Entrevista a Sébastien Ogier: “Estou entusiasmado pelo regresso, este feeling, esta adrenalina, não a consegues noutro lado qualquer…”
FOTOS Pedro Monserrate
Sébastien Ogier vai este ano para a sua 13ª participação no Rali de Portugal. É recordista de vitórias, cinco, a par de Markku Alen, uma com o Citroën C4 WRC, outra com o DS3 WRC, duas com o VW Polo WRC e a última em 2017 com o Ford Fiesta WRC. Retirou-se no final de 2021 de correr a tempo inteiro no WRC, tem este ano previsto realizar apenas cinco ralis, a par com um programa de LMP2 no WEC, Mundial de Endurance, e esteve há dias em Portugal para o seu teste pré-rali.
Não perdemos a oportunidade de falar com ele, numa conversa mais descontraída em que se falou de dos tempos fora dos ralis, do Ogier de 2010, e quão diferente está hoje, da importância da sua primeira vitória no WRC, em Portugal 2010, das suas hipóteses para este ano, o possível reavivar das lutas com Sébastien Loeb.
Falou-se ainda de Kalle Rovanpera, da importância do teste agora feito com o Toyota Yaris GR Rally1, e por fim de qual a sua zona preferida para ralis em Portugal, com uma resposta surpresa…
Como é que encaraste estes tempos fora dos ralis? Tiveste saudades do WRC durante os últimos meses?
“Tem sido muito agradável, tenho gozado algumas férias passado tempo com a minha família, cheguei agora de duas semanas nas Maldivas, aproveitei o WEC em Sebring para ficar mais um pouco nos Estados Unidos.
Tenho tido muito tempo para mim, passado muito tempo em casa a fazer as minhas coisas, praticar alguns desportos.
Para ser verdadeiro, não tive saudades de nada…
Mas agora estou entusiasmado pelo facto de regressar ao carro no Rali de Portugal, porque sei que este feeling, esta adrenalina, não a consegues noutro lado qualquer.
É claro que tenho agora este desafio no WEC, no endurance, gosto do carro, é uma nova experiência, muitas coisas para aprender, mas tal como eu pensava, não fica sequer perto dos ralis, que são onde se têm os sentimentos mais extremos, atrás de um volante, portanto…
Não tenho arrependimentos, gostei de todo o tempo livre que tenho tido até aqui , mas também gosto de estar de regresso ao carro…”
Este tempo que passou entre Monte Carlo e Portugal, pelo meio, tiveste o WEC, mas quando chegaste a Monte Carlo, disseste que não tinhas sentido ter parado. E agora com este rali, sentes de algum modo diferente face a outros anos?
“Sim, é verdade, passou muito tempo, mas por outro lado, a verdade é que os pilotos que estão a correr só fizeram mais dois ralis (Suécia e Croácia) e ainda por cima é o primeiro rali de terra, e nesse sentido, espero não estar demasiado atrás, pois estão todos a descobrir uma situação nova, mas de certeza que me interrogo de como vou estar, será que vou estar tão acutilante como estava, os meus automatismos surgirão de imediato ou não, estava excitado pelo teste, nas minhas últimas épocas completas, por vezes, ir testar era por vezes, não diria aborrecido, mas um pouco mais irritante. Sabia que era importante para a performance mas não estava super motivado, mas desta vez estava, porque já não guiava há muito tempo, sabia que tinha muitas coisas para aprender. Portanto, agora vamos descobrir como corre o rali, os outros pilotos também não guiaram ainda muito na terra, portanto…
Tendo em conta que nunca tinhas andado neste carro em pisos de terra tinhas algumas preocupações especiais?
“Não tinha quaisquer preocupações, já sabia que o carro tem evoluído muito, comparativamente a Monte Carlo, e apesar deste ser um rali completamente distinto sei que a equipa tem trabalhado muito, temos falado, sei que o carro está muito forte, a Toyota tem sido a equipa dominante na primeira parte da época, mas isso não significa que tudo se mantenha assim, estamos ainda numa fase muito prematura da época, os carros são novos há muita coisa a aprender, todas as equipas têm muito para melhorar, e com a aprendizagem dos primeiros ralis há áreas em que se pode andar para a frente. Mais uma vez, estou ansioso pela prova…”
Tens cinco vitórias no Rali de Portugal, as mesmas que Markku Alén, quais achas que são as tuas hipóteses este ano?
“Bem, seria fantástico, mas não é essa a minha principal motivação. É verdade que tenho uma afinidade especial com este rali (ndr, foi em Portugal 2010 que conseguiu a sua primeira vitória no WRC), a minha ligação a Portugal é realmente boa, mas quando eu decidi cá vir foi porque se insere bem no meu calendário, e não porque quisesse bater este recorde. Há muitos anos que venho a Portugal e me falam da possibilidade de obter a sexta vitória, mas eu não sou muito ligado aos números, em geral, senão ainda estaria no campeonato a tentar chegar ao nono título, portanto darei o meu melhor para tentar vencer, não ficarei satisfeito com algo diferente disso, mas é assim…”
A última vez que te vimos correr foi em Monte Carlo onde tiveste uma boa luta com o Sébastien Loeb, calhou de novo fazerem juntos esta prova, o que é que pensas disso? Dá a sensação que têm uma boa amizade e gostam de correr um contra com outro…
“Sim, sempre gostei de lutar com ele, tivemos boas lutas um contra o outro durante a nossa carreira, e é interessante que os adeptos estão excitados com isso, eu sabia que havia uma boa possibilidade dele vir, por isso é que o estava a provocar no Twitter, para que ele o anunciasse, e agora aqui estamos nós, os dois no carro em Portugal, ao mesmo tempo, espero sinceramente que ambos possamos lutar na frente, mas eu penso que as coisas são agora diferentes e não me parece que possamos dominar o rali como fizemos no Monte Carlo.
Espero que estejamos envolvidos na luta na frente, o que seria um rali excitante. Portanto vamos ver, há também o Dani (Sordo), temos vários pilotos de geração mais velha, quase poderia ser um rali de há 15 anos…”
Estiveste muito perto de vencer o Rali de Monte Carlo, que acabou por ser ganho pelo Sébastien Ogier, queres agora reverter a situação ou não há agora qualquer rivalidade?
“Todos sabem que o Monte é o rali que mais gosto de ganhar, é claro que fiquei desapontado do perder daquela forma, porque sabia que o tinha controlado e perdi-o no final, foi frustrante, claro, mas por outro lado, ele também teve uma grande performance e também mereceu ganhar.
Faz parte do jogo, por vezes precisas de ter um pouco de sorte do teu lado para vencer, especialmente no desporto motorizado, se eu recuar alguns ralis, Monza o ano passado podia ter corrido mal para mim quando bati na chicane, no Monte não estava destinado para mim. Para mim na minha carreira sempre foi difícil aceitar este tipo de momentos, mas com o tempo fui melhorando nesse aspecto, e passei a olhar para trás e a dizer, fiz o que podia, e agora é tentar ganhar o próximo.”
Tens alguma ideia das provas que podes ainda fazer, tendo em conta que a Acrópole colide com o WEC e o Japão também?
Sim, mas o que posso dizer para já é que não será na Sardenha, pois no domingo do Rali da Sardenha, tenho que estar em Le Mans para o test day, portanto esse também não dá, e depois disso devo dizer que a discussão está em aberto com a equipa. O plano é fazer cinco ralis. Para já prefiro manter isso em aberto entre mim e a equipa e depois se vê os ralis que são nomeados entre mim e o Esapekka (Esapekka).”
O WRC vai celebrar a 50ª edição neste evento, a tua primeira vitória foi aqui, consegues olhar para trás e refletir quão importante foi para a tua carreira?
“Foi um momento enorme para mim pessoalmente, e também para a minha carreira, dar esse tipo de passo é crucial para que se ganhe confiança, e a esta distância ainda me recordo bem dessa vitória, especialmente o facto de ter surgido depois de uma grande luta com o Loeb, ele no primeiro dia abriu a estrada e eu tive a vantagem de conseguir uma boa liderança, e depois nos dois dias seguintes tive sempre que andar a fundo sendo o primeiro na estrada, e ele estava a aproximar-se cada vez mais porque eu abria a estrada, e no final conseguimos ficar na frente por menos de 10 segundos, foi uma vitória intensa e um momento que não mais esquecerei”.
Foi esse o momento em que pensaste que podias chegar a Campeão do Mundo ou ainda não pensavas nisso nessa altura?
“Penso que a partir desse momento passou a ser o objetivo. Duas semanas antes tinha perdido a minha primeira vitória por dois segundos no Rali da Nova Zelândia, portanto eu sabia que começava a ‘estar lá’, mas entre ser capaz e realmente consegui-lo há uma diferença. Claro que foi importante conseguir esse primeiro triunfo, já que depois disso pude traçar o meu próximo alvo. Foi muito importante e desde esse momento, de certeza, apontei para ser campeão do mundo.”
Já passaram 12 anos desde essa tua primeira vitória, para lá das dúzias de troféus que tens, quão diferente é o Sébastien Ogier de agora face ao que ganhou o seu primeiro rali em 2010?
“Hum…certamente muito diferente, porque eu tentei crescer, através da experiência, não só nas corridas como na vida em geral, talvez quando comecei a carreira estivesse muito ‘faminto’ de vitórias, e fazia tudo para vencer, mas com o tempo passei a ser mais relaxado, diferente, olhar mais para a família, certamente muita coisa mudou ao longo do tempo, mas continuo a lembrar-me de onde vim, de quando tinha esse sonho de ser um piloto de ralis, e ainda sou essa pessoa, mantenho a paixão por fazer ralis, é um luxo para mim ainda poder fazer ralis e ao mesmo tempo poder desfrutar de mais tempo em casa…”
O Kalle Rovanpera tem tido um grande começo de temporada, queres-nos dar a tua visão sobre isso?
“Para ser honesto ele fez dois ralis perfeitos, foi um arranque se sonho, ele construiu uma grande liderança após três ralis, mas uma grande liderança após três ralis não significa que vás ser Campeão, ainda há 10 ralis pela frente, mas de momento ele está a fazer exatamente o que tem de fazer, não segui exatamente troço a troço o que ele fez mas ele tem sabido gerir, tinha uma boa posição na estrada no início, manteve-se calmo quando o rali ficou cada vez mais complicado, deu um último impulso para chegar à vitória, tem estado muito forte em todos os aspectos até aqui, se ele continuar assim será muito difícil apanharem-no…”
Queria falar-te dos aspetos híbridos do carro, sentes que estás em desvantagem relativamente aos outros pilotos que agora têm mais tempo ou não é assim tão importante quanto as pessoas pensam?
“Penso que o sistema tem vindo a evoluir sempre, penso que este teste foi importante para mim para me habituar e ficar a par, o mais depressa possível. É um pouco difícil de dizer, ainda será apenas o primeiro rali de terra da época, os parâmetros são novos para toda a gente, eu sei que estar de fora nunca ajuda, perdemos o foco, será sempre um desafio mas tenho que encará-lo, e depressa vamos descobrir…”
Tendo em conta que vais dividir a época entre o WRC e o WEC, sentes que podes ter problemas em lidar com as duas disciplinas em todo o teu potencial? Há muito que és o melhor no WRC mas isso sempre envolveu épocas completas, será que vais acordar por vezes a sonhar com o WEC quando devias estar a sonhar com o WRC?
“Não sei, penso que alguns pilotos já provaram que conseguem ser performantes em vários desportos, mesmo um piloto como o Séb (Loeb) voltou aos ralis e venceu novamente, no Monte Carlo, acho que torna tudo mais difícil, mas nada é impossível.
É lógico que se te focas num só objetivo, é certamente mais fácil focares-te, isso é certo, nada contra isso, mas por outro lado, as expetativas não são exatamente as mesmas, no WEC eu tenho consciência que a probabilidade de ser número 1 aí é muito, muito baixa, sou um rookie, é mais um desafio que imponho a mim próprio, para ver quão perto consigo chegar dos melhores, mas nem sequer sonho ser o melhor no WEC, para ser honesto, mas nos ralis , tendo em conta que não estou de fora assim há tanto tempo, espero ainda ser competitivo.”
Achas que é saudável para o WRC que os adeptos estejam a achar a vossa rivalidade mais interessante do que a rivalidade de quem luta pelo campeonato? Eu acho fascinante, mas devia ser esse o foco?
“Eu penso que com o tempo as coisas vão mudando e o nome de Loeb e Ogier vai-se apagando, mas para já acho que os adeptos estão a gostar de ver os dois últimos pilotos que dominaram o desporto a serem ainda competitivos e capazes de lutar pelas vitórias.
Penso que é fascinante e de algum modo temos que desfrutar, que não gostaria de ver, em vários desportos este tipo de cenário. Os ralis, por algum motivos, oferecem esta possibilidade.
Parece-me que devemos desfrutar, mas ao mesmo tempo, sou o primeiro a dizer que é um pouco demais dizer que sem mim e o Loeb, quem vencer o campeonato este ano não tem o mesmo valor, para mim ser Campeão do Mundo é sempre de grande valor.
É verdade que dominámos no Monte Carlo, mas isso não significa que tenhamos estado longe dos outros pilotos.
As minhas duas últimas épocas foram muito competitivas, sempre com lutas equilibradas, para continuar a vencer e agora basta ver o que o Kalle está a fazer, é muito especial. Mais cedo ou mais tarde as coisas seguem o seu rumo natural…”
Tendo em conta as diversas regiões onde se disputa hoje em dia o Rali de Portugal, o primeiro dia em Arganil, o segundo na zona do Marão e o terceiro em Fafe, tens alguma preferência entre essas zonas, em termos dos troços?
“A zona de Fafe é muito gira, há a famoso troço de Fafe, que todos já conhecemos de cor, quase nem precisamos de navegador para fazer esse troço, mas como sempre disse, o meu coração em Portugal sempre esteve mais nos troços do Sul, gosto mesmo do Algarve, acho que há troços fantásticos ali, o seu perfil era muito giro para mim, mas no Norte também há opções muito boas, penso que este ano o rali é quase igual ao do ano passado, o ambiente é como sempre muito bom é algo que nós pilotos gostamos muito, guiar em Portugal no Norte.
Palmarés no Rali de Portugal
2022 – Toyota Yaris GR Rally1
2021 – 3º Toyota Yaris WRC
2019 – 3º Citroën C3 WRC
2018 – NT Ford Fiesta WRC
2017 – 1º Ford Fiesta WRC
2016 – 3º VW Polo WRC
2015 – 2º VW Polo WRC
2014 – 1º VW Polo WRC
2013 – 1º VW Polo WRC
2012 – 7º Skoda Fabia S2000
2011 – 1º DS3 WRC
2010 – 1º Citroën C4 WRC
2009 – 17º Citroën C4 WRC