‘Estórias’ do Rali de Monte Carlo: vencer o Turini, Sisteron e… Burzet… sem saber guiar!

Por a 18 Janeiro 2023 11:49

O Rali de Monte Carlo era para nós, jornalistas, uma das provas mais importantes e trabalhosas do ano. Acontecia no início da época – nos anos 90, quando comecei a trabalhar no AutoSport, e antes, quando me iniciei no Motor – abrindo regularmente o Mundial de Ralis (WRC) com toda a sua mística e características muito próprias.

Era a prova da foto de conjunto de todos os pilotos WRC, aquela em que se compravam os anuários do Martin Holmes e do David Williams, em que as equipas apresentavam as suas novas máquinas e os organizadores as provas seguintes – com todo o charme do mundo – e mais do que isso era toda a ansiedade para saber se o nosso decano Bernard Gautier, tinha conseguido marcar uma mesa no “Chez Julien” um local de culto do RMC onde se provam as melhores iguarias francesas.

Nos primeiros anos ainda se mantinha a divisão entre 4 etapas: Concentração, Comum, Classificação e Final, com esta última a admitir apenas os 100 melhores – sim chegava a ter que haver uma seleção para eliminar equipas que se classificavam acima do 100º lugar – sempre sobre pisos molhados, secos, nevados ou gelados, com os troços de mais de 20 Km, subindo e descendo dos “col’s”, a representarem uma enorme dor de cabeça para quem tinha a responsabilidade de escolher os pneus. Daí… apareceram os batedores, normalmente antigos pilotos, com muita experiência nas classificativas dos Alpes franceses e italianos.

Os pontos chave da prova, ou melhor, as classificativas mais importantes, são (ainda hoje algumas) o famoso Col de Turini (La Boléme – Le Vesubie) Sisteron, Burzet, Lalouvesc e para grande parte das equipas de ralis dos anos 90, o Col de Couiolle, classificativa que reunia no seu percurso, grande parte das características mais habituais, das restantes classificativas desse ano.

1 – Como profissional, a primeira vez que fui a Monte Carlo, foi em 1987. Na prova de fogo dos Grupo A, com os primeiros quilómetros do Lancia Delta 4WD, desde logo muito mais eficaz que a concorrência – Mazda 323, VW Golf GTI, Ford Sierra, Renault 11 Turbo… – logo uma reportagem difícil de fazer, onde comecei a compreender como funcionavam certas marcas e reagiam certos pilotos.

Depois de uma luta ao segundo no seio da Lancia, entre Biasion e Kankkunen, Cesare Fiorio comunicou aos pilotos que a luta terminaria após o Col de Turini. Quem dos dois fizesse melhor tempo no Turini, seria o vencedor do rali. Biasion bateu Kankkunen e Fiorio mandou-o parar, só que o Kankkunen, mostrou o seu descontentamento, parando a poucos metros da tomada de tempo da última PEC – Col de St Raphael – para deixar passar o italiano, enquando fumava um cigarro com o seu amigo e navegador, Juha Piironen. Marcante para um jornalista, num mundo que começava a definir-se…

2 – 1995, foi o ano de Rui Madeira. O então jovem piloto de Almada chegou a Monte Carlo apoiado por um punhado de amigos de Autocaravana, com o Nuno Rodrigues da Silva, integrados na Ralliart Germany, que inscrevia ainda o meu amigo Jorge Recalde e a amemã Isolde Holderied.

A grande jogada de marketing da Ralliart era fazer com que a Isolde fosse Campeã do Mundo de Grupo N, pouco se falando do Rui, pois para os alemães, a nossa dupla ainda tinha muito que andar até garantir a possibilidade de lutar pelo título.

Fiz esse rali com o Jorge Cunha. Fomos dormir para um hotel no final do Burzet (um quarto de núpcias todo em setim, foi o que se arranjou) e no dia seguinte lá fomos para o final do troço.

O Rui apareceu muito em baixo; “Eu não sei guiar. O Carro não anda direito, fomos passados por uma data de carros enfim até um privado com um Lancia todo branco nos passou. “ Não sei se vale a pena…”

Passo a explicar. Os três ou quatro que o ultrapassaram ficaram quase todos pelo caminho (eram 36 Km) e o tipo do carro branco era… O Maurizio Verini, com um Deltona apoiado pelo Jolly Club. O Rui foi 3º do grupo N, atrás do Recalde e da Isolde, mas venceu o seu grupo nas classificativas chave da prova: Turini, Sisteron e… Burzet. E não sabia guiar.

3 – Conto-vos finalmente 2 histórias sobre franceses e sobre a Ford: Em 96, no final da penúltima etapa, a Ford ia na frente – Delecour e Biasion – e Didier Auriol, com o Toyota, era terceiro, depois de uma prova plena de problemas com o Celica (afinações e pneus). A Ford Europa, considerou a vitória no bolso – já não vencia desde 1939 – e começou a convidar toda a gente – vieram da europa toda – para a grande festa final, com jantar no famoso Hotel de Paris, enfim… foguetes antes da festa.

Auriol, tranquilo, diria à partida para os últimos troços: “Vejam lá se também posso ir à festa. Até agora não recebi convite e não gosto de ser… penetra!”

O desfecho já o conhecem; A Toyota conseguiu uma vitória fantástica e Auriol bateu de novo o seu compatriota Delecour. Lembro que partiu para a última etapa a 1m11 do homem da Ford.

Falando de Delecour, no ano seguinte grande polémica com os treinos e as equipas a combinarem, sob a supervisão da FIA, que não haveria exageros. Em anos anteriores, nas horas antes da partida para a última noite, os helis levantavam rumo aos troços, onde os muletos esperavam as equipas, para mais 5 ou 6 passagens por cada troço.

Nesse ano (1997) todos no Hotel – normalmente o Beach Plaza – e apenas Delecour, completamente equipado a rigor, aparece à entrada com uma bicicleta de corrida… Surpresos todos perguntamos o que andou a fazer e o francês, sempre irónico, replica: “A manter a forma. A luta vai ser grande. “ Bernard Gautier, do L’ Equipe, amigo do piloto, diz-he: “Mas aqui no Mónaco? Andaste a percorrer o circuito? “

Sempre a rir, Delecour, deu-lhe uma pancada nas costas e disse-lhe: “Não. Fui para o Turini! Aqui não se pode treinar…”

Luís Caramelo

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado