piloto com a qualidade do Salvador, a dar dicas aos não menos talentosos pilotos responsáveis por levar o M4 GT4 para a pista. Os onboards são analisados quase curva a curva, sempre com a telemetria a dar pormenores. Como falamos de dois pilotos com uma relação franca e aberta, não há problemas em partilhar dados e trajetórias. A base de trabalho é a melhor volta de cada piloto. Aí, comparam-se trajetórias, dão-se sugestões, analisa-se a abordagem a cada curva. Os pilotos partilham a sua experiência e dão o feedback do carro. A peça central desta engrenagem é Pedro Salvador. Ele indica onde se pode melhorar, como se pode melhorar, mas, acima de tudo, ele é o crivo da informação. Tanto Francisco Abreu como José Carlos Pires são precisos no feedback que dão sobre o carro e as sensações ao volante, mas Salvador trata de enaltecer o que é preciso mudar e descartar a informação que não é relevante. No final, o sempre sereno mecânico-chefe passa apenas a informação necessária fazer os ajustes ao carro. O Té, como é conhecido na equipa, pega nessa informação toda e faz a magia da afinação, traduzindo em linguagem mecânica tudo o que os pilotos disseram, fazendo as alterações necessárias à máquina. Uma arte que poucos dominam verdadeiramente, mas que faz toda a diferença. A mestria do Té é crucial nesta equação.
A minúcia com que se analisa cada volta, as comparações que se fazem, os truques compartilhados. Naquela hora, não se criou a base do sucesso, mas afinaram-se os pormenores essenciais para ganhar aquela décima de segundo que fez a diferença.
Litro e meio de água
Chegou o sábado e o momento da corrida 1. José Carlos Pires saía da pole e a equipa jogava aqui uma cartada determinante para as contas do título. Com a posição de pista a ser fundamental para um bom resultado, Pires largava da melhor posição possível. Nos momentos que antecedem a corrida, senti uma tensão controlada, difícil de descrever. Os mecânicos sabem exatamente o que devem fazer, sob o olhar atento de Pedro Salvador. Depois de todas as preparações feitas, um dos mecânicos agarrou-se a uma garrafa de água de litro e meio. Meti conversa sobre o calor, mas ele fez em entender que não se tratava do calor. Era uma forma de extravasar a tensão. “A cada corrida bebo um litro e meio de água. É uma forma que tenho para aliviar o stress. Este é um trabalho exigente e trabalhamos para ganhar. Se não for assim nem vale a pena. Vou estar duas semanas longe das pessoas que gosto. Se não for para ganhar, não vale a pena o sacrifício.”
É com esta exigência e este foco na vitória que a equipa trabalha. Cada um à sua maneira, uns de forma mais descontraída, outros de forma mais tensa, todos olham para as corridas apenas com uma missão. Vencer. Das conversas que fui tendo com os mecânicos, todos admitiram o mesmo. É preciso gostar muito de corridas para trabalhar neste meio. Há dias duros, em que as coisas não correm tão bem, há palavras mais difíceis de engolir, há erros que têm de ser assumidos. Mas cada desafio é encarado de peito feito, cada desaire serve de motivação para a próxima prova. Fiquei com a clara sensação que a união é o ingrediente que faz a diferença. Aquela irmandade de homens uniu-se em prol do sucesso da equipa e fazem tudo o que está ao seu alcance para o conseguir. A cumplicidade, os diálogos apenas com os olhares, as trocas de palavras curtas, mas concisas. Não admira que isto das corridas se torne viciante. Num mundo cada vez mais individualista, cada vez mais egocêntrico, o ambiente que se vive numa equipa de competição é de partilha… de alegrias e de dores. De apoio de nos momentos maus, de júbilo nos momentos bons. Sabendo que cada um é único, mas que é “apenas” mais um elo numa corrente que tem de ser forte.
As estrelas
A corrida 1 correu de feição. Jose Carlos Pires largou bem e fez um turno de condução irrepreensível, apenas com um pequeno erro, sem consequências. Nas boxes, os mecânicos olhavam com atenção tudo o que se passava. Francisco Abreu não acusava a pressão de ter de entrar a seguir. Exclamações como “vamos Zé” ou “boa Zé” ouviam-se com o sotaque madeirense de um dos pilotos mais simpáticos e acessíveis que se pode conhecer no panorama nacional. Quando foi a sua vez de colocar o capacete, a concentração subiu de nível, a simpatia transformou-se em foco puro. A troca de pilotos foi feita sem problemas, tudo correu na perfeição e no final a Speedy fez a festa com o triunfo na corrida 1, com Francisco Abreu a mostrar todo o seu talento, com um turno de condução a roçar a perfeição. A Irmandade festejou, primeiro os mecânicos entre si e depois chegou o líder, que fez questão de juntar todos e fazer a festa que se impunha. A primeira parte da missão estava cumprida. As estrelas tinham estado à altura do desafio.
A segunda corrida seria mais complicada. A largar da quinta posição, depois da chuva ter pregado uma partida na qualificação, Abreu tinha a missão de ganhar o máximo de lugares para assegurar bons pontos para o campeonato. Abreu mantinha-se sorridente, mesmo a breves instantes de entrar no carro. Colocou o capacete e cumprimentou todos os que estavam na box, um a um. José Carlos Pires, menos efusivo na sua abordagem, ainda trocou umas palavras com o seu colega já dentro do carro. A união da dupla parece clara e esse também é um ingrediente importante.
A corrida começou bem, Abreu ganhou várias posições e as perspetivas da equipa era positivas, até ao momento em que um desentendimento com um carro adversário motivou um toque de Abreu. O piloto madeirense pediu ajuda para encontrar a marcha-atrás, informações que foram dadas de forma clara e célere por Salvador, via rádio. Foi o momento de maior tensão do fim de semana. Nada estava perdido ainda, mas as possibilidades de vencer esfumaram-se ali. José Carlos Pires olhava para tudo com uma serenidade espantosa, começando o seu aquecimento para entrar no carro. “Prepara-te que vais entrar” ordenou Salvador. Seguiu-se o momento sagrado de colocar o capacete, sem evidenciar qualquer nervosismo. Pires ainda sorriu para a sua companheira, como quem diz “está tudo controlado”. Apesar do momento ser de elevada exigência, a confiança de quem está bem preparado fazia-se sentir a cada movimento. Pires entrou para o carro e começou um excelente turno de condução, conseguindo encurtar distâncias para a concorrência.
Já Abreu tinha de digerir a desilusão do toque. Salvador, ainda focado na tarefa em mãos, deixou estar o piloto e apenas fez um breve comentário ao sucedido. Abreu, não sorriu. Uma das poucas vezes que o vi sem um sorriso na cara. A corrida deu um terceiro lugar, apesar de tudo, um bom resultado. A Irmandade tratou de apoiar Abreu, com palavras de incentivo, ou apenas com um abraço em silêncio. Já com a corrida concluída, Salvador falou com ele, sabendo que aquela seria mais uma lição para o seu piloto. Terminou a conversa com um abraço e foram esperar Pires à via das boxes. Abreu não se conformava, e Salvador fez sinal à namorada de Abreu para se aproximar. Não valia a pena lamentar mais. Salvador sabia disso e era tempo de virar a página. A equipa foi congratular Pires, que fez um excelente trabalho. De seguida veio a segunda ida ao pódio do fim de semana, desta vez não na posição desejada. Mas… são corridas! E na conferência de imprensa, Abreu já sorria.
Fim de semana intenso
Viver a corrida por dentro foi intenso. Especialmente na segunda, a forma como a equipa viveu os acontecimentos e foi respondendo deu-me uma perspetiva única do que são as corridas no CPV. Há muito trabalho, muito esforço, muita dedicação, muita paixão. Não é possível, mas todos os apaixonados por corridas deveriam viver pelo menos uma vez as corridas por dentro. Para verem a beleza da união das equipas, a exigência do trabalho, a camaradagem entre todos. Para sentirem a tensão nos momentos críticos, a intensidade e acima de tudo, o desejo de vencer. Foi um privilégio poder ver de perto o trabalho da Speedy Motorsport, do Pedro Salvador, um talento reconhecido por todos e que é o motor da operação. Foi um privilégio ver o trabalho o Francisco Abreu e do José Carlos Pires, dois excelentes pilotos que formam uma dupla de grande qualidade. E foi um privilégio poder ver o trabalho, menos visível para os fãs, mas indispensável para o sucesso do Teófilo Tuna, Amadeu Martins, Nuno Santos, Tiago Couto, Miguel Moutinho e Julian Castaño. A Irmandade da Velocidade, focada em vencer e unida para enfrentar todos os desafios que o desporto motorizado tem para dar.
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