F1, Jonathan Palmer: Um Médico nas Pistas
Podia ter-se dedicado a tempo inteiro à medicina e a salvar vidas. Até podia tê-lo feito no mundo dos desportos motorizados, onde muitas vezes exceder os limites paga-se caro. Mas escolheu explorar os seus próprios limites ao volante de um carro de competição…
Jonathan Charles Palmer nasceu em Lewisham, nos arredores de Londres, a 7 de Novembro de 1956, e desde cedo demonstrou grande interesse pelo desporto motorizado. Contudo, o dinheiro não abundava e o jovem Jonathan decidiu enveredar pela sua outra vocação, a medicina, algo que já estava na família dado ser a profissão do seu pai. No entanto, o “bichinho” dos automóveis esteve sempre presente e Palmer correu nas baratas, mas ultra-populares “Club Series” nas Ilhas Britânicas, ao volante de diversos carros, até ter terminado o curso em 1979.
Já como estagiário, Palmer deu os primeiros passos na Formula Ford, e em 1980 conseguiu arranjar um pequeno orçamento para fazer uma temporada completa nos três campeonatos de FF1600 existentes em Inglaterra, culminando com uma vitória e o terceiro lugar naquele que era patrocinado pela Townsend Thoresen, apenas batido por duas jovens promessas brasileiras, Raul Boesel e Roberto Moreno.
A época finalizou em alta com o quarto posto no Fórmula Ford Festival em Brands Hatch, e o jovem piloto resolveu fazer um ano sabático na medicina e lá arranjou mais uns “trocos” para dar o salto para o campeonato inglês de F3, ao volante de um Ralt da West Surrey Racing.
Palmer sabia que tinha de aproveitar esta oportunidade ao máximo, já que se não desse imediatamente nas vistas não teria apoios para continuar na categoria. Porém revelou de imediato grande rapidez e consistência, o que, aliado a uma equipa muito profissional e a um carro de qualidade lhe permitiram obter o título na sua época de estreia, vencendo sete provas e terminando bem na frente dos seus rivais mais directos, Boesel e Tassin.
Nesse defeso, Palmer testou com a Williams e a McLaren, e assinou pela Ralt para competir na F2 ao lado de Kenny Acheson, assim como um programa de testes com a escuderia de Grove. O binómio Ralt-Honda ainda apresentava algumas falhas, e a temporada não foi propriamente feliz, com Palmer a conseguir apenas 10 pontos e uma pole-position.
No entanto, foi nesta temporada que iniciou uma importante ligação com a GTi Engineering, de Richard Lloyd, para correr no Mundial de Endurance, embora o seu melhor resultado fosse um quarto posto em Brands Hatch, ao volante do Ford C100 de Grupo C, com Desirée Wilson. Tudo viria a mudar em 1983, já que o Ralt-Honda era a máquina a bater, e a dupla Palmer/Thackwell esmagou toda a concorrência, sendo o título vencido pelo mais velho dos britânicos, com seis vitórias em doze rondas, evidenciando a sua enorme regularidade (apesar de ser mencionado que a equipa tinha optado por apostar em Palmer para 83, enquanto via se Thackwell voltava ou não à sua forma anterior ao acidente sofrido em Thruxton em 1981).
Na Endurance, a GTi Engineering já dispunha já do fenomenal Porsche 956, celebrizado pela decoração vermelha e branca da Canon, e com uma grande variedade de colegas (inclusive Henri Toivonen em Mugello) obteve resultados interessantes. Ainda antes do final da época, a sua ligação como piloto de testes da Williams valeu-lhe a recompensa de disputar o G.P. da Europa em Brands Hatch ao volante do terceiro carro, terminando no 13º posto.
Contudo, para 1984, o melhor que Palmer conseguiu foi arranjar financiamento para um lugar na pequena RAM-Hart, debatendo-se toda a época com um dos piores carros do pelotão, lento e pouco fiável, conseguindo como melhor resultado um oitavo lugar na ronda inaugural. No Mundial de Endurance as coisas foram muito melhores, já que a equipa de Richard Lloyd cedo se mostrou como uma das melhores equipas privadas dispondo do dominador 956, por isso a dupla Palmer/Jan Lammers terminou regularmente nos pontos e conseguiu inclusive vencer os 1000 Km de Brands Hatch (se bem que a equipa de fábrica se ausentou). Jonathan fez uma aposta arriscada para 1985, deixando a RAM para se juntar à Zakspeed, que após uma longa história ligada aos carros de Turismo e Endurance, decidiu avançar para a F1, construindo não só o chassis, mas também o seu próprio motor turbo, baseado no abortado projecto do Ford C100 de Endurance!
A equipa não se inscreveu em todas as provas devido aos custos e à necessidade de desenvolver o carro, mas a época de Palmer acabaria mais cedo do que a da própria Zakspeed, já que após nova bem-sucedida temporada nos Porsche 956 de Richard Lloyd – que incluiu um segundo lugar em Le Mans, acompanhado pelo próprio Lloyd e James Weaver – o inglês partiu uma perna nos treinos dos 1000 Km de Spa, tristemente célebres pela morte de Stefan Bellof.
Na temporada seguinte Palmer concentrou-se unicamente na F1, mas o novo Zakspeed era pouco melhor que o modelo anterior, e a equipa não foi além de um oitavo lugar em Detroit, embora a fiabilidade fosse ligeiramente melhor. Falhadas as negociações com a McLaren para secundar Prost em 1987, a carreira de Jonathan na F1 parecia ter estagnado definitivamente e, com 30 anos, as oportunidades rareavam, mas viria a ser convidado para pilotar na Tyrrell, ao lado de Philippe Streiff.
Tendo já reduzido as potências dos motores turbo, a FISA decidiu criar uma categoria para as equipas que optassem por alinhar com motores aspirados, algo a que a Tyrrell aderiu de imediato, utilizando a ultima derivação do venerável Cosworth DFV. Apesar da falta de potência relativamente aos turbo, o Tyrrell tinha um excelente chassis, e o conjunto mostrou de imediato ser muito fiável, pelo que os seus pilotos estavam em perfeitas condições de aproveitar as quebras dos turbo. Assim aconteceu e Palmer conseguiu finalmente os seus primeiros pontos, com dois quintos lugares no Mónaco e na Alemanha e um quarto na Austrália, que viria a ser o seu melhor resultado. Palmer bateu claramente o seu colega de equipa para o Jim Clark Trophy, e a Tyrrell venceu o Colin Chapman Trophy, no único ano em que a F1 teve dois campeonatos a actuar em simultâneo. Nesse ano, Palmer regressou à Endurance e a Richard Lloyd Racing mas, agora com o Porsche 962, os resultados não foram tão bons, mesmo assim Palmer e Baldi terminaram a época no pódio.
Palmer continuou ao volante do novo Tyrrell-Cosworth em 1988, e com o final da era turbo à vista, os motores aspirados beneficiavam de restrições ainda maiores nos turbocompressores, por isso a Tyrrell poderia estar num patamar semelhante ao da época anterior. A temporada até começou bem, com três idas aos pontos na primeira metade da época, mas a falta de dinheiro para desenvolver o carro e uma série de quebras mecânicas “afundaram” a Tyrrell na segunda metade de 1988. Mesmo assim, havia esperança para 1989, e o Tio Ken podia contar com o reputado Michele Alboreto a acompanhar o regular Palmer. Logo em San Marino o inglês levou o Tyrrell aos pontos e Alboreto também mostrou rapidez, mas problemas contratuais e pessoais com Ken Tyrrell levaram a rescisão de contracto e à entrada de um novo colega de equipa a partir do G.P. de França – Jean Alesi. O francês de ascendência siciliana mostrou de imediato ao que vinha e foi quarto na sua estreia, e eclipsou o experiente Palmer durante o resto da temporada. Palmer ainda conseguiu pontuar em Portugal e fazer a volta mais rápida nas difíceis condições meteorológicas no G.P. do Canadá, mas no final da temporada a Tyrrell dispensou os seus serviços, e Jonathan assinou um contracto como piloto de testes da McLaren.
Durante a época de 1990 Palmer voltou aos sport-protótipos para pilotar o Porsche 962 da Joest Racing em algumas provas, mas o modelo estava claramente ultrapassado e raramente chegou aos pontos.
Em 1991 o britânico teve apenas participações ocasionais na disciplina, mas foi convidado pela Mercedes para pilotar o seu terceiro carro em Le Mans, ao lado de Stanley Dickens e Kurt Thiim, mas seria vítima da razia que se abateu sobre os motores Mercedes nessa época. Palmer disputou também a época completa no BTCC ao volante de um BMW M3 inscrito pela Prodrive, terminando em sétimo e conseguindo um pódio, mas optou por “pendurar o capacete” no final da temporada, dedicando-se em exclusivo às funções de piloto de testes na McLaren, agora mais ligado ao desenvolvimento do fabuloso McLaren F1 de estrada (chegando a bater um recorde de velocidade com um carro de estrada na pista de Nardo, aproximadamente 372 Km/h, ao mesmo tempo que se iniciava no comentário televisivo e formava a PalmerSport, uma empresa de organização de “track days”.
Com a morte súbita de James Hunt em meados de 1993, Palmer foi convidado a ocupar o seu lugar na BBC ao lado do lendário Murray Walker, desempenhando funções até ao final de 1996. A partir daí, dedicou-se cada vez mais aos negócios, não só com o desenvolvimento da sua empresa e a compra de pequenos circuitos, mas também na criação da Formula Palmer Audi, uma categoria de promoção “low-cost”, que promoveu estrelas como Gary Paffett, Rob Huff, Andy Priaulx ou o malogrado Justin Wilson. Palmer viria a ser manager de Wilson e negociou a sua chegada à F1 com a Minardi em 2003. No ano seguinte, Palmer, John Britten e Sir Peter Ogden formaram a MotorSport Vision e compraram os circuitos de Brands Hatch, Oulton Park, Cadwell Park e Snetterton, muito contribuindo para a sua promoção e revitalização, ao mesmo tempo que se dedicaram à promoção de diversos campeonatos, inclusive o regresso da F2 (2009-2012).
Actualmente, Palmer continua activamente envolvido nas suas empresas de promoção, com bastante sucesso, mas também na gestão da carreira dos seus dois filhos – Jolyon, campeão de GP2 em 2014 e actualmente na sua primeira temporada de F1 com a Renault, e Will, que venceu o campeonato inglês de F4 em 2015 e vencedor do McLaren Autosport Award, e é de momento adversário de Henrique Chaves na Formula Renault.
Jonathan Palmer pode não ter sido um piloto excepcionalmente talentoso, mas destacava-se pela regularidade e consistência da sua pilotagem, e se tivesse orientado a sua carreira mais na direcção da Resistência (e se esta categoria vivesse dias melhores a partir de finais da década de 80), poder-se-ia ter destacado bem mais. Mesmo assim, não são todos que se podem gabar de disputar seis épocas consecutivas na F1 e andar regularmente entre os melhores nos anos de ouro dos Grupo C!
Guilherme Ribeiro