WRC: consumidores e marcas procura-se!
Nuno Branco/FOTOS @World/André Lavadinho
O WRC continua numa espécie de ‘marcar passo’, não só devido à indefinição da indústria automóvel, mas também pelas condições macroeconómicas que já duram há algum tempo e tiveram este ano uma forte agravante. A mudança de era, para os híbridos tem sido positiva, mas a médio prazo não se vislumbra que a modalidade possa dar os passos necessários para voltar a um crescimento vigoroso.
A questão é tudo menos nova, mas, de forma cíclica, e sempre que passa mais um ano sem que um novo construtor surja no horizonte do campeonato do mundo de ralis, volta a ser colocada: será o WRC uma competição financeira e comercialmente atrativa para as marcas? Se olharmos para o número de construtores presentes e para aqueles que manifestam interesse em entrar no ‘jogo’, concluímos que, provavelmente, o WRC estará longe de ser a galinha dos ovos de ouro.
Quando vemos as imagens do WRC e nos deparamos com as verdadeiras enchentes que se deslocam a cada troço, chegamos à conclusão que, em matéria de espectadores, daqueles que se deslocam para ver ao vivo os concorrentes, o Mundial de Ralis continua a ser um desporto bem sucedido.
A verdadeira questão é distinguir estes espectadores daquilo a que chamamos os consumidores do WRC, ou seja, que percentagem de espectadores emprega, nos restantes dias do ano, uma parte do tempo que dedica às suas atividades de lazer e de entretenimento, ao WRC? Quantos subscrevem um canal pay per view especificamente por causa do WRC e quantos pagam a subscrição para assistir em Streaming, às classificativas de cada ronda do Mundial? Uma pequena parte.
Para quê gastar dinheiro para ser um mero espectador à distância se o adepto pode ser o ator do seu próprio rali e conduzir nos mesmos troços, os mesmos carros, em simuladores que transmitem sensações cada vez mais próximas da realidade? A verdade é que, nos ralis, a diferença entre o número de espectadores e o de consumidores sempre foi significativa e não tem tido tendência a atenuar.
Em 2013, quando a Volkswagen entrou no WRC, a sua enorme máquina de marketing trazia um desígnio bem claro: atrair gente ‘normal’ ou ‘ordinary people’, expressão por eles referida vezes sem conta, para os ralis.
E o motivo era simples: o universo dos adeptos de ralis não era suficiente para gerar o retorno necessário e, portanto, havia que cativar novos públicos. Não é por acaso que, do leque de jornalistas que a marca alemã convidava para cada prova do Mundial, a maioria pertencia a meios generalistas.
Nos meios especializados, o consumidor já estava conquistado e era em número insuficiente.
Este continua a ser o desafio do promotor: tornar o WRC numa competição interessante de seguir e atrair mais gente para o fenómeno, sendo que o sucesso desse desafio será medido em ‘share’ de televisão, número de subscrições do serviço de streaming, e o alcance que é obtido nas redes sociais.
São estas as métricas que medem as horas de exposição de uma marca e que, convertidas em dinheiro, irão ajudar os departamentos de Marketing de cada construtor a decidir colocar as fichas num cavalo chamado WRC, em detrimento de outras formas de investimento, de modo a alavancar comercialmente os seus produtos.
Numa altura em que a F1 bate recordes de popularidade, atraindo cada vez mais e diferentes públicos e traduzindo esse sucesso em audiências, é importante parar um pouco e analisar por que motivo outras competições motorizadas, nomeadamente o WRC, não veem a sua popularidade aumentar.
Não há dúvidas de que a F1 esteve e continuará a estar sempre num outro patamar de popularidade e é a única a conseguir ter espaço de audiência nos meios não-especializados, mas importa compreender os fenómenos que estão a contribuir para esse crescimento e, porque não, perceber se há algo a replicar noutras modalidades.
A F1 é historicamente, uma marca forte que até o menos interessado em competição motorizada, em qualquer canto do planeta, conhece.
Se perguntarmos a alguém o que é a F1, certamente a resposta não andará longe disto: são corridas com os carros mais rápidos do mundo, com a tecnologia mais desenvolvida do mundo, conduzidos pelos melhores pilotos do mundo.
Ou seja, é esta a marca da F1, o pináculo da tecnologia e da velocidade.
O facto de as corridas durarem pouco mais de uma hora e meia ajuda a tornar a F1 num espetáculo, sendo este um dos factores que menos abona a favor do WRC.
Apesar de fazer parte da sua identidade, do seu ADN, a verdade é que uma competição que dura três dias torna mais difícil converter a competição num espetáculo atrativo e, consequentemente, atrair mais gente ‘normal’.
No entanto, esta característica não explica tudo. O Dakar desenrola-se durante 10 dias, ou mais, e mesmo assim é o sucesso de audiências e de alcance mediático que conhecemos.
Mais uma vez, estamos na presença de uma marca forte, com uma identidade bem definida e, uma vez mais, se perguntarmos a quem passa na rua o que é o Dakar, iremos muitas vezes ouvir a expressão “é o rali mais difícil do mundo”.
Conclui-se que exemplos como os da F1 e do Dakar são bem sucedidos porque souberam, ao longo dos anos, construir o seu caminho, criar uma identidade que os distingue e trabalhar nos seus atributos.
Parece-me evidente que o WRC não tem sabido construir a sua identidade, tem dificuldade em oferecer algo que o diferencie, que o torne um espetáculo apetecível, que entretenha e que capte a atenção da enorme fatia de pessoas ‘normais’ que, neste momento, está mais interessada noutras formas de entretenimento.
Criar uma identidade forte, oferecer algo diferenciador sem perder o seu ADN, é este o desafio que Peter Thul e a equipa que trabalha na promoção do WRC têm pela frente. Depois, há que pegar nesses valores da marca e levá-los para outros palcos, para chegar a novos espectadores. A série da Netflix ‘Drive to Survive’ continua a alavancar a F1 e levá-la a novos públicos e essa aprendizagem não deve ser negligenciada.
O Promotor e a FIA apostaram na introdução de motorizações híbridas no WRC, conscientes de que a eletrificação poderá ser o caminho para atrair mais construtores para o WRC.
Em teoria, olhando para a evolução do mercado automóvel, a decisão faz sentido.
A entrada do WRC em novos mercados, nomeadamente o americano e o asiático pretendem também abrir o espectro de interesse da modalidade.
Mas sem uma profunda reformulação nas questões da identidade da marca, poderá ser insuficiente. É imperativo que o retorno das marcas compense os 50 a 100 milhões de euros de investimento que representa a entrada na aventura do WRC.
Para convencer os construtores a investir esse dinheiro, a modalidade não pode ficar sentada à espera que os novos públicos apareçam.
É necessário ir à procura deles, oferecer-lhes sensações e, quer nos meios tradicionais, quer nas novas plataformas tecnológicas, captar a sua atenção.
Parece fácil, não é?
Se forem para carros eléctricos como algumas marcas ja queriam, é que nem espectadores vão ter