A Fórmula 1 e as guerras

Por a 11 Abril 2022 12:06

Pela primeira vez na sua já longa história, a Fórmula 1 realizou um Grande Prémio numa área que foi alvo de um ataque bélico, mas não é anormal para a categoria máxima estar presente em países beligerantes, e este ano ainda passará por um envolvido diretamente numa guerra.

O Grande Prémio da Arábia Saudita ficou marcado pelo ataque de mísseis desenvolvido pelos Houtis a instalações da Aramco, um patrocinador do campeonato e da Aston Martin, levando a que a realização do evento ficasse em dúvida devido aos movimentos dos pilotos.

As preocupações quanto à segurança do circuito de Jeddah foram apaziguadas pelas autoridades sauditas e a segunda prova da temporada foi avante, apesar de um míssil ter caído a menos de vinte quilómetros do traçado.

Esta foi uma novidade, nunca um Grande Prémio de Fórmula 1 tinha estado tão perto de um ataque bélico, muito embora, não seja uma anormalidade o Grande Circo visitar países envolvidos em conflitos, desde o início da sua história.

A competição mais importante da FIA teve o seu início no Grande Prémio da Grã-Bretanha, a 13 de Maio em Silverstone, e pouco dias depois, rebentava a Guerra da Coreia e alguns meses após a Grã-Bretanha fazia parte das forças da ONU para contrariar as investidas norte-coreanas e apoiadas pela China.

Dois anos depois, em 1955, dava-se o início da Guerra do Vietname, sendo os Estados Unidos da América uma das forças beligerantes. Em 1959 a superpotência mundial albergava um Grande Prémio, mantendo-se por longos anos e até depois da retirada da América do conflito, em 1973.

Em 1982 assistir-se-ia a uma disputa que envolvia dois países que constavam no calendário original da temporada – Argentina e Grã-Bretanha.

Estes dois países envolveram-se numa contenda pelas Ilhas Falklands, ou Malvinas, dependendo dos lados, o que teve impacto na Fórmula 1, uma vez que a prova argentina acabou por ser cancelada e Carlos Reutmann, argentino e que competia pela Williams, escolheu deixar a equipa após o Grande Prémio do Brasil.

Posteriormente, foram diversas as guerras travadas por países englobados em forças internacionais – Golfo, Bósnia, Kosovo, Afeganistão, Iraque, Síria – normalmente sancionadas pela ONU que, habitualmente, tinham como objectivo libertar povos oprimidos ou travar invasões, pelo menos, aos olhos do mundo ocidental.

Em comum todos estas ações militares tinham o facto de terem como palco locais exteriores aos países por onde os Grandes Prémios eram realizados, o que não colocava em risco a segurança dos participantes.

Tinham ainda na sua maior parte o apoio da ONU, sendo vistos como conflitos necessários para assegurar a paz local ou mundial.

Apenas a Guerra do Iraque foge a esta característica, uma vez que a ratificação da Organização das Nações Unidas não foi clara.

Já o envolvimento da Arábia Saudita na Guerra Civil do Iémen tem sido alvo de fortes críticas por parte de diversas organizações, inclusivamente da ONU, que apontou inúmeros crimes de guerra por parte dos sauditas.

Para além disso, a Arábia Saudita tem sido alvo de ataques dos houtis, como se pôde verificar durante o Grande Prémio deste ano, sendo, portanto, um local a evitar. No entanto, os petrodólares tiveram mais força, levando a que a Fórmula 1 se dirija a um país que, para além de estar longe de ser um exemplo nos direitos humanos, está também presente num conflito que não é bem visto e que é um risco para os seus visitantes.

Mas este ano a categoria máxima do desporto automóvel visitará ainda outro estado envolvido diretamente num conflito – o Azerbaijão.

O país liderado por Ilham Aliyev está envolvido numa guerra com a Arménia tendo como foco do conflito o controlo de Nagorno-Karabakh.

Neste momento existem negociações para um cessar-fogo, patrocinadas pelos Estados Unidos da América e pela Comunidade Europeia, mas não existe ainda um acordo.

Recentemente, tem-se assistido a uma diminuição da intensidade do conflito, não tendo ainda existido ataque a Baku, a capital do Azerbaijão e onde se realiza a oitava etapa do Campeonato Mundial de Fórmula 1 deste ano a 12 de Junho.

No entanto, uma vez mais, foram reportados por diversas organizações crimes de guerra de ambas as partes e o regime liderado por Aliyev não é um exemplo de democracia, sendo acusado de nepotismo, uma vez que é filho do anterior presidente do Azerbaijão, e tem vindo a mudar a constituição do país para que familiares próximos ocupem lugares de poder.

A Fórmula 1 tomou a decisão certa ao cancelar unilateralmente o contrato com o Grande Prémio da Rússia, mas parece ter dois pesos e duas medidas, visitando países que, muito embora estejam afastados dos holofotes dos media internacionais, estão longe de ser bons exemplos e boas companhias.

A FOM aponta que a visita da Fórmula 1 a este tipo de países imprime uma mudança de mentalidades, ajudando-os a aproximarem-se de valores mais democráticos e de maior respeito pelos direitos humanos. Contudo, não deixa de parecer que o principal objectivo dos responsáveis comerciais da categoria passa por reforçar os seus cofres com as generosas quantias que recebe para visitar estes países e para branquear a sua imagem.

Resta saber quais os custos em termos de imagem que o principal campeonato da FIA terá de pagar com a sua passagem por regiões que não são exemplos para ninguém…

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