Entrevista: Jovens pilotos falam dos desafios da competição
Ser piloto de competição é o sonho de muitos, mas poucos conseguem dar asas a esse sonho. Além do talento, é preciso perseverança, resiliência e uma paixão enorme. Depois de termos falado com Pedro Salvador da Speedy Motorsport, falamos com os jovens da equipa que começam agora a dar os primeiros passos, ou pretendem cimentar a sua carreira. Rafael Lobato, Alexandre Areia e João Aguiar-Branco falaram ao AutoSport sobre os desafios, os bons e os maus momentos e os desejos para o futuro.
Antes de começar a conversa, interessa conhecer o percurso destes três jovens que tentam um lugar ao sol na velocidade nacional:
Rafael Lobato (RL) – Comecei com oito anos no karting e competi em Baltar até aos 13, vencendo nas categorias por onde fui passando. Aos 13 precisava de uma mudança e como não podia ir ainda para a velocidade, fui para o ralicross. Sei que não é um percurso comum e que normalmente se fica nos karts mais tempo, mas o ralicross iria permitir-me ganhar mais experiência no controlo do carro, sendo um bom passo intermédio para chegar à velocidade. Fui campeão nos dois anos seguintes e depois aos 16 mudei-me para a velocidade, onde corri com um radical no primeiro ano e venci o título. Foi um ano fundamental, não só por ser a estreia, mas também para conhecer e tirar o máximo de informação sobre as pistas nacionais e em 2015 fiz equipa com o Pedro Salvador, já mais preparado para o desafio. Quase vencemos o campeonato nesse ano. Depois dos protótipos tenho competido em TCR, sempre nos lugares do pódio e agora fiz o Kia Ceed GT Cup onde também conquistei o título.
Alexandre Areia (AA) – Comecei um pouco tarde em relação ao que é habitual e iniciei-me nos karts aos 13 anos, contra pilotos que já competiam há cinco ou seis anos e foi duro entrar logo nesse nível pois enfrentei pilotos muito mais experientes que eu. Foi um ano duro em que “levei muito na cabeça”, mas que me permitiu aprender muito e no ano seguinte comecei a lutar por mais pódios e vitórias, com um nível mais competitivo. Nos últimos três anos de kart estive sempre na luta pelas vitórias e pelos campeonatos, até que em 2018, fui vice-campeão de karting e segundo na Taça de Portugal. Foi nessa altura que senti que era necessária uma mudança e surgiu a oportunidade de fazer o Kia Picanto GT Cup, que se revelou uma aposta acertada na minha primeira incursão nos automóveis. A adaptação correu bem, fui rápido desde o começo e como me sagrei campeão ficou claro que foi uma aposta ganha. Depois de ter conquistado o título, achei que era bom subir de nível e apostamos no Kia Ceed GT Cup, num carro mais potente, numa experiência nova que também considero ter corrido muito bem e que me permitiu evoluir muito.
João Aguiar-Branco (JAB) – Comecei apenas aos 17 anos sem fazer kart de competição. Basicamente aprendi a conduzir no Kia Picanto em Braga com o Pedro Salvador no verão de 2018 e foi literalmente aprender a conduzir. Depois dessa parte fundamental dominada é que comecei a aumentar o ritmo e a andar mais rápido. Em 2018 fiz o Picanto e foi bom para mim porque, acaba por ser um carro fácil de conduzir e a competitividade do troféu era acessível e deu para ser um bom campeonato de lançamento, onde aprendi muito e consegui alguns bons resultados. Repeti a participação em 2019 e em 2020 fiz a minha melhor época com vitórias pódios acabando como vice-campeão.
Apesar de jovens, já vários momentos marcaram as suas carreiras:
RL – Já tive vários momentos que me marcaram. Em 2015, quando fui colega do Pedro Salvador, foi um ano importante pois estava ainda a evoluir e tinha chegado há pouco tempo à velocidade. Só o facto de ter no carro os nomes Rafael Lobato e Pedro Salvador já intimidava um pouco e tinha quase uma pressão extra de não estragar o trabalho que ele fazia. Creio que consegui estar ao mesmo nível que ele e conseguimos ser muito rápidos.
Outro momento marcante é sem dúvida cada participação nas corridas de Vila Real. É um ambiente completamente diferente e cada volta tem uma sensação diferente. Dá a sensação que a curva se adapta à nossa passagem, mas temos pouco tempo para nos ambientar à pista e quando chegamos ao fim de domingo, queríamos que estivesse a começar. Vila Real tem essa parte de entrar na pista sem receio nenhum, com o objetivo de te divertires e dar o máximo. Se começarmos a pensar em receios, complica logo a tarefa que temos pela frente.
Nos TCR também tive momentos muito bons, pois comecei a encontrar ainda mais nomes sonantes, com muita experiência e de repente estou em luta com eles pista. No Kia Ceed GT Cup nas corridas do Estoril íamos ter praticamente oitenta por cento do campeonato nesse fim de semana. Correndo tudo muito bem podia sair de lá com o título, havendo alguma coisa que incomodasse podia ser o suficiente para dar asneira. Felizmente entrei com o foco certo e consegui vencer.
AA – Destaco dois momentos nos últimos anos. Um na última corrida do Kia Picanto onde estava a discutir o campeonato. Eu largava da pole e como estava habituado a largar da frente, nunca tive de fazer muitas ultrapassagens, mas naquela corrida levei um toque e cai para último. Talvez tenha sido a primeira vez que tive de mudar o chip e tive de arriscar tudo em pista. Lembro-me de nem ter pensado no toque e apenas me focar no que tinha para fazer. Tinha de arriscar tudo para ser campeão nessa corrida e consegui fazê-lo. Fiquei contente pelo título conquistado, mas também por ter entendido que consegui mudar o chip de forma instantânea, algo que não sabia que tinha em mim.
O segundo momento terá sido a última corrida do ano passado, à chuva, que foi a minha primeira corrida nessas condições. Foi uma descoberta para mim tentar implementar um novo estilo de condução num carro diferente em que não estava ainda muito confortável. Consegui ter uma boa adaptação à chuva e permitiu-me aprender muito e melhorar alguns pormenores como piloto.
JAB – Acho que tive dois momentos marcantes. A primeira vez que andei à chuva em Portimão, porque foi a primeira vez que corri com pista molhada e também por ter conseguido ter um bom ritmo e ter feito inclusive a minha primeira pole position.
Mas provavelmente o mais marcante até agora foi em Braga, pois permitiu-me um crescimento emocional importante. Sabia que estava com bom ritmo, tinha feito as duas poles à geral, mas sempre tive o problema de gerir a corrida emocionalmente e levar a corrida até ao fim mas, consegui as duas vitórias e as duas voltas mais rápidas por isso creio que foi um momento de definição para mim.
A força mental é um trunfo fundamental para o sucesso de um piloto de competição. Essa força mental é trabalhada e aprimorada algo reforçado pelos momentos negativos. Como todos os pilotos, este trio também passou por momentos menos bons, mas nem por isso desistiu do sonho e continuou a trabalhar sempre com a ajuda da equipa:
RL – Sinto que evoluí mentalmente em 2015, e beneficiei muito da ajuda do Pedro Salvador. A grande experiência que ele tem permite identificar logo certos pormenores onde podemos melhorar. O trabalho feito por ele e pela Speedy permite entender se estamos no bom caminho ou se é preciso mudar alguns pontos para sermos mais competitivos. Fiquei até com a alcunha de “esponja” pois sempre que trabalhei com ele e recebi indicações para melhorar, consegui ir para a pista e melhorar os meus registos. Claro que isto só acontece quando recebemos boa informação, mas isso acontece na Speedy, com o Pedro e com toda a equipa.
Quando vou para o fim de semana de provas, vou com uma mentalidade forte e assertiva. Durante os fins de semana sou um pouco mais reservado. Posso até ficar com um ar mais frio, mas estou a pensar no que quero que aconteça durante o fim de semana, da maneira como o vou fazer. Passa-se muita coisa na minha cabeça e mais de metade não passa cá para fora.
Consigo distinguir os comentários ou opiniões que devo ter em conta e os que devo descartar e o facto de começar a conhecer melhor as pessoas permite entender quem está a ser honesto e quem quer apenas pregar uma rasteira. Já passei por situações que me perturbaram, mas não me tiraram a motivação, muito pelo contrário, deram-me mais vontade de ir para a pista e ser o mais rápido.”
AA – O coaching que a Speedy faz connosco na parte mental é essencial pois se não formos para a pista com o foco certo, dificilmente teremos os resultados que queremos. Estar preparado para todas as situações de corrida e ter a mentalidade certa é um passo enorme para o sucesso. Claro que ser rápido é importante, mas estar focado na corrida toda, ser constante durante toda a prova, vem com a preparação mental. O talento só não chega, é preciso algo mais que se trabalha mentalmente. E todo o feedback que recebemos por parte da equipa é importantíssimo no nosso crescimento e permite-nos evoluir muito mais rapidamente.
Já tive conversas duras mas nunca as encarei de forma negativa e sempre as encarei como necessárias para poder crescer. Nunca me fizeram pensar em desistir, apenas me permitiram mudar a forma como estava a encarar aquela situação específica, nunca colocando em causa o meu valor. Claro que se fica um pouco em baixo no momento, mas nunca se deixa de pensar no que é preciso mudar para melhorar. Estas chamadas de atenção são muito importantes.
Lembro-me da minha estreia em Vila Real. Primeira vez num citadino, e de ter entrado como muito receio para o treino 1 e quando saí do treino, o Pedro foi muito duro, pois na altura estava a lutar pelo campeonato, mas naquele treino estava fora dos 20 primeiros. E aquelas palavras permitiram que melhorasse logo na qualificação, em que fiz sexto à geral. Estas situações nunca me desmotivaram, pelo contrário, por muito que custe ouvir no momento, tem o efeito de nos levar a fazer mais e melhor.
JAB – A parte mental é metade do caminho para o sucesso e as vezes mais de metade e o Pedro Salvador nesse sentido ajuda muito e ele consegue entender quando não estamos a 100% e tenta logo contrariar isso. Se formos com a mentalidade de nos divertirmos e fazer o melhor possível, os resultados são muito mais positivos do que se formos para pista com pressão de conseguir um resultado específico. O bom ambiente na equipa ajuda muito, como acontece na Speedy, onde todos estão sempre disponíveis para ajudar e explicar de forma a entendermos melhor e evoluirmos.
Quem conhece o Salvador sabe que ele é muito bem disposto, mas já tive alturas em que ele foi também muito duro. É engraçado ver a transformação repentina que acontece com ele, mas esses momentos levam-nos a estar mais concentrados e a melhorar. Também já vi comentários com o intuito de desconcentrar mas até nesse aspeto a equipa é importante pois ajudam a filtrar o que realmente é importante do que não devemos ler ou ouvir para mantermos o nosso nível.
Quanto às dificuldades que os jovens encontram para progredir na sua carreira, a maior delas está na falta de apoio. O mercado está numa fase negativa e não abundam as empresas que queiram apoiar novos talentos.
RL – Creio que há ainda uma barreira no que diz respeito à busca de apoios, que alguns conseguem ultrapassar melhor que outros. Acho que temos de encontrar também formas de atrair mais o público para as corridas. Noto muito isso em Vila Real, em que as corridas vêm ter com as pessoas. As provas são faladas, vistas, os fãs vibram durante várias semanas com o evento. Nas outras pistas, talvez a comunicação não esteja a passar de forma ideal.
É preciso fazer com que as pessoas passem a incluir as corridas como uma boa opção para o fim de semana e que sejam uma hipótese válida para um programa bom para toda a família. O espetáculo tem qualidade, há bons carros, bons pilotos e como não há corridas todos os fins de semana é algo que impede que as pessoas se saturem. Tenho muita gente que se interessa e quer saber quando são as corridas, onde são e se as bancadas são abertas ou fechadas. Ou as pessoas seguem afincadamente e sabem o que vai acontecer, ou o fã que segue de forma menos interessada acaba por não saber onde e quando são as corridas.
E há fãs que quase têm medo de falar connosco porque acham que nós não vamos responder. Parece que há uma barreira invisível que impede que as pessoas nos abordem, algo que podem fazer com toda a facilidade. Se houver comunicação mais eficiente, pode ser que pessoas que até nem se interessem muito, tentem ver uma prova e podem ficar a gostar. Claro que é um processo que demora tempo, mas é preciso ir aos poucos. Temos condições para encher bancadas, mas é preciso chegar às pessoas para isso. Há pessoas que têm interesse em conhecer melhor os carros, ver como uma equipa trabalha, coisas que para nós já são normais mas que para quem está de fora é interessante e era bom dar essa abertura.
AA – Há dificuldade em arranjar apoios e isso pode impedir o surgimento de mais pilotos. Creio que também há pouca diversidade de campeonatos e troféus, à imagem do que acontecia antes em que havia mais troféus, por exemplo. Neste momento a escolha é limitada. É preciso também termos mais competições com boas grelhas que permitam atrair mais gente para as corridas. Mas isso sem os apoios é difícil de acontecer.
Creio que era interessante trabalhar mais a comunicação local dos eventos. Já aconteceu chegarmos a um restaurante perto do circuito onde vamos correr e as pessoas ficarem espantadas por nos verem e não saberem que há corridas nesse fim de semana. As transmissões online podem ajudar a divulgar as corridas e a fazer que as pessoas se comecem a interessar, até gostarem mais de um ou de outro piloto e isso leva a que as pessoas se desloquem aos circuitos para poderem ver ao vivo o que vem em casa. Seria pertinente uma aposta nas redes sociais ou até em cartazes na rua, resumos das corridas com mais entrevistas para mostrar não só as corridas, mas também o lado mais pessoal dos pilotos e isso poderia dar mais vontade às pessoas irem ver as corridas.
Lembro-me em Jerez que venci uma corrida e estava a festejar com a equipa e veio um grupo de pessoas que quis tirar fotos comigo e à noite mandaram as fotos para o meu facebook pessoal. Notava-se um hábito diferente do que quando estamos cá. Falamos de pessoas que nunca nos tinham visto na vida e foram falar connosco enquanto que cá não há essa abertura.
JAB – Creio que há uma grande dispersão de investimento, há muitas competições com poucos pilotos. E acho também que era importante delinear um percurso para os jovens, para que assim possam saber qual o caminho a percorrer e haver uma escola mais forte, talvez com a criação de instituições que apoiem os jovens para fomentar o aparecimento de mais pilotos. Acredito que é necessário traçar um rumo para que os jovens possam fazer carreira e evoluir para estarem mais preparados para dar o salto lá para fora, depois de uma boa escola cá em Portugal. Acho que falta essa organização e essa centralização, permitindo um apoio mais forte no percurso dos jovens.
O facto de haver pouca comunicação dos eventos dificulta-nos a vida na procura de apoios. E torna-se mais fácil atrair apoios se no final do dia tiver uma foto do meu carro com a bancada cheia. Na questão das transmissões, se elas acontecerem podemos fazer com que as pessoas que veem em casa queiram ter mais vontade de ver os carros ao vivo. O melhor exemplo disso foi quando fomos a Jerez, em que estava a F4 espanhola. Havia muita gente para ir ver a prova e lá não há barreira entre o público e o paddock e de um momento para o outro havia uma fila enorme de pessoas que iam pedir autógrafos aos pilotos e abordaram-nos também para autógrafos e brindes. Há uma proximidade muito maior. O mais próximo disso que tivemos cá foi em Vila Real, mas ainda assim não na mesma proporção como vimos em Espanha.
Quanto aos planos para o futuro a curto e médio prazo, os pilotos falaram-nos dos planos que têm previsto e do que gostariam de fazer:
RL – Infelizmente as coisas estão complicadas. A Pandemia veio complicar aumentar a dificuldade de encontrar apoios. Neste momento não tenho nada confirmado. A ideia era e é tentar correr lá fora e dar o salto, mas estamos conscientes que o salto é gigante e nesta fase mais complicado é. Neste momento tenho muita coisa em vista mas nada em concreto. No futuro quero ser piloto profissional e correr por uma marca. Adoro resistência, adoro Le Mans, adoro GTs. Por isso competições de GTs ou mesmo turismos , nos quais já corri cá, são categorias que me agradam. Para já vejo-me na velocidade. Não coloco de parte experimentar outras modalidades e tudo o que tiver um volante e quatro rodas interessa-me, mas estou focado na velocidade.
AA – Para a próxima época mantenho a aposta no Ceed, este ano foi apenas de aprendizagem e foi apenas o meu segundo ano nos automóveis. Foi a evolução e a passagem para um carro mais potente com uma grelha curta mas muito, muito forte com grandes nomes. Cresci muito mas, espero tentar lutar pelo título desde início, pois com a pandemia não pude treinar tanto quanto queria. A aposta é para manter para já. A longo prazo não tenho nada definido, mas o caminho deverá passar pelo nacional de velocidade. Para já estou focado no que vem a curto prazo. Tenho interesse em fazer ralis, porque o meu pai fez ralis e agora desperta-me curiosidade. Não sei o meu futuro a longo prazo e não sei se pode passar por aí, mas é uma modalidade que me desperta interesse.
JAB – Fiz três anos de Picanto, creio que não faz sentido continuar e vou apostar nos Ceed. Estou a tentar arranjar os apoios necessários para fazer isso. Depois disso não tenho nada definido. Acho que fará sentido uma evolução cá ou fora, mas cada coisa a seu tempo. Já fui desafiado para fazer um rali de Picanto, mas sempre fui fã de velocidade por isso para já vou manter-me pela velocidade.
É importante ouvirmos as novas gerações. São eles o futuro do desporto e são eles as estrelas do futuro. A determinação e a paixão que têm pelas corridas são o que mantém este desporto vivo. Conhecemos três percursos diferentes, em três fases diferentes de evolução. Não é fácil competir em Portugal, mas talvez com estes testemunhos e estas ideias os responsáveis possam encontrar soluções para o futuro.