Ferrari 250 LM: Crise de identidade
Sem ser um dos carros mais potentes ou mais inovadores da Ferrari, o 250 LM tem algumas das histórias mais interessantes, dando origem a guerras com a FIA mas também dando à marca italiana o seu último triunfo nas 24 Horas de Le Mans. A beleza da máquina italiana tornou-se intemporal, tal como a história do seu sucesso, que a Ferrari tenta agora reescrever, com o regresso a Le Mans na categoria principal para tentar a vitória na edição centenária da prova.
FOTOS Eddy Clio
A Ferrari estava num momento de sucesso no início dos anos 60 na produção de carros de estrada. O Ferrari 250 GT já era uma boa máquina que podia ser conduzida até aos circuitos, participar numa prova e voltar para casa, e a sua evolução 250 GTO foi um dos mais bem sucedidos GT de competição da época. Depois do 250 GTO, a Ferrari começou a preparar o ‘gran turismo’ ideal.
O 250 GT e o 250 GTO tinham o motor em posição central-dianteira, ou seja, atrás do eixo traseiro. Para o 250 LM, a Ferrari iria trocar o motor para uma verdadeira posição central. A base mecânica era a nova série de protótipos, com o 250 P e o 275 P. A carroçaria, desenhada pela Pininfarina e construída pela Scaglietti, era mais fluída, acrescentando também um tejadilho. Recorrendo ao alumínio e montada sobre um chassis tubular, conseguia que o peso do conjunto não passasse dos 850 kg.
As primeiras unidades ainda utilizaram o motor de 3 litros, justificando a designação 250 (cilindrada unitária), mas logo a Ferrari passou para o propulsor Tipo 211, de 3,3 litros, o mesmo usado no 275. Mesmo assim, a marca não mudou a designação do carro. Com uma árvore de cames por bancada, duas válvulas por cilindro e seis carburadores Weber, o V12 debitava 320 cv às 7500 rpm, controlados por uma caixa de cinco velocidades.
O carro podia ser usado em estrada, pelo que a Ferrari estava preparada para colocar o seu super-GT em ação em 1964.
Mas então começaram os problemas com a FIA. A federação não tinha ficado nada contente com o modo como a marca italiana conseguiu homologar o 250 GTO como se fosse apenas uma nova carroçaria do 250 GT SWB, apesar de ter um motor completamente novo (derivado dos sport-protótipos) e construindo apenas 39 carros, quando eram necessários 100, com números não sequenciais. Agora, a FIA estava em cima da Ferrari e não ia homologar o 250 LM sem os 100 carros estarem construídos. Até lá, o carro teria que correr como sport-protótipo, mas apenas foram 32 foram construídos, provando que a FIA estava correta.
Foi apenas com a nova distribuição de classes que o 250 LM passou a ser um Sports Car de Grupo 4, mas em 1966 já não era tão competitivo como o Ford GT40 ou o Lola T70. Nesta fase, continuava a aposta em sport-protótipos, mas os GT de competição deixaram de ser uma preocupação tão importante para a Ferrari.
A última vitória
Tal como fez com o 250 GTO, a Ferrari desenvolveu o 250 LM como um carro para clientes. Em 1964, a Scuderia Ferrari participava em provas de resistência com os 275 P2 e 330 P2, segunda geração de sport-protótipos de motor central, com motor 3.3 ou 4.0 V12. Mesmo assim, foi um 250 LM privado que conquistou a última vitória da Ferrari nas 24 Horas de Le Mans, em 1965.
Os primeiros clientes do 250 LM foram alguns dos nomes habituais associados à Ferrari, como a North American Racing Team de Luigi Chinetti, a Scuderia Filipinetti, a Ecurie Francorchamps (que, como era habitual, pintava os seus Ferrari de amarelo) ou a britânica Maranello Concessionaires. Foi, aliás, a equipa de Ronnie Hoare a primeira a conquistar uma vitória internacional para o carro, nas 12 Horas de Reims de 1964, com Graham Hill e Jo Bonnier ao volante.
Essa foi uma de sete vitórias no Mundial de Sport. Nesse ano, Ludovico Scarfiotti venceu a Rampa Sierre Crans-Montagna e Nino Vaccarella venceu a Coppa Inter-Europa. No ano seguinte, foram quatro as vitórias, duas delas em Itália e uma na Bélgica, mas a mais famosa foi nas 24 Horas de Le Mans.
O 250 LM da NART, chassis 5893, foi conduzido por Masten Gregory e Jochen Rindt e não era o favorito à vitória. Rindt não acreditava que o carro era capaz de acabar a corrida e forçou o andamento na fase inicial, antes de entregar o carro a Gregory, para fazer a condução à noite. No entanto, o piloto americano, apesar de competitivo, era conhecido pelos seus óculos de fundo de garrafa para corrigir a sua miopia e não via nada com a neblina noturna.
Com Rindt desaparecido do circuito, Luigi Chinetti mandou entrar o piloto de reserva, Ed Hugus, famoso piloto semi-amador nas pistas americanas e à época um dos americanos com mais experiência em Le Mans. Hugus guiou algumas voltas até Rindt voltar para cortar a meta, mas oficialmente o americano nunca pilotou o carro e o seu nome não figura na lista de vencedores. Os 250 LM terminaram em primeiro, segundo e sexto, enquanto os P2 oficiais abandonaram todos.
Apesar de não vencer mais corridas no Mundial, o carro continuou a ser competitivo nos campeonatos nacionais, inclusive em Portugal. O chassis 6119, propriedade do suíço Pierre de Siebenthal, passou a temporada de 1966 nas mãos de António Herédia de Bandeira e de António Peixinho.
Este último foi um dos candidatos ao título de campeão na divisão de Grande Turismo e Desporto, sendo derrotado pelo Lotus de John Miles em Vila Real, mas ganhando em Vila do Conde e em Cascais.
O 250 LM nunca teve grande sucesso nos Estados Unidos, apesar de ter vários proprietários, e a sua única vitória foi na Road America 500 de 1964, prova do United States Road Racing Championship, com Walt Hansgen e Augie Pabst no carro de John Mecom. Ganhou algumas vezes em África, inclusive no GP de Angola de 1964, com Willy Mairesse. O seu último triunfo foi nas 6 Horas de Surfers Paradise de 1968, conduzido pelos irmãos Geoghegan.
VITÓRIAS
1964
12h Reims Graham Hill/Jo Bonnier
GP Zolder Lucien Bianchi
Scott-Brown Memorial Roy Salvadori
Rampa Sierre Montagna Ludovico Scarfiotti
Coppa Intereuropa Nino Vaccarella
Road America 500 Walt Hansgen/Augie Pabst
9h Kyalami David Piper/Tony Maggs
GP Angola Willy Mairesse
1965
Coupe des Belges Willy Mairesse
Rampa Stallavena Edoardo Lualdi
500km Spa Willy Mairesse
GP Mugello Mario Casoni/Antonio Nicodemi
24h Le Mans Jochen Rindt/Masten Gregory
Coppa Citta di Enna Mario Casoni
200 milhas Zeltweg Jochen Rindt
Hockenheim GT Heini Walter
Silverstone GT Peter Clarke
Silverstone Sports Victor Wilson
1966
Zolder National Jean Blaton
Circuito Cascais António Peixinho
Anerley Trophy David Piper
12h Surfers Paradise Jackie Stewart/Andy Buchanan
Circuito Vila do Conde António Peixinho
Eagle Trophy David Piper
Oulton Park Gold Cup David Piper
1000 km Paris David Piper/Mike Parkes
Pukekohe National Andy Buchanan
1967
Circuito Zolder Jean Blaton
Silverstone International David Piper
Silverstone GP Richard Attwood
Evening News Trophy David Piper
12h Surfers Paradise Bill Brown/Greg Cusack
1968
6h Surfers Paradise Leo Geoghegan/Ian Geoghegan