F1: A vergonha de Zeltweg, GP da Áustria de 2002 foi há 20 anos
Poucos se lembram de quantas corridas de F1 passaram depois daquela tarde do GP da Áustria de 2002, mas essa tarde no A1 Ring ficou na mente de todos, porque deixou um ‘gosto’ tão insatisfatório, que 20 anos depois ainda é recordada como um dos momentos mais ‘baixos’ da história da F1. Recordamos alguns dos textos escritos nesse dia, no AutoSport.
A imagem da Fórmula 1 sofreu mais um rude golpe em Zeltweg, quando Rubens Barrichello foi obrigado a deixar Michael Schumacher terminar em primeiro lugar o G. P. da Áustria, uma prova que o brasileiro dominou por completo. Só mesmo uma ordem de Jean Todt forçou a derrota de Barrichello, levantando uma onda de protesto geral, ao ponto do hino alemão ter sido vaiado pelos muitos… alemães, que estavam na bancada central! Uma imagem que diz tudo.
O que terá Rubens Barrichello de fazer para ganhar um Grande Prémio? Ontem, em Zeltweg, o brasileiro arrancou na frente, manteve Michael Schumacher em respeito, aumentou a vantagem para o seu companheiro de equipa para mais de quatro segundos antes do segundo reabastecimento, mas acabou por ser mandado perder, um ano depois de ter sido forçado também a perder uma posição para o alemão nesta mesma pista!
Perder um segundo lugar e dois pontos é desmoralizante, quando ainda se sonha com o título mundial, mas ser forçado a perder uma corrida deve doer ainda mais. Desta vez não houve lágrimas no pódio, como no ano passado, mas a amargura de Barrichello era bastante evidente e nem mesmo Michael Schumacher conseguiu disfarçar o enorme desconforto que a situação lhe causou.
CONDENAÇÃO UNÂNIME
Pela primeira vez na história do Campeonato do Mundo de Fórmula 1, o vencedor da corrida ficou no segundo degrau do pódio e cedeu o degrau mais alto ao segundo classificado. Pela primeira vez a taça destinada ao vencedor foi publicamente dada pelo primeiro classificado a quem ficou com o segundo lugar – Irvine dera a taça a Salo no G. P. da Alemanha/99, mas depois de saírem do pódio – e pela primeira vez em muitos anos os espectadores vaiaram abertamente o vencedor. Nunca se tinha visto os elementos das outras equipas acorrerem à cerimónia do pódio para assobiarem os primeiros classificados; nunca se tinha ouvido gente responsável apelidar de nojenta a política doutra equipa.
É evidente que para a Ferrari são os pontos que contam e, por isso mesmo, mesmo com o resto do Mundo a gritar “Vergonha!” Jean Todt e os seus acólitos vão continuar a agir como até aqui, pois já deixaram bem claro que não estão na Fórmula 1 para competir com espírito desportivo; estão aqui para ganhar, independentemente dos meios utilizados para o conseguir.
Mas quando um Patrick Head, que nem é parte interessada, vai ter com Jean Todt e lhe diz, frente aos microfones da RAI, que “esta foi a coisa mais nojenta que já vi nos 25 anos que tenho deste desporto” há algo de podre neste mundo da Fórmula 1. Como a mentalidade dos responsáveis da Ferrari não vai mudar – basta lembrar os tenebrosos acontecimentos de vários Paris-Dakar quando Todt comandava a Peugeot para se perceber do que é capaz – só a FIA poderá fazer alguma coisa para restaurar alguma credibilidade à Fórmula 1. Quanto a isso, há que esperar para ver, mais nada.
Voltando à pergunta inicial, Rubens Barrichello já sabe com o que é que conta. Para ter permissão para ganhar um Grande Prémio tem de esperar que Michael Schumacher abandone ou, pelo menos, exista um carro rival entre ambos. O que atendendo à superioridade e fiabilidade dos F2002 é quase uma impossibilidade. Por isso, terá de esperar pacientemente que o alemão garanta, matematicamente, a conquista do seu quinto título, para então beneficiar da liberdade que os outros 20 pilotos em pista gozam ao longo de todo o ano.
PARA QUÊ?
Defende a Ferrari que os interesses da equipa estão acima dos interesses dos pilotos e que como Barrichello está muito atrasado no Mundial, aposta tudo em Schumacher para garantir o título. Percebe-se, mas a Scuderia parece ignorar que tem um carro um segundo por volta, em média, mais veloz que o dos seus rivais – ontem Barrichello ganhou 35,1 segundos ao terceiro classificado nas primeiras 23 voltas e sem a entrada do Safety Car em pista os Williams teriam sido mesmo dobrados pelos Ferrari! – e que só por um acidente é que Michael Schumacher pode perder este Mundial.
E depois de Eddie Irvine ter perdido o campeonato de 1999 por dois pontos, depois de ter cedido a sua posição a Schumacher no Brasil e proibido de o ultrapassar em França – perdendo os pontos que, no fim das contas, lhe teriam permitido bater Hakkinen no final do ano – é evidente que Jean Todt continua fiel ao seu credo de apostar tudo em Schumacher, arriscando-se a novo falhanço se o alemão tiver uma nova infelicidade. Colocar todos os ovos no mesmo cesto é uma opção que tem muitos riscos, mas Todt e a Ferrari não mudam nem uma linha da sua postura de há seis anos. Venha o coro de críticas que vier, sofra a imagem da Fórmula 1 e da Ferrari o que sofrer, custe o que custe.
Em termos práticos, Schumacher tem, agora, 27 pontos de avanço sobre Montoya e podia ir de férias dois meses que não perdia essa liderança. Sabendo-se que o alemão até pode andar tranquilamente em segundo lugar, atrás de Barrichello, para garantir o triunfo nas próximas corridas, resta esperar que o alemão garanta o seu título em meados de Julho para termos, finalmente, corridas abertas daí até ao final do ano e não o ridículo teatro a que se assistiu ontem na Áustria.
FISICHELLA EM DESTAQUE
Atrás dos Ferrari os outros vinte pilotos disputaram uma corrida a sério, sem ordens das boxes e andando a fundo de princípio a fim. Montoya, utilizando o mesmo jogo de pneus duros ao longo de toda a corrida, acabou por superar Ralf Schumacher, que utilizava os pneus mais macios e parou mais cedo para reabastecer, tirando vantagem das muitas voltas em que o Safety Car neutralizou a corrida.
Mas a vedeta do G. P. da Áustria foi Giancarlo Fisichella, que garantiu dois pontos à Jordan, apesar de dispôr dum carro pouco competitivo. Chamado por Gary Anderson às boxes à 28ª volta, quando o Safety Car reentrou em pista, o italiano cumpriu, aí, o seu único reabastecimento e acabou por passar Coulthard quando este teve uma passagem pela gravilha, ao ser surpreendido pelo óleo deixado pelo motor partido do Minardi de Yoong. Depois, defendeu-se como um leão dos ataques do escocês, garantindo um quinto lugar que compensa, um pouco, a equipa, do impressionante acidente de Sato.
Coulthard foi um modesto sexto classificado, enquanto Raikkonen durou pouco depois de se ter partido mais um motor Mercedes. O finlandês registou o seu quinto abandono consecutivo e só marcou pontos em Melbourne. Villeneuve foi uma das atracções da corrida, passando muita gente por ter optado por fazer dois reabastecimentos, mas foi penalizado por ter causado um acidente com Frentzen na primeira volta e a acabou a prova com o motor partido na última volta. Uma situação que deixa a BAR como única equipa sem qualquer ponto no Mundial deste ano.
FIGURA
RUBENS BARRICHELLO
Depois de ter conseguido uma pole position indiscutível, Rubens Barrichello dominou por completo o G. P. da Áustria até deixar passar Schumacher no último metro. Ser vencedor moral, levar a taça para casa, garantir um bónus monetário por ter dado a vitória ao seu chefe de fila, tudo isto por junto não chega nem para começar a recompensar o piloto brasileiro pelo seu sacrifício. Um ano depois de ter renitentemente dado o segundo lugar de presente a Schumacher, Barrichello teve de ceder a vitória ao piloto alemão, ele que só ganhou um Grande Prémio até hoje, já lá vão quase dois anos! Quatro dias depois de ter prolongado por mais dois anos a sua ligação à Ferrari, o paulista teve a oportunidade de recordar-se do que o espera até ao final de 2004, pois por mais garantias que lhe dêem durante o Inverno está mais do que visto que o papel que lhe está destinado até ao final do seu contrato é mesmo este, o de escudeiro de Michael Schumacher.
FIGURÃO
FERRARI
Que vergonha! Rory Byrne produziu o melhor carro do plantel, e de que maneira, Ross Brawn gere a equipa de forma brilhante, mas a total ausência de escrúpulos e sentimento desportivo por parte de Jean Todt fez com que depois de uma vitória indiscutível a Scuderia fosse veementemente vaiada por toda a multidão que estava em Zeltweg e que era composta, maioritariamente, por alemães! Tal é a superioridade dos F2002 que existe a séria possibilidade da Ferrari ganhar todas as corridas daqui até ao final do ano e, por isso, dar quatro pontos a mais a Michael Schumacher não vai adiantar. Mesmo que o alemão tivesse sido segundo, ontem, a sua vantagem sobre Montoya no Mundial seria, agora, de 23 pontos, o que diz tudo quando se sabe que só se disputaram seis corridas. Neste ponto, 23 ou 27 não faz grande diferença e, por isso, bem poderia ter sido evitada a repetição da lamentável cena do ano passado, mais a mais quando Barrichello teve de renunciar à que seria a segunda vitória da sua carreira numa corrida que dominou por completo.
MOMENTO-CHAVE
Foi no muro das boxes que a corrida se decidiu, quando Jean Todt fez saber a Ross Brawn, primeiro, a Rubens Barrichello, depois, e, só na última volta, a Michael Schumacher que seria o alemão a vencer a corrida. Só assim é que o Campeão do Mundo pôde superar o piloto brasileiro, que liderou desde a primeira volta e dominou os acontecimentos com uma enorme autoridade. Desta vez não foi na pista, não foi nos reabastecimentos, foi por uma ordem desnecessária da direcção desportiva da Ferrari que o alemão conseguiu a sua mais humilhante vitória, acabando vaiado pelas dezenas de milhares de compatriotas seus que invadiram a pista de Zeltweg.
“Bom, já tinha a experiência do ano passado, por isso quando a equipa me disse para o deixar passar eu perguntei se isso era mesmo necessário. Disseram-me que sim e eu respondi que deixaria o Michael ganhar.”
(Rubens Barrichello e a ordem para perder que lhe chegou das boxes)
“Toda a gente viu que o vencedor desta corrida fui eu. O Michael deu-me o troféu e eu ofereci-o à minha mulher, que faz anos hoje. Não há mais nada a dizer.”
(O brasileiro, tentando disfarçar a evidente insatisfação que sentia)
“Hoje de manhã perguntaram-me se existiriam ordens de equipa e eu disse que não. Mas na última volta disseram-me que o Rubens ia deixar-me passar e foi isso que se passou.”
“Este é um desporto de equipa e temos de aceitar que a equipa defenda os seus interesses. Quem critica não compreende o trabalho que envolve dirigir uma equipa.”
“Olhando para o que aconteceu tenho de dizer que se pudesse voltar atrás talvez não tivesse aceite esta vitória. Aliás, se virem na telemetria eu tirei o pé na recta da meta, mas o Rubens abrandou ainda mais e eu passei-o. Para vocês é mais fácil, pois têm tempo para pensar, mas para mim aconteceu tudo muito depressa.”
“Ordens de equipa aqui ou em Suzuka são a mesma coisa e se isto acontecesse em Suzuka ninguém nos criticava. Não percebo porque nos criticam tanto agora.”
(Michael Schumacher, dando uma no cravo e outra na ferradura, numa conferência de imprensa onde foi vaiado, primeiro, e massacrado, depois)
“Nós também já tivemos carros dominadores e a McLaren também, mas deixávamos o desporto ser disputado normalmente. O que vimos hoje foi um acto cínico e nojento!”
(Patrick Head, sempre directo)
“Se isto é um desporto de equipa, porque é que existe um Campeonato de Pilotos?”
(A última pergunta feita a Schumacher que, como muitas outras, ficou sem resposta)
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AutoSport TV ‘Never Just Win’: os bastidores de um campeonato épico no WRC 202420 Dezembro 2024 16:05
«A vergonha de Zeltweg, GP da Áustria de 2002 foi há vinte anos».
Epá, devo ter perdido a noção do tempo. Já estamos a 12 de Maio e eu a pensar que hoje era 7 de Fevereiro!
Jean Todt strikes again!! Já tinha acontecido exactamente o mesmo na mesma pista no ano anterior, embora, nessa ocasião tivesse sido “apenas” para um segundo lugar atrás de Coulthard.
Esta mancha ira acompanhar a Ferrari para sempre, pois está na cultura deles e vai continuar assim, mas um pouco disfarçado, lembro-me bem deste momento e deixei de ver F1 durante essa época, recordo me bem da humilhação que o Schumacher teve pois estava a ser vaiado no pódio, o Schumacher foi um grande mas foi de todos o mais protegido de sempre na F1,
Adoram queimar a Ferrari nesta corrida.
Mas a McLaren Williams e até Mercedes não fizeram igual já?
A diferença foi que o barrichello para toda a gente saber que foi mandado só levantou na recta da meta. Os outros é melhor a dúzia de voltas antes para não dar barraca.
A maior parte da brasileirada que conheço até afirma sempre que foi no Brasil, até já ganhei apostas…até mandam vir e nem sabem onde.